quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7304: Notas de leitura (173): Fuzileiros – Factos e Feitos na Guerra de África, Crónica dos Feitos da Guiné, de Luís Sanches de Baêna (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
Bloqueei a minha veia à volta do diário quase improvável, já não tenho idade para misturar trabalho e ficção, de manhã à noite.
Ontem depois do jantar nem coragem para ler tinha, fiquei especado uma hora a ver “Fala com Ela”, do Pedro Almodóvar.
Hoje de manhã, após os deveres essenciais cumpridos, foi até à Rua do Arsenal à procura do bacalhau do alto e azeite em lata.
Amanhã vou para o lançamento do livro do Armor Pires Mota.
Na 3.ª feira, participo no lançamento do livro “Tempo Africano”, do Manuel Barão da Cunha.
Nos intervalos, recolho encomendas que vão para a Guiné.
O Jorge Cabral continua sem me dar notícias sobre o tipo de morança que eu devo comprar em Finete, se ele pensa que vai comprar a crédito que se desiluda já, ele não conta comigo nem para o contrato de promessa de compra e venda, só com um cheque de 2 milhões de CFA é que lhe adquiro habitação e pessoal administrativo.

Um abraço do
Mário


Os fuzileiros na Guiné (2), entre 1961 e 1974

Beja Santos

O relato “Fuzileiros – Factos e Feitos na Guerra de África, Crónica dos Feitos da Guiné”, é o inventário minucioso destas tropas especiais a que se propôs o Capitão-de-Fragata Luís Sanches de Baêna (Edições Inapa, 2006). No primeiro texto, deu-se realce aos acontecimentos vividos entre 1962 e 1966. Deu-se conta que a Armada pugnou, desde a primeira hora, para encontrar missões adequadas para os Fuzileiros que tiveram um papel de grande importância, nos primeiros anos da luta armada nos rios e rias da Guiné. O Comando da Defesa Marítima pretendia ver os Fuzileiros adestrados para os combates com o uso de meios anfíbios, o que nem sempre acontecia e que veio a alterar-se substancialmente em 1968, com Spínola.

Voltando a 1967, o autor refere que o ano se iniciou com um incidente deplorável que foram os confrontos entre Fuzileiros e Pára-quedistas depois de um jogo de futebol no estádio Sarmento Rodrigues. Escreve ele: “Os Páras, completamente descontrolados, seguiam atrás dos Fuzileiros, investindo contra as esplanadas e destruindo tudo à sua passagem. Ao tomar conhecimento da situação, o Oficial Comandante de Segurança às Instalações Navais de Bissau sai com uma Secção armada, monta uma barreira de protecção cem metros a montante e, como os Pára-quedistas não se detivessem, abriu fogo abatendo dois deles”.

As operações desencadeadas nos primeiros meses tiveram aspectos críticos, com as tropas atoladas no lodo. O autor destaca um comentário de Alpoim Calvão que é bastante impressivo: “Quem já andou na Guiné sabe o que significa andar no lodo. Põe-se o pé com toda a cautela na superfície escura e escorregadia e afundamo-nos até à coxa. Sente-se uma ventosa que suga as pernas e as prende ciosamente. O esforço necessário para dar um passo é violentíssimo e muitas vezes a prisão do lodo apodera-se das botas e há que caminhar descalço. Se por acaso o lodo é mais fluído e o homem se enterra até ao peito, é necessário desatolá-lo e ensinar-lhe a nadar no lodaçal que se agarra à roupa e à pele, cobrindo-o de uma estranha película que o calor do sol transforma em carapaça quebradiça e a água tem dificuldade em lavar”. Para além das operações do Sul, os Fuzileiros actuaram na região do Morés e Cacheu. Com o alastramento da guerra, os Fuzileiros, passaram a alternar com os Pára-quedistas quer a Norte quer no Sul. O autor aproveita para registar dois factos notáveis na história da Marinha de Guerra no teatro de operações da Guiné, concretamente a operação “Eridanus” e mais um capítulo da saga da LDM 302. Esta lancha já tinha sofrido vários contactos de fogo quando, no final do ano, foi alvo de um violento ataque no rio Cacheu, tendo ficado à deriva meio submersa, depois foi rebocada para Ganturé onde se afundou. A lancha que a foi buscar descobriu que podia ser rebocada, foi posta a flutuar e voltou ao activo, como se verá adiante. Quanto à “Eridanus” foi um golpe de mão executado na região de Tombali, onde se encontrou uma arrecadação de material de guerra, um armazém e uma enfermaria. Era tanto o material que foi necessário dividir o destacamento em pequenos grupos até concluir o transbordo de material, durante horas a fio.

