quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7714: Blogoterapia (175): O Regresso, ou quem nos quer ainda ouvir (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 31 de Janeiro de 2011:

Meus camarigos editores
E assim de repente lembrei-me de uma conversa que tive em Lisboa, passados uns tempos de ter chegado da Guiné.
E então escrevi isto a que posso chamar um Conto com Toques de Verdade!

Fica á vosa disposição como sempre.

Um abraço amigo do
Joaquim


O REGRESSO

O homem sentado ao seu lado, ao balcão daquela cervejaria, olhava para ele com uma expressão entre o incrédulo e o trocista.
Há algumas horas que estavam ali sentados, bebendo cervejas atrás de cervejas, e conversando.
Não se conheciam de antes daquele dia, mas o facto de estarem os dois numa tarde de semana sentados ao balcão de uma cervejaria, tinha levado, depois de alguns apartes, ao início de uma conversa sobre tudo e mais alguma coisa e como não podia deixar de ser, ao estado do país.

Destacamento de Mato Cão  > O nome condiz com as instalações

Indubitavelmente a guerra do Ultramar veio à conversa e, perante os comentários errados e ignorantes daquele que estava ao seu lado sobre o assunto, ele decidiu dizer-lhe que tinha regressado há escassas semanas da Guiné, onde terminara uma comissão militar de 24 meses.

Ou pelas expressões do outro, ou pelas cervejas já bebidas, ou por uma necessidade interior de contar o que tinha visto e vivido, (pois que à família e amigos lhe era difícil falar do assunto), deu por si a relatar as operações, as emboscadas, as colunas, as minas, as coragens e os medos porque tinha passado e estavam tão vividas e sentidas em si.

As palavras saíam-lhe em catadupa, e parecia que estava a falar mais para si do que para o outro, que o escutava, por vezes entediado e outras poucas vezes, interessado.

De vez em quando uma frase desgarrada do outro, tal como, “isso é impossível”, ou “foi mesmo assim?”, levavam-no a quase parar a sua narrativa, mas a verdade é que ele ansiava por falar sobre a guerra, e um desconhecido era o interlocutor ideal para o ouvir.

As cervejas iam sendo colocadas no balcão e bebidas, e agora era ele quem as pagava, porque o outro tinha feito menção de se ir embora e ele não queria ficar ali sozinho a remoer nas suas recordações e sobretudo não queria perder aquele momento de contar a sua guerra, sobretudo a si próprio.

Que faço eu aqui?

Parecia-lhe que à medida que ia contando os factos, eles deixavam de fazer tanta mossa nos seus sentimentos, e embora sentisse que tudo aquilo o tinha marcado e continuava a marcar por muito tempo, percebia um certo alívio em libertar-se de algum modo daquelas memórias dolorosas.

Percebia que o outro o olhava de um modo estranho, às vezes quase com medo, mas ele ia-o tranquilizando com expressões mais calmas e sobretudo com mais uma cerveja.

Sucediam-se as emboscadas, as colunas, o medo, o anseio sentido ao levantar esta ou aquela mina.
Queria expressar as dificuldades, a sede, o medo do desconhecido, os sons da mata e os cheiros das bolanhas, mas as palavras pareciam-lhe poucas e sobretudo sem exprimirem verdadeiramente aquilo que ele tinha sentido e ainda sentia.

Falava-lhe já dos soldados africanos que com ele tinham combatido e sentia-os próximos, sentia uma saudade inexplicável daquelas noites no planalto, à luz da vela, tentando perscrutar para além do negro da mata que os rodeava.

A única coisa que naquele momento o ligava àquele balcão era a cerveja e a sua presença física, porque tudo o resto que era o seu ser, se tinha transportado para a Guiné.

Falava de rajada, as palavras lançadas para a frente como facas, a incompreensão das vidas ceifadas tão novas, misturadas com uma noção de dever ainda tão arreigada, mas sobretudo o pensamento de que estava a falar para nada, que estava a falar para ninguém, porque afinal ninguém queria ouvir o que estava a contar.

Primeiro porque pela expressão do outro, percebia a incredulidade com que o ouvia, pois deveria parecer-lhe que ele estava a descrever um qualquer filme americano de guerra.

