segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7739: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (57): Na Kontra Ka Kontra: 21.º episódio




1. Vigésimo primeiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 6 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


21º EPISÓDIO

Quase todo o pessoal continuou por algum tempo à mesa, comentando a visita do Comandante de Bafata. Todos manifestaram a ideia que o tinham achado um homem duro, distante e até ríspido de mais para com o Alferes. Este explicou que era a maneira de ser do Coronel mas quem o conhecia bem, como ele próprio, o achava cordial e principalmente um homem justo, com quem se podia contar.

Todos continuam a conversar menos o Alferes que se cala ficando pensativo. Passados poucos minutos levanta-se e sem sequer se despedir, contrariamente aos seus hábitos, dirige-se à sua morança. Entra, sai, vai ao “quarto de banho”, sai, vai carreiro abaixo em direcção à fonte, pára, volta para trás, entra novamente na sua morança, tira a roupa e deita-se.

Efectivamente está nervoso. O adiamento da conversa com o pai da Asmau deixa-o assim. Sabe que também os africanos se recolhem nas horas de maior calor, pois no princípio da época das chuvas, a temperatura chega muitas vezes aos quarenta e cinco graus à sombra. Um verdadeiro inferno. Só quando chove, o que acontece quase todos os dias, se sente um certo alívio. Tem que rapidamente falar com o Chefe de Tabanca mas terá que esperar pelo fim da tarde.

Tenta dormir mas não consegue. Deixa passar umas três horas. Apesar de o pai da Asmau já saber do pedido, o Alferes não o quer incomodar pois ele ainda pode estar a dormir. Também não fez falta ao seu pessoal pois o Furriel dirige os trabalhos.

Levanta-se, passa um pouco de água pela cara, veste-se e não espera mais tempo. Como se de um acto de guerra se tratasse, resolve “atacar”. Com o pacote de cola que o João lhe tinha emprestado, desta vez não vai a eito, feito autómato, nem tão pouco pelo carreiro mais directo para a morança do Adramane. Vai em zig-zag pelos carreiros de forma a demorar mais tempo. Nunca era demais pensar bem no que iria dizer ao pai da Asmau. Embora já se tivesse aconselhado com o João e este lhe tivesse dito que se o pai de uma bajuda aceitar o casamento, tudo se resolve com “um toma lá dá cá”, também lhe tinha dito que faz parte conversarem durante bastante tempo para dar ideia a quem está cá fora, que o “negócio” foi difícil. Desta vez até iria ser. Chegado ao seu destino chama como da vez anterior:

- Adramane, Adramane.

O Chefe de Tabanca vem à porta e como já sabe ao que o Alferes vem, manda-o entrar.

Não se sabendo o que se passou dentro da morança, é fácil imaginar, tendo em conta a expressão de satisfação do Alferes, ao sair.

Mais tarde, já sentados à mesa para o jantar, o Alferes Magalhães comunica que se vai casar com a bajuda Asmau e que o casamento será daí a três ou quatro dias, o tempo necessário para se preparar a festa. Irá haver cabritos e galinhas para todos tirarem a barriga de misérias. Para o nosso Alferes não só a barriga mas também o… coração. Foram-se levantando da mesa, ficando só o Furriel e o Alferes. É então que este tem o desabafo:

- Quero dizer-lhe que não foi difícil conseguir a Asmau mas, contrariamente ao que me tinha dito o João, que com uma vaca e uns cabritos já se conseguia uma bajuda, neste caso o pai não “abriu mão” dela a não ser por duas vacas mais os cabritos. Claro que não me custou a desembolsar o dobro do que pensava. Mal ele sabia que eu estava disposto a dar três ou mais vacas. O Adramane não sabe o que ali tem, ou só sabe em parte.

- Só lhe posso dar os parabéns, meu Alferes.

No dia seguinte não teve que se preocupar muito com os preparativos da festa. Apesar de também lhe competir a sua parte, como ali é costume, os pais da Asmau, compreendendo a situação, assumem quase tudo. Cai na realidade. Pensa que para além da alegria que sente por ir desposar aquela maravilhosa bajuda, também está em guerra e não pode agora permitir que o PAIGC vá ofuscar a sua felicidade.

Estar com a Asmau a sós não pode, por força do acordo feito com o pai dela. Assim, e depois de escolher um grupo de homens, brancos e africanos como era costume, vai fazer um patrulhamento de uns quilómetros à volta da tabanca. Além de conhecer melhor as imediações, a principal razão era ver se eram detectados vestígios da passagem de algum elemento da guerrilha.

A saída para mais um patrulhamento.

Esta pequena operação decorreu sem a detecção de qualquer indício o que lhe aumentou a sensação de bem estar. O nosso Alferes, ao passar pelas sentinelas que estavam na mata para os lados de Padada aproveitou para as posicionar melhor, no sentido de terem um melhor campo de visão através da mata, que por ali era bastante aberta.

Chega para o almoço, dorme uma sesta, como já não acontecia há dias e ainda procura ver a Asmau para saber como ela tinha reagido ao “pedido de casamento”. Não demora a vê-la passar por entre as moranças. Dirige-se ao seu encontro.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7719: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (56): Na Kontra Ka Kontra: 20.º episódio

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