Nos primeiros meses de 1968 os Fuzileiros continuaram operativos em golpes de mão, batidas e emboscadas, mas deu-se um incremento de acções helitransportadas. Escreve o autor: “O conceito de utilização dos Fuzileiros com a atribuição da responsabilidade sobre bacias hidrográficas, defendido pelo general Schulz, estava prestes a ser alterado. Spínola encarava a guerra de um modo diferente do seu antecessor, não nutria especial simpatia pela Marinha nem pelos seus Fuzileiros.

Guiné - A LDM 202 a navegar lado a lado com outra LDM, com fuzileiros embarcados.
Foto retirada do site reservanaval.blogspot.com, com a devida vénia.

Não percebia porque é que sempre que delineavam uma operação, os Marinheiros alegavam objecções quanto às marés, pretendendo sempre alterar os locais e horários que haviam sido superiormente determinados. O novo Comandante-Chefe defendia uma estratégia diferente, privilegiando a defesa das fronteiras até as tornar impermeáveis à penetração do inimigo vindo do exterior, pelo que desencadeou operações de grande envergadura no rio Cacheu e em todo o Norte da Província, afrouxando, descurando e mesmo abandonando a pressão sobre a extensa região do sector do Sul onde habitualmente os Fuzileiros andavam empenhados e o Exército se encontrava estabelecido”. O Comandante da Defesa Marítima da Guiné procurou reagir pedindo a intercessão do Chefe de Estado-Maior da Armada, no sentido de que os Fuzileiros não ficassem em bivaque e se mantivessem atreitos às operações específicas para manutenção da segurança e liberdade da navegação dos cursos de água. Para o autor, com Spínola a Marinha perdeu o comando completo de alguns meios navais e de todos os destacamentos de Fuzileiros Especiais que detinha no tempo de Schulz. A partir de 1968, os Fuzileiros passaram a ter missões como tropa de quadrícula, patrulhando os rios, nomadizando e envolvidos em operações de maior envergadura. Em 1968 recomeça a saga da LDM 302 que tinha voltado ao rio Cacheu, já recuperada do primeiro afundamento. No decurso da operação “Via Láctea”, a descer o rio Cacheu, foi duramente atacada pelo inimigo emboscado nas margens. Um grumete foi atingido mortalmente, o interior da lancha incendiou-se, houve que recolher todos os elementos da sua guarnição. No dia seguinte, a LDM 302 foi rebocada para Ganturé, ainda a arder procedeu-se a trabalhos de reparação e em 1969 voltou a ser atingida no Rio Grande de Buba, tendo ficado a cobertura parcialmente destruída. Mas só foi abatida em Novembro de 1972. Esta operação “Via Láctea” procurou fazer abalos nos corredores de infiltração e nas cambanças do PAIGC no Cacheu. Os dirigentes da Armada foram críticos quanto à montagem de um dispositivo que reduzia drasticamente a fiscalização dos rios do Sul (por exemplo, a fiscalização do rio Cacine foi praticamente abandonada. Spínola pretendeu bloquear as linhas de infiltração e ampliou o dispositivo para 60 quilómetros. Foi por essa razão que se constituiu uma base em Ganturé. O autor relata um conjunto de operações destinadas a montar segurança, a começar pela operação “Andrómeda” e passando pela operação “Grande Colheita”, na península de Sambuiá onde foi apreendido imenso material.

Estava-se já em 1969. A seguir ao desastre da jangada no rio Che-Che, a Marinha enviou 12 fuzileiros e alguns mergulhadores com a missão de recolher cadáveres. Foram resgatados 11 corpos e sepultados em vala aberta. Vão prosseguir violentos combates na região do Cacheu, o PAIGC não abandonava as suas posições.

Intensificaram-se os ataques na região de Buba, mas também em Mansoa e no Geba-Corubal. Em Agosto de 1969 ocorreu a operação “Nebulosa”, dirigida pelo capitão-tenente Alpoim Calvão e na região do rio Inxanxe. As embarcações a motor que tinham sido roubadas em 1963, perto de Cafine, eram o alvo da operação. Os Fuzileiros atacaram a embarcação Patrice Lumumba, que afundaram e foram aprisionadas 24 pessoas. E assim chegámos a 1970.