Um Oficial do Exército Português em pleno uso das suas faculdades mentais. Até o Dick prefere ignorar, olhando para o lado.

Depois, porque percebia também que o outro não queria ser incomodado com algo que podia ser verdade, muito verdade, e se assim fosse teria de ser objecto de uma reflexão que ele, o outro, não queria fazer.

Era essa a sensação que tinha desde que tinha regressado da Guiné!
Os que por aqui estavam e viviam as suas vidinhas, não queriam saber!
Tinha regressado bem? Estava vivo?
Ainda bem! Mas agora escusava de vir contar histórias de uma guerra longe, muito longe, que não tinha nada que vir afectar as suas vidas.

Por um lado as palavras sobre a guerra saíam da sua boca, mas por outro lado o pensamento insistente de que estava a dar uma seca ao outro, que não queria acreditar no que contava, que não queria incomodar-se com guerra nenhuma, cada vez mais era premente na sua cabeça.

De repente calou-se e olhando para o outro perguntou:

- Você não acredita em nada disto pois não?

O outro abriu um sorriso, e numa expressão amigável disse:

- Eu logo vi que o amigo estava a brincar! Mas gaita que você tem cá uma imaginação!

Olhou-o então nos olhos e disse-lhe em tom pausado, mas firme:

- Também eu pensava assim quando lá cheguei, e até ouvir e sentir os primeiros tiros a passarem ao meu lado. Só então tomei consciência que aquilo era uma guerra onde morria gente. Não se preocupe com isso, e vamos beber outra cerveja.

Num instante olhou para o lado contrário, para que o outro não visse a lágrima teimosa que lhe rolou pela cara abaixo.

Estava no seu país, e ninguém o conhecia, ninguém queria saber o que tinha passado.
Era um estranho na sua própria casa!

Monte Real, 31 de Janeiro de 2011
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7592: Blogpoesia (105): P'rá vala, p'ra vala (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7712: Blogoterapia (174): Posso decepcionar os amigos, mas não os camarigos (Luís Graça)

30 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Caro Joaquim

Revi-me e revejo-me na tua história.
Infelizmente ainda é assim.

ainda que já tenham passados 40 anos..........

jose almeida disse...

Camarigo Mexia Alves
Sentimos na pele, poucos se aperceberam do estado em que o amigo vinha. Os familiares sentiram-se felizes por exteriormente vir como foi(fisicamente).Ninguem se preocupou com o estado emocional do familiar,amigo o importante era que tinha regresado para o convívio.Era mais fácil falar com estranhos,amigos de ocasião. Do que com os familiares e amigos,porque tinham alguém na recruta,especialidade ou já mobilizado.Lembro-me de me encostar a uma parede em Lisboa, olhar para a esquerda e direita,quando verifiquei que era um carro a dar ratés,soltar o Português daquele mais vernáculo que ocorreu,na altura um indivíduo perguntou-me se um tinha vindo do Ultramar,resposta imediata,o que tem você a ver com isso.No serviço RDP,um colega perguntar-me,como era a guerra na Guiné,respondi que corria bem, que não era tão mau como diziam zangou-se comigo.Quando o filho veio da Guiné(Fusileiros)pediu-me desculpa, entendeu que o quis pompar.
Fernando Almeida

Anónimo disse...

Foi mesmo assim.É mesmo assim.


O resto é conversa.


Abraço.

Jorge Cabral

Anónimo disse...

Camarigo Joaquim

É tão bom quando vemos alguém com a capacidade de descrever aquilo por que passaram a maioria dos que por lá andaram.
Lembro-me muito bem de que quando regressei, familiares e amigos tinham sempre a mesma expressão no primeiro encontro, -Artur tu vens careca ...!
O sistema nervoso ou qualquer outra coisa tinham-me levado o cabelo.
Mas será que essa era a única mazela ?
Era talvez a única visível...e as outras?
Com essas ninguém se preocupava muito, e ainda hoje assim é...!

Quatro meses depois do regreso estava a trabalhar na Rua Camara Pestana em Lisboa, e cerca da meia noite apanhava a Carreira 32 da Carris nos Restauradores em frente ao cinema Eden.
Enquanto esperava,pensando na morte da bezerra, os carros que desciam a Av. da Liberdade ao chegar aos Restauradores, porque tinham de reduzir a velocidade o Raté era inevitável. O meu primeiro gesto era de "deitar". Alguns dos que estavam na fila riam, outros comentavam em voz baixa o sucedido.
Para mim ficava a pergunta, por quanto tempo vai ser assim ?

