domingo, 21 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7313: As Nossas Tropas - Quem foi quem (6): Hélio Esteves Felgas, Maj Gen (1920-2008)




Major General Hélio Esteves Felgas (1920-2008) > Foto gentilmente cedida pela filha, Dra. Helena Felgas, advogada, amiga do nosso camarada Jorge Cabral, e que conheci pessoalmente no dia do funeral do pai. Reproduz-se igualmente a assinatura do então brigadeiro Hélio Felgas, em documento, de 1995, de que o Paulo Raposo me facultou fotocópia.

1. Hélio Felgas (Major General reformado):

(i) Fez duas comissões na Guiné (Bula, 1963/64; Mansoa, Tite, Bafatá, 1968/69). 

(ii) Na última, começou por “chefiar o Estado-Maior do Sector de Mansoa”, depois passou ao “Comando do Batalhão de Artilharia de Tite, no sul” (BART 1914) e, por fim, ficou à frente do “Sector Leste, que abrangia cerca de metade do território e incluía batalhões das três armas combatentes, os quais, naquele tipo de guerra, actuavam concertadamente” (Agrupamento nº 2957). 

(iii) Um dos batalhões que integrava o Agrupamento nº 2957 (sediado em Bafatá) era o  BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). 

(iv) Com o posto de coronel, comandou a célebre Op Lança Afiada, uma das maiores que se fez no TO da Guiné (8 a 19 de Março de 1969);

(v) Foi um dos militares portugueses da sua geração mais brilhantes e mais condecorados; 

(vi) Autor de dezenas de livros e artigos sobre a "luta contra o terrorismo", a guerra ultramarina... 

(vii) Comparou a Guiné ao Vietname; 

(viii) Considerava que a solução para a Guiné não era militar mas política; 

(ix) Foi um crítico de Spínola,  que lhe terá roubado, entretanto, a ideia dos famosos reordenamentos (aldeias estratégicas);

(x) Um oficial intelectualmente brilhante mas controverso, dizem alguns dos seus pares, mais novos;

(x) Condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (1970), passou compulsivamente à Reserva, a seguir ao 25 de Abril, data em que estava em comissão de serviço em Angola.

 Esta nota biográfica é respigada de Os últimos guerreiros do império (Amadora: Erasmo, 1995), livro donde constam entrevistas com o Comandante Rebordão de Brito, o Coronel Caçorino Dias, e o Alferes Marcelino da Mata, entre outros. Nele, o então Brig Hélio Felgas faz um depoimento sobre a guerra da Guiné. 

Já aqui publicámos a última parte do depoimento ("algumas considerações acerca da Guiné Portuguesa"), onde ele é intencionalmente polémico, comparando a Guiné com o Vietname... Nessa parte do livro (pp. 135 e ss.) , ele revelava - 27 anos depois ! - algumas ideias do relatório que terá enviado, no final do ano de 1968, ao General Spínola, "onde defendia que a concessão da independência à Guiné Portuguesa não iria agravar, antes pelo contrário, a situação em qualquer das outras Províncias Ultramarinas" (p. 135).


Outra peça de antologia é o seu relatório da Op Lança Afiada, onde não se coibe de fazer críticas à falta de apoio aéreo e de outros meios (não-participação das forças pára-quedistas e dos fuzileiros).

2. Alguns comentários de camaradas nossos, face à notícia do seu desaparecimento (em 24/6/2008):

Paz à sua alma a guerra,  não resolve nada, veja-se os casos de todos os Países ou negociaram livremente ou aconteceu-lhe o mesmo que a Portugal, ter que negociar sem condições para o fazer. 

Colaço
24/6/2008


Luís Graça, chocado com a notícia [da sua morte], reafirmo a admiração que sempre tive por esse Homem, um verdadeiro militar à moda antiga e, mais do que isso, uma pessoa com um sentido de justiça e um humanismo que só em muito poucos consegui encontrar na minha vida militar. Um abraço.

