segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7700: Memória dos lugares (129): Ponta do Inglês no tempo da CART 1746 (Manuel Moreira)

1. Mensagem de Manuel Moreira* (ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69), com data de 29 de Janeiro de 2011:

Vou tentar explicar a passagem da CART 1746 pela Ponta do Inglês*.

A Companhia saiu de Bissorã no dia 07 de Janeiro de 1968 para Bissau a fim de ser colocada no XIME.

Esteve nos Adidos até dia 10, dia em que embarcou no "BOR ", rio Geba acima até ao XIME, excepto o 4.º GComb, do qual eu fazia parte, sob o comando do ex-Alf Mil Gilberto Madaíl, que seguiu numa LDM directamente para a Ponta do Inglês onde fomos render um GComb da CCAÇ 1550 que estava em fim de Comissão.

Foi muito MAU pois passados poucos dias começou a faltar os alimentos que tinham sobrado do dito GComb ao ponto de ficarmos sem nada para comer e beber. A Ponta do Inglês só era abastecida por rio porque por terra era impossível e demorou MUUUUITO tempo.

Manuel Moreira no Xime

O Alf Mil Madaíl, sabendo da minha "veia poética", sugeriu-me a fazer uma canção à fome que estávamos a passar e nessa mesma noite (28 Janeiro 1968) saiu a "Canção da Fome" que me fez passar maus bocados, politicamente, como devem calcular !!!!!!!!!!!!

Faziam-se patrulhas diárias às imediações e itinerários que serviam o Destacamento, recolha de água de um poço "democrático" pois, de manhã era nosso e de tarde era do IN, portanto, sem hipótese de contaminação.

Como eu era Mecânico não saía nas patrulhas, ia apenas buscar água ao poço com o Unimog, daí não saber nada sobre a história da Ponta do Inglês, não sou a pessoa indicada mas talvez o Capitão Vaz, algum dos Alferes ou Furriéis que por lá passaram o possam fazer.

Fomos flagelados diversas vezes com armas ligeiras e pesadas mas sem consequências de maior, graças à nossa experiência e valentia e da Secção do Pelotão de Morteiros 1192 que estava connosco.

Talvez devido às péssimas condições de habitabilidade e impossível acesso por terra, provocando assim o isolamento total com a Companhia, se tenha pensado em terminar com o Destacamento da Ponta do Inglês e assim sendo, deu-se início à evacuação no dia 07 de Outubro de 1968 sendo destruído o Destacamento no dia 09 de Outubro de 1968. É o que me ocorre .

Seguem algumas quadras da época e que fazem parte do meu "Diário de Guerra".

221
Companhia dividida
Quando chegámos ao dia dez
Fui com o 4.º Pelotão
Para a Ponta do Inglês

222
Companhia foi p´ró XIME
Que é Sector de Bambadinca
Ficámos todos a saber
Que nesta Zona ninguém brinca

224
Crocodilos em descanço
Com a cabeça no ar
Todos muito alinhados
Para nos ver passar

225
Deixámos o Geba
P´ró Corubal virou-se o leme
Na Ponta do Inglês
Nos largou a LDM

229
Da farinha que nos deixaram
Pouco Pão comemos dela
Tinha tantos, tantos bichos
Que se tornou amarela

230
Dava nojo, vos garanto
Olhar p´ró pão metia medo
Aproveitava-se tanto
Como a cabeça de um dedo

232
Foi na Ponta do Inglês
Que ficou célebre o meu nome
Quando tive que fazer
Uma canção à fome

São algumas das 326 que fazem o meu Diário

Um Abraço a toda a Tabanca e em especial aos meus Camaradas da CART 1746 e do Pelotão de Morteiros 1192.

Manuel Moreira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7642: Memória dos lugares (122): Ponta do Inglês e Gã Garneis, dois destacamentos, com tristes recordações, no subsector do Xime (Beja Santos / Manuel Bastos Soares / Manuel Moreira / José Nunes)

Vd. último poste da série de 28 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7691: Memória dos lugares (128): Foto da Antiga Administração de Gabú (ex-Nova Lamego) (Virgínio Briote/Rui Fernandes)

2 comentários:

Luís Graça disse...

Camarigo Manuel Moreira:

Antes de mais um xicoração do tamanho do Corubal... E agora vai um apelo: do que é que estás à espera, com mais de 3 centenas de quadras e sextilhas do teu "diário de guerra" ?

O Cancioneiro do Xime é todo teu, ainda não apareceu mais nenhum poeta do Xime a pedir-te meças...

Como em tempos escrevi, assinalando a tua entrada (formal) na nossa Tabanca Grande, a Ponta do Inglês foi um “matadouro”, para as nossas tropas e para as do PAIGC, sendo um sítio de trágica memória para muitos ex-combatentes que lá participaram em operações (ou que defenderam o destacamento, como tu).

Seria uma pena que os camaradas,amigos e camarigos da Guiné não pudessem chegar a conhecer o resto da tua obra poética...

Fica aqui o convite (e o desafio) para partilhares connosco o resto dos teus versos... Se não erro, só foram publicados dois postes dedicados ao Cancioneiro do Xime, com um intervalo de 3 anos e meio...

Dá também um abraço ao teu vizinho e nosso camarigo Paulo Santiago.

Luís Graça

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31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

28 de Dezembro de 2009
Guiné 63/74 - P5557: Cancioneiro do Xime (2): Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira)

27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3526: Tabanca Grande (99): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Manuel Moreira

A história do conjunto das nossas passagens pela Guiné é o conjunto das nossas histórias individuais, como é óbvio.
Portanto, não tens que ter problemas por só 'conheceres' o caminho da água...
Parece que é pouco, mas não é, como facilmente se pode perceber pelos relatos em verso que produziste.

Abraço
Hélder S.