Um grande abraço

Artur Conceição

Anónimo disse...

A fotografia da bicicleta tem graça e a legenda ainda mais.
E são verdadeiras, fieis e leais
na evocação!

Disto é qu'a gente precisa, a lembrar a estadia em África...


SNogueira

Anónimo disse...

É, a vida tem destas coisas; esperanças e desilusões. A leitura deste poste levou-me a a este pensamento. A vida é feita destas coisas.
Gostei.
Abraço amigo
Filomena

Anónimo disse...

È assim, camarigo M.Alves!

Como eu te compreendo, como eu (se calhar nós todos que estivamos lá) me revejo, nos revemos nessa tua memória agora partilhada.
Quem somos nós, para esta geração de governantes, e tentáculos circundantes dos "corredores do poder"?
Nada! - Apenas um grupo, cada vez mais restrito, "de paranóicos e desfasados desta vida actual, de competição. competências( mas de quem?.-Deles?.-Deixa-me rir, se fossem assim tão competentes, não estaríamos agora nestas tão dramáticas condições).
E fomos nós, Joaquim, fomos nós, a n/ geração de Ex-combatentes que, de certo modo libertamos este País da opressão e do obscurantismo de 50 anos, e lhe entregamos de mão beijada, o poder, a estes, e agora se calhar, aos seus filhotes e delfins, pensando nós, que nos(no mínimo)respeitariam.Vã ilusão!
Mas agora, passados quarenta anos, ainda somos alguns, mais do que "eles" desejaríam, e apesar de "podados" pelo tempo,como diz o n/V.Junqueira("companhêro/irmão da n/C.Caç 2753-K3;Bironque;Madina Fula;Mansabá- a propósito meu Alfero, um abraço tamanho do Alqueva, do Alentejanito)dizia eu que, apesar de tudo, ainda estamos vivos, e que os n/valores são os nossos valores, que os manteremos, e que, pelo menos enquanto um de nós quizer, e puder, ouvirão falar de nós.

Um abraço camarigo
F.Godinho

Juvenal Amado disse...

Camarigo Mexia
Descreves o que aconteceu com quase todos nós.
Quando regressámos éramos tratados como vendedores de banha da cobra.
O próprio regime se encarregava de espalhar a nuvem de fumo descredibilizando-nos. Como se recordam aquilo não era considerado uma guerra mas mais uma acção policial. O nosso governo tentava fazer crer por todos os meios, tanto cá, como lá fora, que estava tudo pacificado e o que havia eram um bando de malfeitores perfeitamente conrolados.
Assim nasceu as estórias das bebedeiras, do marisco barato e por último era voz corrente, que se morria mais de acidentes do que na guerra.
Era uma festa e n´s fomos uns pandegos.
Um abraço
Juvenal Amado

Torcato Mendonca disse...

Fomos,
Viemos,
Gostava que o telefone tocasse ,agora, e me fosse perguntado se queria ir fazer mais uma comissão...
Haja Deus...tinha menos quarenta anos...
Assim, se hoje tivesse bebido tanta cerveja, quantas vezes iria verter águas???? E a "cadela"...??
###
Gostei Joaquim, gostei. Foi assim mesmo. Tempos de desassossego...
Antes não queriam saber de quem por lá andava e hoje????
Um abraço Camarigo T

Torcato Mendonca disse...

Fomos,
Viemos,
Gostava que o telefone tocasse ,agora, e me fosse perguntado se queria ir fazer mais uma comissão...
Haja Deus...tinha menos quarenta anos...
Assim, se hoje tivesse bebido tanta cerveja, quantas vezes iria verter águas???? E a "cadela"...??
###
Gostei Joaquim, gostei. Foi assim mesmo. Tempos de desassossego...
Antes não queriam saber de quem por lá andava e hoje????
Um abraço Camarigo T

Anónimo disse...

Camarigo Mexia Alves

Traduziste excelentemente uma das grandes verdades por que todos, tenho a certeza, e não só alguns passaram.