Rui Felício
Ex-Alf Mil 2405 
(Mansoa, Galomaro,Dulombi, 1968/70)

25/6/2008


Recebi, há momentos, a triste notícia. É, com Profundo Pesar que lhe apresento as minhas sentidas Condolências. Torno-as extensíveis á Senhora sua Avó e Família. Fui oficial subalterno de seu Avô, quando do Seu Comando no Sector Leste – Bafatá. Mereceu-me, sempre, o mais profundo respeito como Homem e Militar. Manterei, na minha memória, viva a sua recordação. Cumprimenta, Torcato Mendonça. Apartado 43, 6230-909 Fundão.torcatomendonca@gmail.com [Mensagem enviada ao neto do Maj Gen Hélio Felgas, Miguel Fezas Resende]

25/6/2008


Foi meu comandante,fiz parte da Operação Lança Afiada que contou com 12 Companhias, entre elas a minha, e o resultado ao fim de 11 dias foi um absoluto fracasso, mas não sabia que [ele] defendia que a Força Aérea arrasasse populações inteiras desde que controladas pelo IN. Só que tenho a certaza de que a FA nunca aceitaria essa missão. Paz à sua alma.

Hilário Peixeiro

Cap de Infantaria na altura

19/11/2010

  

3. Reprodução da 4ª (e última) parte do depoimento do então brigadeiro Hélio Felgas (*). Selecção minha [ além da revisão e fixação de texto] e do Humberto Reis. Fonte: Os últimos guerreiros do império (Amadora: Erasmo, 1995. 135-139) (com a devida vénia...)


Trata-se do Capº III de um relatório que o então coronel, comandante do agrupamento de Bafatá , enviou ao General Spínola, "então meu Comandante-Chefe, onde defendia que a concessão da independência à Guiné Portuguesa não iria agravar, antes pelo contrário, a situação em qualquer das outras Províncias Ultramarinas".

Nesse documento Hélio Felgas defendia igualmente o seu ponto de vista segundo o qual "só no campo político podia ser encontrada uma solução honrosa e vantajosa, já que as nossas possibilidades militares se encontravam muitos reduzidas", face a um inimigo que se fortalecera em demasia.

No capítulo III do relatório, o autor debruça-se sobre "as nossas possibilidades militares". Algumas das suas frases, merecem destaque:

(i) "Não é com os actuais meios, mesmo reforçados, que podemos vencer o Inimigo de hoje".

(ii) "Ou se faz a guerra ou se acaba com ela. Assim é que não chegaremos a qualquer solução favorável".

(iii) "Há que abandonar radicalmente largos pedaços de território e concentrar os meios em áreas reduzidas que deverão ficar totalmente passadas a ferro".

(iv) "Há que empregar largamente os desfolhantes e outros agentes químicos que destruam as culturas".

(v) "Ou se destrói tudo ou de nada serve a operação".

(vi) "Deve ou não deve a Aviação atacar e destruir estas tabancas e a sua população ? Valerá a pena um tal massacre ou não valerá? Isto é que é preciso saber (...)".

(vii) "Calculando, por baixo, os efectivos In na Guiné, diremos que ele [o IN]  tem 10 000 homens em armas (só combatentes). Nós temos 20 000, mas uma boa parte é consumida nas guarnições dos aquartelamentos. Precisaríamos ter 60 000, pelo menos. E, mesmo assim, a proporção seria de 1 para 6, o que, neste tipo de guerra, é ainda pouco".

(viii) "(...) o problema não é essencialmente militar. É acima de tudo, político".


(...) As nossas possibilidades militares

Neste final de 1968 a situação militar na Guiné chegou a um ponto tal que só muito dificilmente e com muito optimismo se poderá antever uma melhoria significativa.
Nos gabinetes e em frente da carta talvez não seja difícil encontrar-se uma solução vitoriosa. Os cercos, as batidas, os golpes de mão, o reordenamento das populações e sua autodefesa, tudo isso é aí fácil de fazer. No mato, porém, é muito difícil, e quem escreve isto tem 3 anos de mato.

