sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7454: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (11): O PAIGC que nos saiu na rifa, a Portugal e à Guiné: Cumbe di Baguera / Ninho de abelhas

1. Texto do nosso camarigo António Rosinha


Data: 15 de Dezembro de 2010 23:20


Assunto: O PAIGC que saiu a Portugal e à Guiné - Cumbe di Baguera


Quando se fala que Portugal não preparou elites africanas a quem entregar a governação das suas colónias, partimos do princípio que franceses, ingleses e belgas criaram essas elites.


Não pretendo contrariar ou desmentir quem assim pensa, porque tudo é relativo, conforme quisermos ver esta questão, até podemos dizer que os movimentos MPLA, FRELIMO e PAIGC tinham muita gente bem preparada para governar, tanto nos seus quadros efectivos, como no seio dos seus muitos simpatizantes.

Simplesmente Salazar jamais entregava as colónias fosse a quem fosse, e duvido que outros políticos portugueses que estivessem no governo o fizessem. Pelo menos naqueles anos 50/60 do século passado.

Se atentarmos em Amílcar Cabral, Vasco Cabral etc., e toda a burguesia guineense, (auto-intitulada), e toda unida e acreditando, tipo Yes, We Can, à volta do PAIGC, porque haveremos de afirmar que não havia uma elite para governar a Guiné? 


Se olharmos para Cabo Verde vemos que era viável tal governação, e o Luís Cabral chegou a dar mostras de ser possível governar a Guiné.


Em Angola, essa burguesia era descomunalmente superior em número à da Guiné. Qualquer cidade angolana tinha angolanos na chefia de todos os organismos públicos, exceptuando os governadores gerais, e de distrito, e mesmo assim muitos já eram descendentes de africanos.


Tal como na Guiné, também havia em Angola muitos funcionários oriundos de Cabo Verde, que se viam nos Notários, Câmaras, Caminhos de Ferro, Portos, Obras Públicas, etc.


Sobre Moçambique não me pronuncio, mas penso que a FRELIMO tinha também nos seus quadros gente muito capaz.  


Mas, apesar de haver muita gente nas colónias que almejava libertar-se de Portugal, pouca gente em Portugal, e alguma em Angola, mesmo os anti-salazaristas, achavam normal uma independência porque já havia muita confusão na anglofonia e francofonia.


Nos outros movimentos pouco se sabe, porque de uma maneira geral ficaram muito ofuscados, quando não mesmo desaparecidos, caso da Guiné. Embora parecessem desactivados aos olhos de Spínola e de Amílcar, talvez existissem devidamente camuflados, e é de supor quem devia saber falar sobre esses hipotéticos movimentos camuflados, são os juizes que julgaram os assassinos de Amílcar.


Alguns desses juízes ainda estão vivos, podiam falar e escrever como foi, antes que desapareçam com a idade. Sem dúvida que havia muitos africanos, em que se podem abranger também lusodescendentes e caboverdeanos que possuiam o liceu ou tinham sido universitários ou estudaram em missões, estavam bastante preparados para governar as colónias portuguesas em 1960. O grande problema dessas elites é que, ao recorrerem a certos processos de luta, alguns desses processos nunca chegaram a ser compreendidos pelo povo, e afastaram a maioria dessas mesmas elites, que gostariam de se ligar activamente à luta de libertação, ou seja, lutar pela independência da sua terra. E, ao contrário, muitos até chegaram a lutar contra esses movimentos ao lado do exército português. 


E o que se seguiu à desistência da luta da parte do exército português com o 25 de Abril, aconteceu o que todos temiam, foi a guerra total, em Angola e Moçambique e, embora sem guerra declarada na Guiné, a mesma guerra esteve sempre latente até há poucos anos. 


Essa guerra latente, não seria perpetrada pelos tais movimentos camuflados a que me refiro atrás, que podiam existir bem disfarçados debaixo do emblema do PAIGC?


E, debruçando-nos apenas à Guiné e ao PAIGC, não teria Amílcar Cabral cometido um erro enorme, quando, com a sua reconhecida eficácia política e capacidade de persuasão, fez desaparecer todos os movimentos guineenses tipo FLING e outros? Em que estes movimentos, insidiosamente acabariam por se organizar sob a bandeira do PAIGC, e aí continuam até aos dias de hoje, dividindo em facções o partido e que teem provocado todos os acontecimentos nefastos, desde o assassinato de Amílcar, até ao fim de Nino Vieira?