Ninguém perguntava o que lá se passava, porque ninguém acreditava que havia lá guerra, como bem diz o Juvenal Amado, uma vez que nada se transmitia nos jornais, nem tão pouco nos meios de comunicação existentes. Apenas se ia fazer de "polícia" para controlar as fronteiras.

Depois riam-se com as manifestações inesperadas, provocadas por aqueles barulhos normais da rua. E nas festas...tão populares pela Província, quando eram lançados os foguetes? Não se lembram? E como o pagode se ria... pelas fugas encetadas procurando um abrigo? Pois foi assim...e por isso, que nunca deram valor a toda essa geração de Combatentes do Ultramar, já que...não tinha havido qualquer guerra. Guerra era com os "Américas" no Vietaname. Pois se até havia filmes...

Quanto aos familiares, eu compreendia-os. Pois se até lhe respondia que queria paz e sossego e esquecer...Eles não nos queriam magoar mais.

Abraço

Jorge Picado

Alberto Branquinho disse...

Camarigo Mexia Alves

Era/foi(ainda é)a dura realidade de quem voltava, no momento que voltava.
A culpa não era só das pessoas que por aqui andavam, era, também (e principalmente) dos que des(informavam).
Um abraço (com efeitos retroactivos a esses anos 60/70).

Anónimo disse...

Pois... meus caros camarigos..é para isto que este blogue serve...desabafem ....digam o que vos vai na alma...
Ninguém nos compreende .... claro.Para se compreender é preciso ter a mesma vivência dos acontecimentos...por isso é natural que quem não foi combatente.. não compreenda.
Um alfa bravo do tamanho do mundo para todos os camarigos.

C Martins

Anónimo disse...

Caro Camarigo Mexia

O meu irmão Manel esteve na Guiné, antes de mim, ali pelos lados de Teix.Pinto, Pelundo e
Jolmete, integrado na companhia «Periquitos Atrevidos»
Depois veio mamar para Quinhamel, mas isso é outra coisa e, pelos vistos, merecidamente. Ora, quando me saíu na rifa a Guiné, ia-lhe perguntando como era aquilo e ele, preocupado em não me assustar muito mas também não me querendo mentir, lá ia dando uma no cravo e outra na ferradura, entre a descrição de umas ostras com cerveja fresca em Quinhamel e um ataque a Jolmete. Bastou o primeiro dia e sobretudo uma dormida no chão dos Adidos a dar de comer aos mosquitos para perceber que o meu irmão me tinha enganado (claramente com boa intenção).
Há dias, num convívio com amigos, um deles que não passou por lá, a propósito daquela guerra dizia, com convencida sapiência:«aquela guerra, bem vistas as coisas, foi muito importante para milhares de jovens de aldeias recônditas que tiveram assim aprimeira oportunidade na sua vida, de andar de combóio, barco e avião e conhecer outros mundos, abrindo assim os olhos». Senti vontade de o mandar à merda mas íria estragar o convívio porque as outras pessoas presentes não iriam compreender porque não passaram por lá. Estou desejoso por o apanhar a jeito para lhe explicar que os os barcos serviram também para trazer de volta milhares de vidas primaveris ceifadas e para devolver às suas famílias jovens torturados por imagens negras.
Será que ele vai perceber? Ou reagirá como aquele que bebia cerveja contigo, naquele bar de Lisboa?
Um grande abraço para ti e para todos os combatentes

Carvalho de Mampatá

Anónimo disse...

Camarigos
Ainda hoje ninguém nos entende.
Quando regressei da Guiné (1972), já era empregado do BPA (Banco Português do Atântico).
Quando recomecei a trabalhar, ía a atravessar a Praça do Comércio, quando passou um automóvel a fazer "rateres", quando dei por mim estava deitado no asfalto.
Um transeunte muito amável veio junto de mim ajudar-me a levantar, a minha explicação foi que tinha tropeçado, é obvio que não lhe disse que tinha regressado da Guerra na Guiné.
Abraço
Luís Borrega

Jorge Narciso disse...

Caro Joaquim

Antes de mais um abraço.

Escreves bem hoje porque sempre o fizeste como o comprova este "Conto" com 40 anos.