Mesmo que venham mais helicópteros, mais páras, mais Artilharia e mais Aviação e ainda que os efectivos das forças terrestres sejam aumentados e estas sejam adequadamente dotadas com as granadas, munições e armas colectivas que agora lhes faltam, mesmo que isso suceda em breve prazo, nem assim o nosso êxito militar será garantido. O inimigo está demasiado bem armado, bem apoiado pela população, bem organizado e bem enraizado num terreno que lhe é favorável, para poder ser batido e expulso, pelo menos com a facilidade que se julga.

Realize-se uma operação em larga escala e veja-se o resultado: uns mortos e uns feridos (nossos e deles), umas armas apreendidas, uns acampamentos destruídos e que mais ? Mais nada. Se ao Inimigo não convier o contacto, basta esconder-se no mato e esperar que as nossas tropas se retirem. Ele lá ficará e reaparecerá quando quiser, talvez até emboscando as NT quando elas, julgando-se vitoriosas, regressarem aos aquartelamentos.

Aliás, o que se entende por uma operação em larga escala ? 4 on 5 companhias de forças terrestres, uma ou duas de páras e comandos e a Aviação. Que faremos com estes efectivos? Uma operação, mais nada. Alguns dias depois tudo estará na mesma.
Há dias, aproveitando um PCV de uma Operação, andei «à cata» de acampamentos inimigos. Descobriram-se 5 ou 6. Assim que eram descobertos chamava-se a Aviação que os bombardeava. Mas o que era a Aviação ? Era uma parelha de Fiats que lançava as suas bombas, aliás com grande precisão,  no objectivo indicado pelo PCV. Ou então eram os T-6 (só um), igualmente com excelente pontaria.
E eu pensei: com estes pilotos, se em vez de dois Fiats tivessem aparecido 15 ou 20, outros tantos T-6 e uma meia dúzia de helis armados,  então sim, ter-se-ia feito uma acção lucrativa, em especial se fosse coordenada com o lançamento de uma companhia em helis.

Não é com os actuais meios, mesmo reforçados, que podemos vencer o Inimigo de hoje. Em minha opinião, toda a actividade militar na Guiné tem de ser mudada. Há que abandonar radicalmente largos pedaços de território e concentrar os meios em áreas reduzidas que deverão ficar totalmente «passadas a ferro». A actual dispersão não pode dar qualquer resultado.

Ou se faz a guerra ou se acaba com ela. Assim é que não chegaremos a qualquer solução favorável. 

Há que empregar largamente os desfolhantes e outros agentes químicos que destruam as culturas. De que serve atacar um acampamento IN se a um quilómetro de distância ficaram tabancas e lavras que voltarão a ser utilizadas pelo IN, apoiando-o e permitindo-lhe que lá se mantenha? Ou se destrói tudo ou de nada serve a operação.

O que é preciso definir bem é este problema da população civil sob controlo do IN. Dezenas de milhares de nativos vivem nas regiões sob domínio do IN, em tabancas perfeitamente visíveis do ar. Deve ou não deve a Aviação atacar e destruir estas tabancas e a sua população ? Valerá a pena um tal massacre ou não valerá? Isto é que é preciso saber, pois enquanto estas populações existirem,  o IN aguentar-se-á, estruturar-se-á e estará em condições de nos incomodar.
Por outro lado, convém, talvez, olharmos para o que se passa no Vietname - que tem bastantes semelhanças com a Guiné. Mais de meio milhão de norte-americanos extraordinariamente bem armados e auxiliados por 850 000 soldados sul-vietnamitas, não conseguem liquidar um adversário que conta apenas 140 000 homens, dos quais só 80 000 são tropas regulares do Vietname do Norte. A proporção é de 1 para 10, em forças terrestres. Além disso, o Vietcong e o seu aliado norte-vietnamês não utilizam nem Aviação nem Marinha e só apresentaram uma amostra de blindados.

Apesar desta desproporção, o Vietcong não foi vencido e esta prestes a vencer. Na Guiné, o IN não é tão bom combatente como o Vietcong e o apoio externo que tem recebido, agora importante, não se compara com o que a Rússia e a China concedem ao Vietcong. Essas são as duas principais diferenças que notamos. Aliás, em parte compensada pela deficiência dos nossos efectivos, do nosso armamento, da nossa instrução militar, do nosso apoio aéreo e naval.

