segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7316: Notas de leitura (175): África Dentro, de Maria João Avillez (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
Preciso que alguém mais venha comigo, amanhã à noite, tenho carga a mais, ou deito fora as camisas e não levo artigos de higiene, ou é incomportável a caterva de livros, roupa e outras solicitações.
Se tudo correr bem, até vai ser comovente.
Tenho as fotografias das lavadeiras do Jaime Machado, vou visitar os Soncó em Bissau, ponto alto será a entrega ao director do INEP das cartas geográficas da Guiné, uma terna lembrança do Humberto Reis. E por aí fora. Aliás, devia ser o Humberto a vir comigo, tenho a certeza que vou borrar a escrita quando começar a tirar fotografias. Haja saúde, o que não tenho em talento é suprido pela profunda estima.
A aventura está prestes a começar.

Um abraço do
Mário


A Fundação Gulbenkian e a Guiné-Bissau

Beja Santos

Data dos anos 60 a intervenção da Fundação Gulbenkian num conjunto impressionante de projectos envolvendo as antigas colónias portuguesas, hoje os PALOP. A Gulbenkian dotara-se do Serviço do Ultramar, actual Programa Gulbenkian de Ajuda ao Desenvolvimento. As fundações, tal como os institutos ligados à cooperação e desenvolvimento da responsabilidade de alguns Estados desenvolvidos, tiveram a preocupação, durante os anos 70, de promover programas de combate à pobreza e à satisfação das necessidades básicas das populações. Esta e outras abordagens redundaram em fracassos, havendo hoje novas concepções que passam pela intervenção de forma conjugada de governos, organizações internacionais e grupos verdadeiramente representativos da sociedade civil, no pleno respeito pela cultura dos povos destinatários da ajuda. É esta a estratégia actual da Fundação Gulbenkian e em jeito de balanço desta nova lógica de trabalho, a Gulbenkian convidou a jornalista Maria João Avillez a visitar e a comentar a evolução dos projectos em marcha. Nasceu assim o livro “África Dentro”, por Maria João Avillez (Texto Editores, 2010).

Sumariamente, trata-se de uma reportagem que retrata o caminho percorrido pela Gulbenkian nas áreas da Saúde e da Educação em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe. É um impressivo depósito de informação que abrange a construção de hospitais e centros de saúde, o investimento em saúde materno-infantil e na investigação de doenças infecciosas, programas de formação e valorização de recursos humanos, apetrechamento de bibliotecas, modernização do sistema educativo, são algumas das dimensões da intervenção da Gulbenkian nestes cinco países africanos, testemunhados pela jornalista neste livro.

Vamos falar da Guiné-Bissau. Maria João Avillez traça os principais aspectos da vida económica e social do país e refere os índices sombrios que abrangem os rendimentos, a esperança de vida, a mortalidade infantil e o analfabetismo, para destacar como a Guiné-Bissau se encontra destruturada, as instituições fragilizadas, com caos administrativo e índices elevadíssimos de corrupção. A visita começa pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, é aqui que se coordenam todas as actividades de investigação científica da Guiné-Bissau. O INEP opera num sistema de parcerias de cooperação com universidades e instituições portuguesas mas também com as de outros países como Brasil, Alemanha, Suíça e EUA.

Em conversa com o seu director, o antropólogo Mamadou Jo, são passados em revista os problemas e as actividades da instituição. O INEP foi altamente vandalizado durante a luta militar em 1998-1999, desapareceu uma parte fundamental do seu espólio. A Gulbenkian tem contribuído para a recuperação quer dos equipamentos quer do acervo documental. O INEP está orientado para três vectores da investigação: história e antropologia; área socioeconómica; e estudos ambientais, novas tecnologias e informática. O projecto da Faculdade de Direito de Bissau remonta ao final dos anos 80, baseia-se num protocolo de cooperação entre Portugal e a Guiné-Bissau no seu acordo de cooperação jurídica. Depois de muitas vicissitudes e interrupções nas suas actividades, fizeram-se provas de admissão dos novos alunos para o ano de 2001-2001. Este projecto é encarado como uma das pedras de toque para a consolidação do Estado Direito na Guiné-Bissau. Maria João Avillez viu aulas repletas de alunos, uma biblioteca frequentada, um rol de iniciativas em marcha. No ano de 2008 o número de alunos era de 390 e o total de licenciados, desde que a faculdade iniciou a sua actividade é de 2008. O Doutor Fernando Loureiro Bastos é o assessor científico da casa e relatou à jornalista não só as actividades docentes como a escolha dos bolseiros que permitirá que a Guiné-Bissau, a prazo, se dote de uma classe científica.

Um ponto alto da reportagem passa pela descrição da Fundação Evangelização e Culturas, criada pela Conferência Episcopal Portuguesa. Esta Fundação dá suporte a projectos do ensino básico e tem como grupo alvo professores, directores de escolas, formadores, bibliotecários e comunidades em geral. É uma reportagem esplêndida de vida e confiança no futuro, assenta num profundo estímulo à dignidade do ensino. A jornalista, aliás, visitou em Bissau um projecto de eleição que é a Escola António José de Sousa.

Passando para a área da saúde, a jornalista acompanha o trabalho da organização não-governamental de desenvolvimento comunitário VIDA, as suas unidades de saúde com destaque para o projecto Jirijipe que tem os seguintes objectivos: melhoria de acesso a cuidados de saúde materno-infantil; desenvolvimento de intervenções que possam envolver imunização, malária, infecções sexualmente transmissíveis; desenvolvimento do sistema comunitário de saúde. Também a Missão Católica Franciscana de Cumura tem sido apoiada pela Gulbenkian. Para além de um serviço de saúde pública de referência, dá-se assistência aos leprosos e aos doentes infectados com SIDA. A jornalista entrevista responsáveis da área da saúde e recolhe as expectativas desses dirigentes que confiam nas instituições de cooperação não só na luta contra as doenças como nos programas básicos de educação para a saúde. Recorde-se que a Gulbenkian está a apoiar a edificação dos três centros de saúde de Bissau. Não se escondem as tremendas dificuldades e carências com que vive todo o sistema de saúde, muitas vezes inoperante e quase sempre deficitário.

Esta “África Dentro” permite-nos uma informação básica sobre a cooperação da Gulbenkian nos projectos da educação e da saúde.

A seu tempo, deveremos constituir no blogue o menu de todas as instituições que actuam, com ou sem parcerias, na cooperação e no desenvolvimento na Guiné-Bissau.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7310: Notas de leitura (174): Fuzileiros – Factos e Feitos na Guerra de África, Crónica dos Feitos da Guiné, de Luís Sanches de Baêna (3) (Mário Beja Santos)

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