Quanto à matéria tratada, a generalidade dos comentários que me antecederam garante a sua pertinencia e actualidade, bem traduzida aliás, pela sua habitual forma acutilante e sagaz, pelo Jorge Cabral:
Foi mesmo assim.É mesmo assim.

Mas ele que me perdoe, não concordo completamente com a sua frase final:
O resto é conversa

É que eu tenho uma experiencia algo diferente, quanto à atitude de terceiros, perante as nossas "histórias" da guerra.

Regressei a casa com 21 "aninhos" (após 50 meses de FAP e 19 na Guiné).
Os meus amigos de adolescencia, logo com a minha idade, estavam nessa altura a aguardar a ida: ou para a tropa, ou já para a guerra, ou...
para o "salto", e alguns o deram.

Os relatos que lhes fiz da guerra, tal como a vi naturalmente, eram não só escutados, como motivadores de inumeras e pertinentes perguntas às quais procurei sempre dar a resposta que a minha experiencia ditava.
Jamais senti reacções de incrudelidade ou rejeição.

Como resultado, passei a ser tratado nessa numerosa roda de amigos não só pelo Jorge, como era habitual, mas por:
JORGE GUINÉ.
Nome que aliás ainda ouço quando, agora mais raramente, me cruzo com algum deles.

Com mais uma abraço para a despedida

Jorge Narciso

manuelmaia disse...

~Camarigo Mexia,

Retrataste com uma fidelidade extraordinária aquilo que muitos de nós sentiram depois da odisseia,sim odisseia.
A nossa vivência na Guiné foi exactamente isso.
Por cá nem se sonhava com a realidade e precisávamos de desabafar sobre temas que a família não queria ouvir.
Ainda hoje isso acontece.
Um grande abraço
manuelmaia

Anónimo disse...

Camarigos
Lembrei-me dum episódio vivido por mim quando vim de férias á Metropole em 1971.
Nessa altura namorava uma garota com autorização dos pais. Aproveitando a minha estadia os pais quiseram apresentar o namorado da filha á avó e tia maternas.
Residiam na Ereira (perto do Cartaxo). Era um domingo e o almoço era "Cozido à Portuguesa".
Não me disseram é que era o dia das Festas da Terra. Estavamos todos sentados a mesa,de repente estoira um morteiro, só me lembro de estar debaixo da mesa a ver joelhos. E depois para me justificar à família da miúda? Lá consegui dizendo que era o procedimento usual em caso de ataque. Mas senti-me bastante mal, no dia das apresentações e acontece uma cena destas...
Ainda hoje revejo tudo...
Abraço
Luís Borrega

Torcato Mendonca disse...

Camarigo Joaquim
Comentei meio a brincar, meio a sério mais acima e até saiu em duplicado.
Mas:
-não gosto de foguetes;
-há uns anos ia dando "barraca" com um fogo de artificio a sair do chão e eu perto demais...pareciam saídas ou elas a caírem ali e o suor a aparecer...a raiva a crescer e aquilo a não parar;
-o barulho dos hélis,nem todos,mexe comigo sempre e forte,muito forte;
-bebia demais depois da vinda e virava um estúpido...
-não falava muito depois de vir...as famílias quando tinham a prol acomodada nem queriam saber onde eram as colónias...terras de outras gentes e da Lusa Pátria;

Fomos maltratados, humilhados e ofendidos e, após a vinda descartados como inúteis.Assim ficamos até hoje.
Ficaremos.
Juntam-se, alguns, uma ou duas vezes por ano, outros falam,falam mas não dizem nada!!!
Vamos cantando e rindo, muitos sofrendo em voz baixa, eles e as famílias.
Ia acrescentar algo, ia comparar. Não merecem.
Abraço Camarigo do T.

antonio graça de abreu disse...

