quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7301: (In)citações (22): Testemunhas (guineenses, de dentro e de fora do país) dos acontecimentos do pós-independência (Cherno Baldé)

1. Mensagem do nosso querido amigo Cherno Baldé (na foto à esquerda, quando jovem estudante universitário, Kiev, Ucrânia, 1989):

Data: 14 de Novembro de 2010
Assunto: A propósito das testemunhas sobre os acontecimentos do pós-independência


Amigo e irmão Luis,

Num dos postes do blogue (P7153), com data de 21 de Outubro, com mensagem do senhor Hugo Moura Ferreira a dar conta do falecimento do Joaquim Djassi, está postada uma foto onde aparece um familiar meu (Braima Baldé) que é um antigo milícia, tendo inclusive perdido uma das pernas numa mina A/P.


Na foto, à direita, o  Braima Baldé (de pé); sentados, da esquerda para a direita o António Pimentel,  o A. Marques Lopes,  e o Joaquim Djassi (falecido). Foto: Hugo Moura Ferreira (2007).


Se conseguirem convencê-lo a falar, certamente que terão muita informação acerca das perseguições e fuzilamentos a que foram alvo os que combateram do lado dos Portugueses no regulado de Sancorlá.

É pouco provável que ele se lembre de mim mas se quiserem falar-lhe de mim digam-lhe que sou filho de Aladje Tambá Baldé,  de Fajonquito, antigo empregado da casa comercial Ultramarina.

Na verdade, não é fácil encontrar pessoas, testemunhas oculares do que se passou pela simples razão de que o PAIGC estava habituado a matar e fazia-o na maior discrição possível para não chamar a atenção. Este facto fez avolumar o diz-que-diz secreto porque ninguém tinha a certeza absoluta do que tinha acontecido. Normalmente as pessoas eram presas e transferidas para lugares longínquos e,  mesmo depois de mortas,  os corpos não eram devolvidos deixando os familiares sempre na dúvida.   
Depois, dentro do mesmo PAIGC, começaram as divisões, perseguições e, mais uma vez, as matanças; de modo que, pouco a pouco,  as memórias e imagens mais antigas são substituídas pelas mais recentes, fazendo esquecer e/ou mesmo perdoar tacitamente os crimes cometidos em outros tempos.

Os últimos acontecimentos ligados com as mortes do Presidente Nino e do Chefe do Estado Maior e outros que se seguiram não têm nada de assombroso para quem conhece a verdadeira face do PAIGC, revelam simplesmente que os guerrilheiros perderam o controlo da situação e já não conseguem trabalhar com a mesma discrição como dantes.

E,  de mais a mais, neste país que o próprio comandante 'Nino' Vieira, numa entrevista ao Independente em 1999 (depois do seu afastamento) chamou de "terra de intrigas, de mentiras e de crimes" sempre impunes, a quem interessa arriscar a sua vida e a dos seus familiares coleccionando material radioactivo altamente perigoso ? Muitos dos que cometeram aqueles crimes ainda estão vivos e todos os dias vimo-los a passear nas ruas de Bissau e noutras cidades.

Quem sabe, através do Braima,  podem entrevistar muitos ex-combatentes que hoje estão refugiados em Portugal.

Um abraço fraterno,
 Cherno AB.
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 18 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7300: (In)citações (26): 14 de Novembro de 1980, uma data que mudou a vida do meu país e a minha (Nelson Herbert)

3 comentários:

antonio barbosa disse...

Boa tarde Cherno Baldé
Como sempre gostei imenso do que escreveste pois continuas frontal
e sem receio de falar daquilo que
todos nós sabemos que aconteceu,
mas por conveniência de uns e o medo de outros nos custa a admitir, só que tempo e falta de
descrição leva-os a cometer erros que os denuncia e as atrocidades que foram feitas continuarão enquanto as pessoas se preocuparem em olhar somente para o seu proprio umbigo.
Um grande abraço
Antonio Barbosa

Fernando disse...

Caro amigo, gosto muito do que escreves e seres direto e sem receio das consequencias, as injustiças e as atrocidades
foram tantas que nos ex combatentes da Guiné nem imaginamos.
Como vive na Guiné suponho eu, queria pedir-lhe um favor caso seja possível, quando eu estive na Guiné 65/67 CCaç. 1426 na zona de Bafatá (Geba, Camamudo,Banjara e Cantacunda)estava com nosco um militar guia José Baldé irmão do Régulo Decor de Camamudo, segundo me disseram que ele estava reformado e que vivia em Bafatá, gostava comunicar com ele grande homem e amigo educado responsável e sempre pronto em ajudar.
eu era Fur. Milic.Chapouto
e-mail: fchapouto@gmail.com
Um grande abraço
Fernando Chapouto

Anónimo disse...

Caro Cherno Baldé

Admira-me a tua frontalidade, ao vires aqui expor toda a verdade, que muitos de nós ainda tentamos esconder.

Escreve-se muito e fala-se demais.

Mas dizer aquilo que todos sabem e só tu tens a coragem de dizer, há poucos.

Fiz a guerra com gente importante dentro da Guiné.

O velho capitão Albino, o Capitão Comando do Exército Português João Bacar Jaló.
O pai do meu comandante de Companhia era o dono da Costa Campos.

Fiz a guerra no Sul em frente ao "Nino" que admirei como cabo de Guerra.

Contacto com muita gente por cá tanto dum lado como do outro. Mas... meu querido Cherno Baldé (desculpa a expressão) todos fomos abandonados.

O poder é cego e corrompe.

Comprendes bem o que quero dizer!

É altura de recolher armas!

Um abraço do tamanho de toda aquela bonita e maltratada Terra,

Mário Fitas