sábado, 18 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7467: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (8): Noite de Natal de 1969 em Bissau (Carlos Pinheiro)

O MURAL DO PAI NATAL DA TABANCA GRANDE 2010 (8)

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 17 de Dezembro de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Boas Festas para toda a Tabanca e para todos os Tabanqueiros Camarigos.

Cá vai mais uma pequena "estória", verdadeira como as outras, que procura relatar a Noite de Natal de 1969 no Centro de Mensagens do STM no QG/Bissau.

Se achares por bem a sua publicação, claro que seria para mim muito agradável poder dar a recordar a alguns e a conhecer a muitos outros, um pormenor importante numa noite importante.

Se isto vier a ser publicado, agradeço o teu habitual aviso.

Um abraço
Carlos Pinheiro


Noite de Natal de 1969 em Bissau

Nesta época natalícia há recordações da Guerra que nos vêm mais à memória e o melhor, antes que seja tarde é passá-las para o papel.

Era véspera de Natal de 1969 e, se bem que a guerra por vezes abrandasse, nunca parava. Era talvez a noite do ano em que mais cautelas havia, em que quem estava de serviço estava mesmo operacional, bem desperto, com os olhos e os ouvidos bem abertos não fosse o diabo tecê-las. E havia sítios e posições que nunca podiam ser descuradas. Por exemplo, na minha guerra, no STM do QG de Bissau, que comunicava com o mato, com todos os COPs, todos os Agrupamentos, todos os Batalhões, todas as Companhias e até muita outras subunidades, através das quatro redes de rádio (grafia) existentes, que comunicava com a Metrópole, em grafia e em fonia e às vezes até por teleimpressor 1), com o Batalhão de Telegrafistas na Graça, onde era a Direcção Nacional do STM, que depois encaminhava as mensagens para os destinos, que comunicava com a Marinha e com a Força Aérea através de teleimpressor quando funcionava, ou, na sua falta, pelos estafetas de serviço que levavam as mensagens em mão, mediante protocolo, ao Oficial de Dia à Unidade destinatária, a nossa guerra nunca podia parar. E as antenas colocadas ali bem perto, na Antula, eram o suporte e a garantia de que as mensagens chegavam aos seus destinos.

Também tínhamos já nessa altura o fac-simile, equipamento arcaico e nada funcional mas, que mesmo assim, foi o precursor do fax que apareceu muitos anos depois, e que só servia para fazer explorações esporádicas com o BT em Lisboa. Chegámos a ter, só para vista, na altura da visita do Director da Arma de Transmissões à Guiné, um teleimpressor pretensamente “ligado” ao Batalhão de Mansoa. Mas isso são contas de outro rosário.

Com o nosso macaquito, companheiro de todas as noites.

Nessa noite de Natal, depois de um jantar mais que atribulado que chegou a meter uma marcha até à messe de oficiais e ao "palácio das confusões" (messe de sargentos) onde os senhores estavam numa grande janta e o pessoal de serviço sem direito a nada, (a CCS/QG, vá-se lá saber porquê, tinha-se esquecido de nós) depois deste pequeno incidente se ter resolvido, e sem que a nossa guerra tivesse alguma vez parado, nessa noite que devia ser de paz, recebemos uma mensagem zulu, (relâmpago), duma unidade do mato de que já não me recordo, e que tinha estado a ser flagelada, a pedir somente, vejam bem, um FRAPIL, porque no ataque tinham ficado sem gerador e dentro em pouco ficariam sem comunicações uma vez que as baterias de emergência não aguentariam muito.

Já era tarde, talvez mais de meia-noite, quando isto aconteceu. Eu era o Chefe de Turno do Centro de Mensagens, como fui tantas vezes. Foi só chamar-se o motorista, ainda me lembro, o Mamadu Djaló que mais tarde foi motorista de táxi na cidade, que estava encostado no Unimog e pormo-nos a caminho do Batalhão do Serviço de Material, ali à Bolola, e entregar a mensagem ao Oficial de Dia para providenciar no sentido do solicitado chegar ao seu destino logo de manhã cedo. E assim aconteceu. Lá foi um Allouette III, bem cedinho, cumprir esta missão importante, de que nós tivemos logo o reporte quando o FRAPIL foi instalado e começou a cumprir a sua missão recolocando o rádio no ar.

Situações idênticas à que acabo de relatar, e outras muitíssimo mais graves, eram frequentes, sempre em resultado duma Guerra em que dois lados estavam empenhados. Mas esta, pelo simbolismo do dia, pela solidão da noite, pela saudade de outros Natais, nunca foi esquecida.

Nessa noite, como era habitual, os rádios nunca pararam, mas este caso foi de facto o mais relevante que aqui recordo com nostalgia.

Resta relembrar, quando havia noites calmas, e isso também acontecia por vezes, mesmo assim os rádios nunca paravam, porque de vez em quando, o Posto Director fazia os chamados QTRs, só para confirmar que os Postos estavam permanentemente em escuta. E a CHERET, estava sempre de ouvido bem aberto.

1) Teleimpressor – Equipamento de transmissão de mensagens escritas com teclado e rolo de papel acopulado, com gravador de fita, que foi o precursor do Telex que entretanto caiu em desuso.

Carlos Pinheiro
1º Cabo Op. Msgs.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7464: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (7): (Joaquim Mexia Alves / José Martins / Mário Migueis da Silva / José Manuel Matos Dinis)

11 comentários:

Luís Graça disse...