Cheguei a Portugal, vindo de Cufar no dia 20 de Abril de 1974. No dia seguinte fui
comer um peixe a Sesimbra, com a família. Havia festa na terra e quando, de surpresa, os foguetes
começaram a rebentar não me meti debaixo da mesa, mas torci-me todo,
uma obtusa sensação de mal-estar,
o aquartelamento estava a ser flagelado.
Hoje, 2.03.2011, fui almoçar com o Zé Dinis, um cozido à portuguesa à moda da D. Preciosa, mas aqui em Caparide, no tasco alindado do João Rolo, nossa camarada da Guiné. O Zé Dinis e eu descobrimos que fizemos ambos o curso de minas e armadilhas, na Escola Prática de Engenharia, em Tancos, e dormimos em camas diferentes e anos diferentes no famoso Casal do Sapo. Fizemos todas as pazes, amigos como sempre. Mas aquela de o Zé Dinis me chamar amanuense...
Qualquer dia convido o Mário Beja Santos para irmos os dois comer uma caldeirada a Sesimbra. Eu já não tenho medo dos foguetes, peito firme às balas e a vida continua.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

É evidente que os camaradas têm razão nesta dor que sentiram e sentem pelo modo como foram recebidos. Tudo está dito no poste e nos comentários. Foi assim mesmo.

Por outro lado...

Quando fui para a tropa, trabalhava num local com mais de 20 colegas, todos, alguns bastante, mais velhos do que eu.
Regrassando ao trabalho, receberam-me naturalmente com grande alegria e boa disposição como se tivesse regressado de férias prolongadas.
Entendi - como continuo a entender - que se tratou, não de qualquer falta de interesse ou desprezo pelo que, eventualmente, pudesse ter sofrido, mas antes, por uma questão de respeito e de compreensão de modo a não contribuirem para, "avivar feridas" de tempos passados na comissão no Ultramar.
Mas, note-se, penso assim certamente por ter tido uma comissão tranquila especialmente quando comparada com a esmagadora maioria dos camaradas da Guiné, como é bem patente no nosso blogue.
Mas os meus colegas não sabiam disso. E, repito, não queriam saber pensando no meu bem-estar. É assim que penso neles. Tantos, infelizmente, já desaparecidos. Eram - são - belíssimas pessoas e bons amigos. Tenho-os no coração.

Um abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Caro Camarigo Mexia Alves, Saudações.

Concordo com a narração do teu conto de verdade assim como dos comentários havidos, ainda nos relembramos do que se passara e as insónias para que as quero.

Embora não tivesse efectuado missões ao objectivo IN, passou-se por mim um pouco dos factos narrados e que são o intrínseco que de uma forma geral se passara no interior da Guiné.

Com um Abraço
Arménio Estorninho

Anónimo disse...

Boa-noite amigo Mexia Alves!

Queria dizer-vos, que acho que devo ser um caso raro, no interesse em saber o que se passou e pelo que passaram os ex-combatentes durante aquele período.
Sempre tive a sensação (creio que muito real), de que os ex-combatentes se fechavam demasiado, ou porque não lhes era agradável recordar, ou porque as pessoas, (familiares e amigos),evitavam as perguntas com medo de avivar as memórias desagradáveis.
Por mim, gostaria que todos tivessem
(despejado o saco), pois dá-me a sensação que tinha sido melhor para
todos. Eu também gosto de esconder bem fundo o que não gosto, mas, quando é preciso, faz-se presente o que nos dói e as razões clarificam-se, e a dor torna-se mais suportável...mas, quem sou eu?
que sei eu do vosso sofrimento?
Contudo, sou humana e sensível e não foi em vão que os anos passaram por mim.
Ajudaram-me a compreender, e a avaliar, a vossa negação da dimensão da tragédia que vivestes, perante as famílias e os amigos, que ainda hoje perdura.
Mas quero dizer-vos, que eu gostava de participar num debate sobre este tema. Gostava de provocar uma abertura, que predispusesse para a libertação dos vossos 'fantasmas', porque sinto que é preciso que isso aconteça.
Peço desculpa pela minha atitude, mas, como diria Fernando Pessoa, 'Não te acostumes com o que não te faz feliz. Revolta-te quando julgares necessário'.

Solidária e amiga

Felismina Costa

José Barros disse...

Caro amigo

Recordar é viver....
Assim se faz a história da guerra.Pena é que passados que são 4o anos tudo continua na mesma.
Somos os esquecidos de sempre.....

Um abraço.

Luís Graça disse...