Para podermos dominar a guerrilha na Guiné precisaríamos triplicar, pelo menos, os efectivos agora existentes nos três ramos das forças armadas. E mesmo assim ficaríamos longe da proporção vietnamita (que não foi suficiente, note-se, para se obter a vitória militar). Calculando, por baixo, os efectivos In na Guiné, diremos que ele tem 10 000 homens em armas (só combatentes). Nós temos 20 000, mas uma boa parte é consumida nas guarnições dos aquartelamentos. Precisaríamos ter 60 000, pelo menos. E, mesmo assim, a proporção seria de 1 para 6,  o que, neste tipo de guerra, é ainda pouco.

Eu bem sei que quem não conhece o mato da Guiné, nem as dificuldades deste tipo de guerra, sente-se inclinado a considerar exageradas as minhas palavras. Infelizmente, tenho a certeza do que afirmo. Deixou-se o IN inchar demais para se poder agora desalojá-lo com os meios que temos.

Esta afirmação pode parecer chocante, em especial para as pessoas que não conhecem o assunto com a profundidade que eu conheço. E com certeza que não me acarretará simpatias ou louvores, em especial por parte das pessoas que só gostam de ouvir aquilo que lhes agrade. É evidente que eu ficaria muito mais bem visto se traçasse o quadro da situação militar na Guiné, muito mais optimista, ainda que menos verdadeiro. Talvez até fosse louvado se afirmasse que a guerra na Guiné, tendo chegado ao ponto a que chegou, se pode vencer no campo militar e sem grande dificuldade.

Mas isso não o faço eu, até porque a euforia duraria pouco e seria, em breve, desmentido pelos factos. Eu desejo salientar que só pode mostrar-se optimista a quem conhecer a guerra da Guiné apenas do seu gabinete ou da sala de operações. Eu desejo afirmar que não estou imbuído de qualquer sentimento derrotista. Continuo a demonstrá-lo no mato, mantendo uma actividade ofensiva a que não poupo os meus subordinados nem me poupo a mim. Mas o que acho é que chegou a altura de se dizer a verdade. E a verdade é que, na Guiné, estamos apenas aguentando a situação. Estamos à espera que o IN adquira suficiente estrutura e capacidade militar para correr connosco. Limitamo-nos a espicaçá-lo e ao de leve. Mostramo-nos incapazes de o desalojar definitivamente seja de que área for.

E tudo isto porque não temos meios nem efectivos militares adequados e suficientes. Mas ainda que os tivéssemos e que conseguíssemos empurrar o IN em todas as frentes, até às fronteiras, que faríamos depois? Como conseguiríamos evitar novas infiltrações enquanto o Senegal e a República da Guiné derem a ajuda que dão ao PAIGC ?. A guerra no Vietname ensina-nos que o bombardeamento do Senegal ou do República da Guiné não resolveria o problema, pelo contrário, complicá-lo-ia. E isto porque o problema não é essencialmente militar. É acima de tudo, político, a guerra na Guiné só pode acabar se Portugal conseguir convencer o Senegal e a República da Guiné a deixarem de auxiliar o PAIGC ou qualquer outro movimento cujo objectivo seja independência da Guiné-Bissau.

Não nos parece, porém, que em face da mentalidade internacional agora vigente, alguém bem informado considere possível Senegal ou a República da Guiné apoiarem a nossa política ultramarina. Porque só apoiando essa política os governos de Dakar e Conacri poderiam suspender o auxílio ao PAIGC (...). (**)
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Notas de L.G.:

16 comentários:

Anónimo disse...

Amigo Luís Graça

No meu modesto entendimento é muito interessante editar este género de artigos, são ideias luminosas, porque desencadeiam em nós processos electroquímicos que nos conectam as sinapses neurais, agilizando-nos o raciocínio e fazem-nos cogitar.

Um abraço

José Corceiro

antonio graça de abreu disse...

