quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7607: Notas de leitura (187): Os Portugueses na Guiné, de Mário Matos e Lemos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de11 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Estes apontamentos para uma síntese remete-nos obrigatoriamente para a questão da necessidade de termos uma actualizada história da Guiné Portuguesa, depois de René Pélissier não há nada no mercado que garanta uma boa visão de conjunto.A questão é tanto mais grave quanto a Guiné-Bissau, tirando apontamentos propagandísticos, na sua maior parte, não apresenta contributos suficientemente válidos que permitam a justaposição de olhares.
À consideração de quem direito (que devemos ser todos nós).
Um abraço do
Mário


Os portugueses na Guiné: uma boa síntese para o grande público

Beja Santos

Há várias histórias da Guiné bem como monografias, infelizmente o olhar do historiador tem-se orientado para outras preocupações e o grande público, na actualidade, não tem oportunidade de uma visão abreviada do que foi a história da Guiné entre os séculos XV e XX. Os apontamentos para uma síntese de Mário Matos e Lemos são, nessa perspectiva, uma obra de referência digna de atenção e merecedora de actualização (“Os Portugueses na Guiné, Apontamentos para uma Síntese”, por Mário Matos e Lemos, Crédito Predial Português, 1996).

O autor interessa-nos pelo essencial, a saber: o que era de facto a Guiné dos portugueses; que tipo de ocupação do território se exerceu nas costas da Guiné e o papel desempenhado pelos lançados e tangomaos; a Guiné, a escravatura e o comércio, a economia depois da abolição da escravatura; as lutas pela ocupação efectiva do território, com destaque para as campanhas de Teixeira Pinto; a economia da Guiné durante o período republicano; a Guiné o e Estado Novo; e a luta pela independência. Vejamos os dados mais salientes desta sinopse.

Primeiro, no Portugal do século XV o termo Guiné tinha um sentido mais amplo que hoje: designava a Terra dos Negros, por oposição à Terra dos Mouros. A Guiné dos portugueses era uma vasta extensão de costa que se estendia do Cabo Bojador para o Sul e conheceu várias designações – Costa dos Escravos, Costa do Ouro, Costa da Malagueta, Costa do Marfim. No século XVII, esta Costa da Guiné era toda a terra que se estendia do Cabo Verde (região do Senegal) até perto da Serra Leoa. Ainda no século XV começaram as viagens de particulares e está comprovado que em 1445 ou 1446 largou de Lagos uma caravela comandada por Álvaro Fernandes terá chegado à enseada de Varela, próxima do Cabo Roxo, onde os portugueses foram atacados. O interesse comercial da costa africana era um facto. Em 1469, o rei deu o monopólio do comércio africano a Fernão Gomes, concedendo-lhe toda a exploração de toda a costa da Guiné.

Segundo, a exploração da terra firme defronte das ilhas de Cabo Verde tornou-se uma realidade a partir do século XVII. Os lançados e tangomaos eram homens lançados no interior da costa descoberta, em busca de informações ou de contactos que permitissem estabelecer relações comerciais. Tangomao passou a ser sinónimo daqueles que eram enviados para obter informações sobre povos, lugares e rotas comerciais, incluíam aventureiros e renegados, fugidos à justiça. Tiveram um papel importante à volta dos portos e feitorias. Ainda no século XIX se falava dos lançados para os distinguir dos grumetes, estes últimos vão ter um papel preponderante a partir do século XIX sobretudo na praça de Bissau. Eles eram filhos da terra, eram mestiços, vivam seja ao lado dos portugueses, seja ao lado das suas etnias de origem. E o autor clarifica: “No século XIX, com o desaparecimento da escravatura, o sistema económico da Guiné modifica-se e intensifica-se a exploração agrícola – particularmente das oleaginosas, que tinham bom mercado na Europa – em propriedades que parecem ter surgido primeiro ao longo do rio Grande de Buba e cujos proprietários, nesta região, eram geralmente luso-africanos ou franco-africanos. São os Gans, unidades agro-comerciais e também unidades unifamiliares, mas uma família alargada, constituída pelo pai, pela mãe e pelos filhos que, quando rapazes, iam sempre que possível estudar para o estrangeiro, pelos trabalhadores e pelos meninos de criação, que eram crianças recebidas no Gam para serem educadas e provinham de outras famílias menos abastadas das praças ou das povoações em redor. Cada Gam, ou Gã, era conhecida pelo nome do seu proprietário: Gam-Turé, Gam-Sampaio, Gam-Teixeira, etc. Ainda hoje, na Guiné-Bissau, mas esvaziadas do seu conteúdo, se encontram povoações com esta designação, ou, até, simples lugares dentro de uma povoação.