O melhor do nosso blogue... é justamente a capacidade que todos temos (pese embora o maior talento literário de alguns...) de pôr em palavras simples os sentimentos, contraditórios, que aquela guerra nos despertou lá, do princípio ao fim, e depois cá, no regresso.. e ainda hoje. Tocaste na "mouche", Joaquim. Quando "racionalizamos", entramos noutro terreno em que já não somos tão bons...

Anónimo disse...

Joaquim, Parabéns!
Fizeste um texto lindo, de bem escrito e de realismo.
Já lá vão uns quarenta aninhos.
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

Comandante da Tabanca do Centro, ainda a tempo de te enviar um abraço de parabéns de quem conseguiu falar pela boca de quase todos nós.

Os sentimentos expressos, as dificuldades que todos nós sentimos com o regresso, esse botar cá para fora das nossas dificuldades, fazem do Luis Graça e Camaradas da Guiné o local maravilhoso que em boa hora foi criado( fundamentalmente para este fim, creio eu)e que ninguém poderá, por muito que alguns se esforcem, destruir.

Um abraço para o Joaquim e outro para o Luís.

Vasco A. R. da Gama

Antnio Tavares disse...

Camarigo J.Mexia Alves

Após leitura do teu texto e dos antecedentes 27 comentários só posso dizer OBRIGADO por que também senti que estava naquele douto escrito!

Um abraço de amizade do

António Tavares
TO da Guiné 1970/72

Manuel Joaquim disse...

Meu camarigo Joaquim

Belo texto, que reproduz uma atmosfera tão comum,tão inesperada e tão incompreensível para os ex-combatentes que até doía!
Mas não é de admirar pois, para o poder político da altura não havia nenhuma guerra, eram só umas pequenas escaramuças. A censura à informação encarregava-se de o fazer crer.E o que é certo é que globalmente resultava!

Um abraço

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Mexia Alves

Um interessante relato ficcionado dum diálogo ou conversa entre um recém regressado das guerras de África e um interlocutor de ocasião, mais ou menos interessado.

Nós sabemos que não é muito fácil distinguir onde começam e acabam a ficção e a realidade, sendo certo que, muitas vezes, esta última ultrapassa o outra. E o problema dos 'crentes' é que necessitam de 'ver para crer', pois essa pergunta que colocaste de 'estava a brincar, não estava?' não foi nada que não se ouvisse.
Aliás, quando se podia entar em conversa com algum tipo de informação mais séria, havia o risco de se estar a infringir qualquer coisa: "informações reservadas", "alarmismo ao serviço de fins inconfessáveis", "desmotivação do patriotismo", etc.
Para além desse risco, também é como por aqui já foi referido, poucos queriam saber pormenores, o ente querido ou amigo já tinha regressado, o resto era passado, até porque ao tomarem conhecimento das realidades ficavam com o dever moral de ajuizar sobre os acontecimentos e isso podia trazer 'aborrecimentos' e o melhor era ignorar.

Quando vim, descrevi tudo o que vi e também as minhas interpretações do que se passava, ao meu círculo de amigos. Muito pouco aos familiares. Depois adoptei a fórmula, quando alguém com genuína curiosidade ou por alarvice quando perguntavam "atão, mataste muitos pretos?, atão, aquilo é assim tão mau como 'pintam?, e gaijas? deixaste muitos filhos?" nessa ocasião deixei de responder mais o que quer que fosse para além dum lacónico "já passou!".

É pena a falta de capacidade da nossa indústria cinematográfica para fazer filmes sobre esse periodo. Tinham, e teem, um imenso manancial de argumentos, e não precisam de inventar, basta relatar...
Estou agora a recordar uma cena do filme "O Caçador" em que naquela comunidade retratada, em que uns quantos jovens, imbuídos do espírito do 'dever à Pátria' motivado pelas campanhas de angariação de voluntários, se decidem a incorporar as forças armadas do seu país para ir defender as ameaças e as fronteiras a milhares de quilómetros de distância, para ir combater o 'yellow man' como na canção do Springstem, encontram um 'veterano' também da comunidade, mais velho, que ali regressa ou está de passagem, julgo que de licença, e logo o rodeiam, com grande euforia e o bombardeiam com perguntas várias sobre o Vietnam, como é, se estão a ganhar, se vai acabar depressa, e o outro, não responde mais nada para além dum seco "F....-se".


Abraço
Hélder S.