Claro que o problema da guerra na Guiné era essencialmente político.
A solução jamais seria de natureza militar, como bem indica Hélio Felgas.
Jamais ganharíamos aquela guerra, em termos militares, em termos políticos aquela guerra estava perdida, desde o primeiro dia.
O que tenho defendido aqui no blogue é que em 1973/74 não fomos derrotados militarmente pelos guerrilheiros do PAIGC, não houve nenhuma derrota militar das Forças Armadas Portuguesas e das tropas africanas que combatiam ao nosso lado na Guiné. Então se não perdemos, ganhámos? Ou estava tudo empatado?
Estava mesmo,com altos e baixos,não perdíamos, jamais conseguiríamos ganhar. Por isso a solução era política, sempre foi política.Continuar a guerra era adiar essa solução.
Porque é que tantos camaradas do blogue não entendem estas coisas simples? Não são opiniões, é a nossa História.

Abraço,

António Graça de Abreu

Luís Graça disse...

Temos, pelo menos, dois camaradas que trabalharam com o então Hélio Felgas, o Fernando Gouveia e o António Rodrigues. Seria interessante ouvir, da parte deles, um pequeno depoimento. LG

Anónimo disse...

Caros camaradas:
Esta questão é como aquela coisa da pescadinha de rabo na boca: a guerra do ultramar e especialmente a da Guiné estava a conduzir o país à exaustão económica e política e os militares à descrença e desânimo.Desta situação resulta o desencadeamento de uma acção revolucionária que encontrou eco nos militares que não queriam ir para aquele
matadouro. Os militares que estavam em África, pressentindo que a guerra ia acabar, quiseram acaba-la logo nesse dia.
Fomos derrotados ? Não. Saímos vitoriosos? Também não.
Em bom rigor, Portugal, o PAIGC e a Guiné perderam não a guerra mas uma oportunidade de desenvolvimento e sobretudo vidas humanas.

Um grande abraço
António Carvalho- o de Mampatá

Luís Graça disse...

Está visto que é uma "armadilha" entrarmos nesta polémica da guerra ganha / guerra perdida...

Esta polémica, pelas paixões que desencadeou, teve "efeitos perversos", levando camaradas a afastar-se do blogue, alguns muito magoados com a "escalada de violência verbal" que se chegou a atingir... Acontece isso quando perdemos de vista o essencial...

Claro que cada um de nós pode ter o seu "ponto de vista", próprio, autónomo, pessoal, e até construir a sua ficção histórica: afinal o que é que eu vou contar aos meus netos ? Que fui à guerra e perdi ? Ou que quem vai à guerra dá e leva ? Ou, como pensava o neto do Zé Neto, que o "avô andou na guerra a matar pretos" ?... Cabe-nos a nós também a responsabilidade de transmitir a nossa própria leitura dos acontecimentos e do seu desfecho, assumida com coragem, frontalidade e rigor mas desapaixoanadamente...

O mais importante, do ponto de vista didáctico, não é especular sobre o "balanço final", mas sim apresentar os nossos próprios factos, os nossos testemunhos, as nossas experiências e percepções, devidamente contextualizadas, situadas no tempo e no espaço...

Pessoalmente não estou interessado em discutir "questões bizantinas" como o sexo dos anjos...Estou sinceramente muito mais interessado em saber o que fez mudar de opinião o Cor Hélio Felgas, que não era um tipo qualquer, conhecia o TO da Guiné como ninguém e tinha "pensamento estratégico"...

Em 10 de Abril de 1970, o coronel Hélio Felgas profere uma conferência na Academia Militar intitulada “A luta na Guiné”, e diz taxativamente: "O PAIGC jamais poderá ganhar militarmente a guerra, a não ser que empregue, meios, forças e tácticas diferentes” (citado por Beja Santos) (*).

Não creio que ele fosse homem (e militar) para "fazer fretes" ao poder político de então... Mas sabemos que tinha regressado à Metrópole, discordando da política de Spínola (as relações entre os dois não eram famosas).