(Continua)
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Novembro de 2010de 15 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7284: Notas de leitura (170): Fuzileiros – Factos e Feitos na Guerra de África, Crónica dos Feitos da Guiné, de Luís Sanches de Baêna (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7297: Notas de leitura (172): África A Vitória Traída, de Luz Cunha, Kaúlza de Arriaga, Bethencourt Rodrigues e Silvino Silvério Marques (Mário Beja Santos)

9 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas,
Este livro mostra a insatisfação dos "fusos" relativamente a Spínola, pela subalternidade em que por períodos foram colocados. Uma alfinetada no estratega que se permitiu deixar tropas de élite no remanso das bases navais.
Um livro a não perder por quem se interessar pelo tema, com intervenções muito bem descritas.
Faço votos de boa viagem para o Mário.
JD

Anónimo disse...

Caro JD,
Não li o livro. Mas, ao ler o segundo poste do BS sobre ele, não fiquei com a ideia de que o General Spínola se tenha permitido "deixar as tropas de elite ["fusos"]no remanso das bases navais".
Boa viagem para o BS.
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Meu Caro Corceiro,
Faz o favor de reler o quarto período da recensão. Chega a referir que as tropas ficavam em "bivaque".
Li este livro, por empréstimo, há algum tempo.
De entre as narrativas de diferentes operações dos fuzileiros, esta revelação, que inclui o pedido para que alguém dissesse a Spínola para tornar os "fuzos" mais intervenientes, deixa no ar o estado de espírito daquela força relativamente ao ComChefe.
Um abraço
JD

Anónimo disse...

Carlos Cordeiro,
Farás o favor de me desculpar, pois, por lapso, dirigi ao camarada Corceiro a resposta que te era devida.
Deve ser coisa do meu amigo alemão que passa o tempo a tentar influenciar-me.
Também peço desculpa ao Corceiro por, involuntariamente, tê-lo trazido à colação.
Abraço ambos (os dois)
JD

Anónimo disse...

Carlos,
Lembrei-me agora: também o Coutinho e Lima descreve que, quando o ComChefe lhe negou o envio de tropas especiais, havia um destacamento de fuzileiros em "bivaque".
Espero que o alemão não me tenha influenciado desta feita.
JD

Anónimo disse...

José Dinis,
Comecei logo por dizer que não li o livro, precisamente para deixar claro que me baseava, exclusivamente, na leitura da recensão do amigo Beja Santos (incluindo o segundo poste). Isto para dizer que não ponho (nem podia pôr) em dúvida o que dizes. A impressão com que fiquei foi a de que os "fuzos" não terão estado no "remanso" (confesso-te que foi esta palavra que me fez reagir) das bases navais.
Nota digo "impressão" (no comentário digo "ideia") e mais nada, ainda por cima sem ter lido o livro.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Carlos,
A palavra remanso que utilizei, poderá ser um excesso, mas foi o que encontrei para acentuar a queixa dos fuzos, face a uma certa marginalidade operacional a que o ComChefe os sugeitaria. Naquele pedaço de texto, deve estar tudo o que me conduziu àquela conclusão. Estive, até, para desafiar algum marinheiro a pronunciar-se no blogue. Não aconteceu.
No entanto, ficou patente esse sentimento nas frases citadas. Não porque os fusos fossem rambos, ou tivessem que provar alguma coisa. Mas o tal mal-estar foi manifestado nos termos que o M.B.S. documenta.
A grande parte do livro descreve a crónica dos feitos da guerra.
No entanto, o que para mim foi relevante da leitura, foi a tomada de conhecimento da "distância" que separava o General em relação à força especial. Que, infere-se, não gostaria que as marés fossem a desoras em relação aos planos de operações.
Um abraço
JD

Anónimo disse...

Ok, José Dinis.
Foi bom termos "conversado". Assim esclareceste melhor o "remanso", que algum camarada Fuzileiro podia levar a mal. Assim é muito melhor.

"A falar é qu'a gente s'entende".
Um abraço,
Carlos Cordeiro

horizontes disse...

Boa Tarde.

Fuzileiro Especial.
2 Comissões na Guiné - Destacamento de Fuzileiros Especiais 3 e 12 (1967 / 1971).
Pioneiro da Bapatganturé.
Pioneiro segurança há estrada Teixeira Pinto / Cacheu.
Presente Operação Via Láctea.
Presente Operações Cataanada / Cocha - Cumbamory.
Ronco feito pelo (Marinheiro Fuzileiro Especial - Galante Guerra).
A verdade sobre Cumbamory, ainda por publicar.
Estive sempre presente.
veiga
dfe3/12-Guiné 67/69