Enquanto o MPLA tinha facções, em que até houve massacres que fazem esquecer o ques passou com PAIGC, toda a gente sabia quem era quem e de que lado estava, no PAIGC, mata-se e morre-se e tem sido tudo tão internamente que até hoje nem aparece nada escrito nem julgado, isto desde os tempos de Conacri.


O PAIGC criou uma constituição depois de 1981 (?), em que era vedado a cidadãos como Amílcar Cabral, com ascendentes estrangeiros, serem candidatos a presidentes da República. Este assunto era discutido publicamente em Bissau e não sei se ainda é assim.

 

Ao contrário do que se passa em Angola, os detratores de José Eduardo dos Santos [JES], (ou este próprio) fazem correr que ele é filho de sãotomenses. JES aproveita a embalagem para criar uma imagem de neutralidade tribal, o que é positivo; no caso de Amílcar é acusado que não é fidju di terra, e é criada uma imagem negativa.

E aqui entra o ninho de abelhas, Cumbe di Baguera, que em Canjadude, capital do mel, os apicultores colocam bem no alto de grandes árvores. Tal como o Cumbe de Baguera, o povo guineense viu sempre o PAIGC bem lá no alto, com as abelhas a picar os diversos apicultores, (Amilcar, Luís, Nino). E tal como o Cumbe di Baguera, impõe um certo afastamento a tudo o que o rodeia.

E o grande criador desse ninho de abelhas, foi Amílcar Cabral, (mesmo depois do multipartidarismo, continuou o ferrão pronto, ou seja, o dedo no gatilho). 

 

Houve muito entusiasmo nos primeiros anos de independência da parte dos jovens guineenses, mas prudentemente, uma faixa etária mais antiga, que assistiu à luta de libertação desde o início, ficou olhando sempre para o PAIGC com distanciamento, e o partido retribuia na mesma moeda.   Se o sonho de Amílcar Cabral era uma Bandeira e um país independente,  o sonho foi realizado. [Foto à esquerda, Domingos Ramos, empunhando a bandeira do PAIGC]


Se todos os meios para atingir os fins eram lícitos, também tinha razão, mas da parte do Estado português fosse qual fosse o governo, cairia muito mal perante a sociedade guineense se apadrinhasse uma independência a figuras como os fundadores do PAIGC, aliás, a outros quaisquer pois já estavam outros com apoios dos vizinhos.

 

E perante a política internacional daquela guerra fria daquele tempo, não seria um país como Portugal que teria hipóteses de proteger um governo apadrinhado, como faziam ingleses com uma Gâmbia, ou a França com um Senghor. Entregar à ONU? Sabemos o que se passava e passou onde essa entidade entrou. Aliás, na Guiné, desde a FAO, UNICEF, OMS, todos estes anos ajudaram àquilo que resta.

 

Como através do Blog e dos anos que vivi na Guiné, criei uma ideia do que se passou e podia ter passado neste país, e como vi em Angola, o papel de MPLA, da UNITA e da UPA (FNLA), e tambem criei ao fim destes anos uma ideia sobre Angola, transmito o que me pareceu ser o desempenho daqueles que aqui tratamos de IN.

 

Sobre o papel daqueles que por lá andámos, só espero que aquelas fronteiras nunca desapareçam, que será o mínimo dos mínimos que merece a memória daqueles que lá ficaram, porque se não fossem aqueles treze anos, nem as velas como as que arderam por Timor as salvavam.

Mas, como neste blog contamos a nossa história para que ninguém a conte por nós, é apenas e só o meu ponto de vista que aqui está. E ninguém me pergunte onde me documentei. Pode contestar e contradizer. Porque neste blog, cada um dá os tiros com a sua própria mauser.


Um abraço para a tertúlia, Antº Rosinha


[ Revisão / fixação de texto / título / fotos: L.G.]


__________


Nota de L.G.: 


Último poste da série > 23 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7321: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (10): As desilusões históricas ou Portugal não é para levar a série

5 comentários:

Luís Graça disse...