Menos de dois anos antes, no final de 1968, ele não esconde (mas só o revela muito tardiamente, em 1995):

(...)" a verdade é que, na Guiné, estamos apenas aguentando a situação. Estamos à espera que o IN adquira suficiente estrutura e capacidade militar para correr connosco. Limitamo-nos a espicaçá-lo e ao de leve. Mostramo-nos incapazes de o desalojar definitivamente seja de que área for". (**)

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(*) 31 de Outubro de 2010
Guiné 63/74 - P7199: Notas de leitura (163): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (4) (Mário Beja Santos)

(**) Depoimento de Hélio Felgas. In "Os últimos guerreiros do império" (Amadora: Erasmo, 1995. 135-139).

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu caro camarigo Luís

Vens dizer-nos calmamente que a "conversa" da guerra perdida ou guerra ganha não leva a lado nenhum, etc, etc e eu até concordo contigo.

Mas depois acabas por entrar na dita "conversa" citando Hélio Felgas, defendendo o ponto de vista da guerra perdida.

Com todo o respeito que Hélio Felgas me pode merecer, julgo que as susa palavras ou escritos não passam de uma opinião.

É curiosa até esta frase: «Mostramo-nos incapazes de o desalojar definitivamente seja de que área for".»

Então mas é que tem de desalojar quem?
Então que é que tem de ocupar território para o declarar independente?
Desalojar de onde?
Do interior de matas como o Morés ou outra qualquer?
Em acampamentos provisórios para abandonar ao minimo ataque?

Espicaçá-lo ao de leve?
E Cumbamori e tantos outros Cumbamoris?

Um abraço para ti e para todos

Anónimo disse...

Camaradas,
Eis um texto que, além de constituir homenagem, é muito esclarecedor sobre a situação criada na Guiné com o desencadear da guerra de libertação.
Os emancipalistas começaram com poucos meios, depois de falhada qualquer negociação. Mas a determinação estava lá.
Todos sabemos que o fundamento da guerrilha, é provocar desgaste material, físico e psicológico, que conduza os oponentes (portugueses) à saturação. E o nosso pequeno país apresentava-se muito vulnerável, e com reduzidos apoios, pelo que, ter resistido tanto tempo, já foi uma vitória, apesar das negociatas que a guerra proporcionou, quer a grandes empresas fornecedoras ou protegidas nas suas actividades, quer no desmando de hierarquias intermédias que se locupletavam com o que podiam. Quer dizer, também na guerra, uns contribuiram muito mais do que outros (que delapidaram em proveito próprio)para o esforço nacional.
Assim, perdemos a guerra, porque não tivémos políticos com suficiente capacidade analítica, que escorados na ditadura não permitiam sequer a expressão de outras ideias.
Resulta ainda da leitura do General, que ele prognosticou o fim da guerra com a derrota portuguesa, como resultado da acção prolongada da guerrilha. Só não podia era marcar a data.
Aconteceu com o 25/4, quando as populações beneficiaram de uma ausência de organização governativa, e impuseram a vontade de regeitar a guerra, e também, quando os militares envolvidos no golpe, sem coesão e manifestando rivalidades, deixaram de acautelar qualquer força negociadora, vencidos pelos anos da luta, nas tintas para uma esclarecida intermediação política, sem perspectiva sobre o futuro da nação, o que teve consequências irreparáveis para muita gente, e deixa pouca margem para lhes reconhecer o mérito. Foram eles, afinal, que por falta de planeamento interpretaram o desgaste, a descrença e o desânimo a que se refere o António Carvalho de Mampatá.
Abraços fraternos
JD

Luís Graça disse...

Joaquim, cá está a tal "armadilha" em que eu, pessoalmente, não queria (nem quero) cair... Acredita que não fui "repescar" o texto do Hélio Felgas (já publicado na I Série do blogue) como "arma de arremesso" contra ninguém... Pelo que já me conheces, não sou especialista em golpes baixos.

O texto serve apenas para "enriquecer" a ficha de leitura que publiquei sobre um homem do meu tempo de Guiné (1969), que era o comandante do Agrupamento nº 2957, e que como tal tinha uma visão muito abrangente da situação político-militar de toda a zona leste (a minha visão, naquele tempo, era necessariamente localizada)...