Terceiro, a partir do século XVII a importância económica de Bissau passou a ser preponderante: foi criada a Companhia de Bissau, tendo sido confiada à Companhia de Cacheu e Cabo Verde a construção da fortaleza. Navios de vários países passaram a frequentar estas paragens. No século XVIII, o governador de Cabo Verde recebeu instruções para enviar soldados para Bissau, gente corrécia, como se comprovou. Passa a ser frequente remeter para Bissau todos os condenados de delito comum, vadios e desertores. A soberania portuguesa estava limitada na região a Ziguinchor, Farim, Cacheu, Bissau e Geba, mesmo com as fortificações em péssimo estado. As descrições do povoamento e ocupação de que dispomos são pouco abonatórias: militares poucos escrupulosos, tropas constituídas por degredados. Entretanto Bolama entra na história da Guiné, no século XVIII os ingleses interessaram-se pela posição, a questão da soberania da ilha vai arrastar-se por bastante tempo até regressar efectivamente à administração portuguesa no século XIX, depois da arbitragem do presidente Ulisses Grant, dos Estados Unidos.

Quarto, após a abolição da escravatura, a economia da região mudou de rumo mas as dificuldades pareciam insuperáveis não só devido aos constantes incidentes com os papéis de Bissau como as revoltas de outras etnias. Dá-se a separação administrativa de Guiné e Cabo Verde, a cobiça estrangeira é permanente, ocorrem vários desastres militares, fulas e mandingas sublevados acabam por chegar a um compromisso com as autoridades portuguesas. A convenção luso-francesa de Maio de 1886 define as fronteiras com as colónias francesas limítrofes. Perdeu-se definitivamente a região de Ziguinchor para os franceses que deram em contrapartida, o reconhecimento do protectorado português sobre uma larga faixa de território entre Angola e Moçambique. As lutas travadas na Guiné, tanto no século XIX como no século XX, espelham a fraca ocupação do território o mesmo é dizer a falta de soberania portuguesa. É verdadeiramente no dobrar do século que se desencadeiam acções contra os povos bijagós, os papéis, os grumetes de Bissau, os povos do Oio, etc., até 1936 foi um penoso tempo de campanhas, acordos, compassos de espera e ruptura de tréguas. Inegavelmente, as campanhas de Teixeira Pinto constituíram o momento alto da pacificação e da deposição de armas, mas só se pode falar de pacificação em todo o território a partir de 1936.

Quinto, o comércio evoluiu positivamente da Monarquia para a República aumentou o número de propriedades agrícolas, beneficiaram sobretudo os cabo-verdianos, os sírios e os libaneses; abriram-se vias no interior e a actividade comercial teve surtos de alento. No decurso da primeira guerra mundial aumentou a produção de arroz na Guiné e intensificou-se a exportação das oleaginosas. A Guiné irá ficar com uma das referências das revoltas republicanas durante o Estado Novo pelo seu levantamento de 1931. Entretanto a capital transfere de Bolama para Bissau, em 1941, segue-se um período em que a Guiné se transforma numa colónia modelo, no tempo do governador Sarmento Rodrigues.

O caminho para as independências teve natural reflexo na Guiné depois das independências da Guiné-Conacri e do Senegal. É uma história já bem conhecida que irá desembocar na proclamação unilateral da independência, em 24 de Setembro de 1973. Em 10 de Setembro de 1974, o governo português procedeu ao reconhecimento solene e formal da independência guineense. Em 14 de Outubro desse ano, o PAIGC entrou em Bissau. À frente, o tanque de Nino Vieira.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7575: Notas de leitura (186): Uma História de Regressos, de Margarida Calafate Ribeiro (Mário Beja Santos)

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