Obrigado, Carlos, pela tua história de Natal, a tal noite que calava mais fundo do que as outras, nos nossos corações... e em que os rádios nunca se calavam nem se podiam calar...

Os homens (não havia ainda mulheres) das transmissões merecem aqui uma palavra especial de apreço, respeito, agradecimento e consideração... Os operacionais só se lembravam deles quando precisavam deles... é como tudo na vida: somos injustos uns para com os outros.... Hoje, na cama, com uma tremenda ciática na perna esquerda, correndo o risco de ficar no "estaleiro" neste Natal, lembro com saudade e gratidão os nossos camaradas dos serviços de saúde (, os "pastilhas", que nos apoiavam quando estávamos doentes, que cuidavam de nós... (E quem não esteve doente naquele inferno verde que era então a Guiné ?).

Carlos: Para a história ficar completa, tens que "descodificar" alguns palavrões que usaste... Por exemplo, FRAPIL (gerador alternativo?), QTR, CHERET, etc...

Obrigados pelas suas saudações natalícias... Continua a escrever, que tens jeito e material.

Anónimo disse...

Primeiro que tudo as melhoras dessa ciática. Eu sei bem o que isso é. Já tive. Parece que me curei porque já lá vão mais de 15 anos. Muita Vitamina B12 e um bom massagista que saiba da cura, é o que te desejo.
Quanto à descodificação, de facto não me preocupei visto que estava a escrever para ex-militares. Mas como o tempo foi passando, lá vai;
FRAPIL era uma aprelhómetro que servia para manter as baterias dos potos de rádio sempre em carga quando falta a luz, o que era habitual em toda a Guine, incluindo em Bissau uma vez que toda a energia era produzida por geradores que de vez em quando entravam em falência;
QTR - Era uma sigla usada em rádio para se acertar a hora dos vários postos de rádio e simultaneamente para manter todos em escuta, quer dizer acordados;
CHERET - Era a Chefia do Serviço de Reconhecimento das Tansmissões que servia para manter a disciplina instituida no ar. Esta especiliadade era data na Trafaria - BRT - Batalhão de Reconhecimento das Transmissões que também formava o pessoal Cripto.
Sempre ao dispor. Sempre à escuta. Transmita.
Um abraço
Carlos Pinheiro

Hélder Valério disse...

Caros camarigos

É interessante como nos vamos recordando destas coisas que já estavam 'arrumadas' nos cantinhos da memória....

Pois, o Carlos utilizou 3 simples palavras ou siglas e logo foi necessário esclarecer melhor, e fê-lo muito bem.
Gostava apenas de acrescentar que a sigla QTR quando emitida por, normalmente, um 'posto director', ou seja, que o operador de grafia fazia soar (--.- - .-.) servia de facto para 'acertar a hora' mas principalmente para verificar a permanência em rede de todos os componentes da mesma, pois podia acontecer que na falta de serviço dum determinado posto durante algum tempoal, houvesse algum laxismo indesejável.

Como o Carlos escreveu: "para manter todos em escuta, quer dizer acordados".

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Camaradas,Frapil era um pequeno gerador de electrcidade,de fabrico nacional cuja fabrica estava,sedia-
da em Aveiro,Com potencias da ordem dos 5Kva,terminou a guerra e foi-se,hoje importa-se da China e mais barato,muitas industrias desapareceram com o fim da guerra,lembro-me das industrias Pereira e Brito da Amadora que fazia os impermiaveis.
Jose Nunes
Beng 447
Guine 68/70

Anónimo disse...

Camaradas,Frapil era um pequeno gerador de electrcidade,de fabrico nacional cuja fabrica estava,sedia-
da em Aveiro,Com potencias da ordem dos 5Kva,terminou a guerra e foi-se,hoje importa-se da China e mais barato,muitas industrias desapareceram com o fim da guerra,lembro-me das industrias Pereira e Brito da Amadora que fazia os impermiaveis.
Jose Nunes
Beng 447
Guine 68/70

Torcato Mendonca disse...

E um barulho do caraças.

Mansambo durante meses e meses...tinha electricidade em pó....ia o Frapil
AB T

Anónimo disse...

Obrigado ao Jorge Nunes pelo complemento técnico que deu à minha informação. Por acaso também sabia que o FRAPIL era fabricado em Aveiro, só que na altura não me lembrei. Mas não sabia que depois da guerra a sua produção tinha acabado. Quanto à importação da China de um sucedâneo, isso já não me admira. Se importamos as batatas que comemos, como é que não haviamos de importar um gerador por muito pequeno que fosse.
Um abraço para todos e BOM NATAL.
Carlos Pinheiro
20.12.10

Carlos Vinhal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Vinhal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Vinhal disse...

Caros camaradas
O nome Frapil foi-me familiar profissionalmente durante muitos anos. Os instrumentos de medida, os TIs e os TTs, eram na grande maioria desta marca.
Nem de propósito (é quase trágico, leiam a notícia deste link: http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=501790

Um abraço
Carlos

manuelmaia disse...

CARO CARLOS PINHEIRO,


UM GRANDE ABRAÇO DE PARABÉNS.
PASSA UM DIA FELIZ COM AQUELES QUE AMAS.
ABRAÇO
MANUELMAIA