Um abraço. Luís

PS - Infelizmente, e com muita pena minha, no dia 24 não poderei ir aí, a Monte Real, dar-te um abraço e comer o cozido natalício... Tenho uma arguição para esse dia...

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Desculpem a intromissão em assuntos de mais velhos mas, na minha opinião, Portugal, cometeu erros estratégicos na Guiné por não ter dado a devida atenção as lições do Capitão Teixeira Pinto.

Eu sei que o contexto não era o mesmo mas ele teve o mérito de, em pouco tempo, fazer uma avaliação correcta da situação e decidir que, para o caso da Guiné não precisava de batalhões de tropas metropolitanas nem de muitos Grumetes a mistura. Claro que esta decisão teve suas consequencias boas e más, todavia ele foi eficaz e os efeitos foram, de certo modo, duradouros.

De resto, todos estamos de acordo que a solução final só podia ser politica.

Cherno Baldé,

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro Luís

Nem me passava pela cabeça que fosse "arma de arremesso" contra ninguém, mas a verdade é que "defende" uma das opiniões, mas tal como digo anteriormente, com argumentos que me parecem totalmente despropositados, tal como o desalojar o PAIGC.

Não se pode desalojar quem não está em permanência e sobretudo quem tem a maioria das suas forças em paises estrangeiros.

Mas, meu camarigo, esta conversa já vai longa e não haverá nunca consenso sobre a mesma, até porque a maior parte das vezes não estamos todos a falar da mesma coisa.

Um grande e camarigo abarço para ti e para todos

Anónimo disse...

A guerra na Guiné Bissau iniciou no Norte de Angola em 1961 em que os principais contentores foram estes dois "imperialistas" que tivemos recentemente em Lisboa onde acabaram com a guerra fria, talvez para começar outra guerra qualquer.

Em 1961 era Kennedy e Krutchev, agora foi Obama e outro que não decorei o nome.

Os "ventos da história", uniou-os precisamente na terra da nossa senhora de Fátima, que era a nossa aliada, e quem se fia na virgem e não corre!...

Sobraram aquelas fronteiras africanas.

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Choca-me que haja tão poucos "livros de memórias" dos homens que nos comandaram, no teatro da guerra de África... Há um "dever de memória" de todos nós, e esse dever é acrescido no caso daqueles que fazem/fizeram parte das nossas elites (neste caso, os militares profissionais)...

Hélio Felgas, goste-se ou não dele, concorde-se ou não com ele, escreveu, deixou obra publicada, foi pol
émico mnas sempre interventor, não sei se escreveu propriamente um "livro de memórias"... No dia do seu funeral, percebi que a família não estava nada interessada em "vasculhar os seus papéis"... É bem possível que ele tenha apontamentos, cartas, relatórios, coisas pessoais, interessantes para a produção de conhecimento sobre a guerra da Guiné.... (Será que interpretei mal ? Tratava-se apenas de uma manifestação de pudor face à morte, e à terrível constatação de que quando se morre, morre-se física e socialmente)...

Se este blogue tem algum valor acrescentado (para nós e para os nossos vindouros), esse valor tem a ver com o facto de, discretamente, sem alardes, estamos a "produzir conhecimento" (ou pelo menos, a recolher e a divulgar "dados e informação") sobre um acontecimento único e irrepetível, que foi a Guerra colonial (na Guiné)...

Para aqueles que já decidiram "fechar o baúi" (e calar-se para todo o sempre), eu pergunto:

Se (e quando) nos retirarmos de cena, o que é que fica ? A "mentira" e o "silêncio" dos arquivos oficiais ou oficiosos (de Portugal, da Guiné, da dos EUA, da Rússsia, da Suécia, de Cuba, de Cabo Verde, do Senegal, da Guiné-Conacrui )... Temos um "dever de memória", nomeadamente, nós, em particular os portugueses e os guineenses...

Podemos falar de tudo: com elegância, parcimónia, probidade, honestidade intelectual, respeito pela memória dos que já partiram, reserva da intimidade/privacidade dos que ainda estão vivos...

Luís Graça disse...