Rosinha:

Quando em operações no mato, os nossos soldados africanos (da CCAÇ 12) começavam a gritar "baguera, baguera!!!", tínhamos o caldo entornado... Pior que o fogo do Inimigo, eram a "baguera"... que muitas vezes vinha logo a seguir a uma emboscada... As abelhas assassinas africanas, como a gente (os tugas)lhes chamavam eram objectivamenet aliadas do PAIGC e não escolhiam a cor do cachaço: tanto ferravam no preto como no branco...

Mas diz-me uma coisa: "baguera" é abelha de mel, ou é vespa ? "Cumbe di baguera" é ninho de abelhas ou de vespas ? Em português, o significado não é o mesmo... Vespa tem outra conotação...

Aproveito para te dizer, em público, que aprecio (o que não quer dizer que tenha sempre estar de acordo com as tuas análises e conclusões) a maneira descomplexada, frontal e autênctica (mas afectiva) com que falas das questões africanas, e sobretudo da realidade pós-colonial na Guiné-Bissau... Aí tens a grande vantagem, sobre todos nós, da tua vivência como topógrafo da TECNIL.

Julgo que o nosso blogue tem-nos ajudado a todos a sair do nosso "fato completo", a pensar e a escrever de maneira mais livre e desformatada... Temos uma grande tendência para pensdar e sobretudo escrever de acordo com o "política, social, cultural e historicamente correcto"... Acabamos, muitas vezez, por cair nos chavões... Tu tens evitado muito bem essa armadilha... E isso faz com que sejas respeitado entre os "camarigos" da nossa Tabanca Grande.

Festas felizes, ou pelo menos quentes e boas, para ti, António, e toda a família... Luís

JC Abreu dos Santos disse...

António Rosinha, estimado veteraníssimo de Angola.
Excelente aproximação a tão delicado, quanto pouco explorado, tema ainda muito actual.
As minhas felicitações pela síntese.

Com votos de um Santo Natal junto de todos os seus Familiares, aceite os melhores cumprimentos,
do
J.C. Abreu dos Santos

Luís Dias disse...

Caro António Rosinha

Há um velho ditado, referido nos ensinamentos do filme "O Padrinho", quando o chefe da família diz ao filho, que deve manter perto de si os amigos, mas ainda mais perto os inimigos. Terá sido isso que motivou Amílcar Cabral a rodear-se de alguns elementos que, provavelmente, ele sabia serem seus inimigos, mas que estando sob a sua alçada e poder, conseguiria o seu controlo? Saiu-se mal, se foi assim e o PAIGC, com a sua morte, não mais foi o mesmo...!
Um abraço e um Feliz Natal
Luís Dias

Anónimo disse...

Luis, não sei o nome das vespas.

Das abelhas é mesmo Baguera ou talvez baguerra.

Sei que até houve uma cooperação francesa para o desenvolvimento do mel no Gabu e Canjadude, em que uma técnica francesa era conhecida como "mindjer di baguera" à maneira das alcunhas dos guineenses.
Essa mindjer falava muito bem português e crioulo, pois estagiou em Runa para os lados do teu Oeste.

De facto a chamada abelha africana assassina existe, mas há mais que uma variedade de abelhas.

O Cumbe é um tipo de um cesto grande feito de palha, do feitio de um ninho, que fica em cima das árvores e só é retirado para a apanha do mel.

Os apicultores tradicionais são normalmente, e penso que apenas são da região de Canjadude.

Agora só para descontrair:

A tal Mindjer di Baguera tinha como meio de transporte uma motorizada e ela não se queixava das abelhas, mas dos rapazes das tabancas, que corriam atráz da motorizada a pedir B´leia.

Claro que eu mais uns e umas soviéticas da saúde no Gabu,(residi no Gabu em 1987) quando a viamos perguntavamos-lhe se mandava os rapazes segurarem-se para não cair.

Bom Natal e saúde para ti e para os teus e que esta tabanca e seus editores continue com o mesmo ou mais entusiasmo.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

A vespa... e a "Rola Pipa"... Nao me perguntem, porque nao sei..Mas que o nome sugere algo, la isso sugere..Quica os mais velhos...ou o Mario Dias... saibam...Nasci chamando assim a Vespa...ou sera um familiar do insecto?

Mantenhas

Nelson Herbert