Cherno:

A Tabanca Grande é uma "sociedade de iguais"... onde não há a classe dos "mais velhos" (com excepção do Rosinha, mas só por graça...) nem dos "djubis" (com excepção de ti, por que para nós serás sempre o Chico de Fajonquito, "menino e moço"...).

Humor à parte, conta-nos lá a "tua" história sobre o Capitão-Diabo (como ficou conhecido entre os guineenses)...

Tens aqui umas vinte referências sobre ele:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Capit%C3%A3o%20Teixeira%20Pinto

Anónimo disse...

Caros Camarigos
Insisto, de uma maneira muito prosaica, evitando apreciações de carácter técnico- militar já aqui profusa e exaustivamente apresentadas.
Num jogo de futebol há três resultados possiveis. Há ainda a possibilidade de um jogo ser interrompido, sendo que o resultado que se verificar no momento da interrupção pode ser ou não considerado conforme as circunstâncias e o regulamento da prova. Nas guerras clássicas que muitas vezes se restringiam a uma única batalha havia de facto derrota ou vitória mas frequentemente as vitórias eram pírricas. Ora, eu julgo que, numa guerra de guerrilha, as vitórias são sempre pírricas, no sentido mais absoluto do termo.
A guerra da Guiné foi um "jogo" interrompido, num momento de grande sofrimento para as duas "equipas", sem homologação do resultado que me parecia estar "empatado".
Julgo que quando o Salgueiro Maia entrou em Guidage e viu aquele abrigo, é aí que, num momento decisivo de lucidez, ele percebeu que a solução era outra.Como ele outros perceberam que estava na hora...
Mas não fizemos escolas, estradas, pontes e hospitais ? Sim, mas teríamos feito muito mais se tivessemos percorrido os caminhos da evolução normal da história, com respeito pela autonomia dos povos.

Um grande abraço
Carvalho -o de Mampatá

Fernando Gouveia disse...

Mais para o Luis:

Estive uma semana afastado do PC. Neste momento julgo que já não é oportuno fazer um comentário sobre o então Cor. Felgas, meu Comandante. Convivi com ele durante ano e meio, oito horas por dia.

Noutra oportunidade poderei contar algumas coisas interessantes.

Um abraço a todos.

Fernando Gouveia

Anónimo disse...

Caros camaradas,

Em primeiro lugar peço desculpa por me “infiltrar” neste blog, pois não cumpri o serviço militar na Guiné (cumpri em Moçambique). Em segundo lugar, por estar a reactivar um tópico, que já é antigo.

Mas, há frases que me fazem confusão e, que estão a ser constantemente repetidas, nomeadamente “… A solução na Guiné era política, não era militar…”.

Se consultarmos a Wikipédia vimos a seguinte definição para Política “… denomina arte ou ciência da organização, direcção e administração de nações ou Estados;… “ portanto, o que eu depreendo (salvo melhor opinião) é que através da política se escolhe a “forma” de se resolver os problemas do Estado, a forma pode ser através da via económica, da via diplomática, ou pela via belicista, etc., etc..

Assim, entendo que quando as pessoas referem que a melhor forma para resolver o problema na Guiné (subentende-se que a todo o Ultramar) era através da via Política, estão a querer dizer que a coisa resolvia-se pela via Diplomática e não pela via Militar (será isso?).

Se é correcta essa minha interpretação, afinal solução era fácil, caramba, não sei porque é que não se optou por seguir por essa via em 1885, ou noutras ocasiões, nomeadamente, porque é que em 1143 D. Henrique teve o trabalho de separar este rectângulo (ocupar, segundo a visão anticolonialista) da Península Ibérica, quando depois tivemos várias “chatices” com os inimigos espoliados, segundo parece até, que houve muitos mortos e feridos nessas contendas.

Desculpem a ironia, só espero é que quem pense assim não tenha um vizinho ou antigo proprietário que “queira alargar ou reocupar o espaço vital” da sua propriedade e, o visado tenha que recorrer à via contenciosa e não à via do diálogo.

É apenas o meu ponto de vista, vale o que vale.

Abraço
M. Inácio
(ex-soldado pára)