domingo, 14 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7280: Memória dos lugares (112): Mondajane, a sudoeste de Dulombi, tabanca fula em autodefesa que ameaçámos queimar no princípio de Setembro de 1969 (Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil, CART 2339, 1968/69)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Carta de Duas Fontes, 1/50000 > Posição relativa de Mondajane, tabanca fula em autodefesa, a sudoeste de Dulombi, seriamente ameaçada em Agosto/Setembro de 1969 pela penetração do PAIGC no regulado do Corubal. Com a retirada de Béli, Madina do Boé e Cheche, passou a haver um corredor por onde o PAIGC se infiltrava facilmente na parte meridional do chão fula, a norte do Rio Corubal.



Apesar do reforço temporário de tropas pára-quedistas ao subsector de Galomaro (a partir de Agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili (entre Galomaro e Canjadude) seria uma das primeiras tabancas fulas, a cair,  com a sua defesa a tornar-se insustentável (foi andonada pela população e depois pelas NT em Outubro de 1969). Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (em data que não posso precisar). O PAIGC apertava o cerco ao chão fula.

Em Agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 constam no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de ter constituído um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá). Nunca mais ouvir falar de Mondajane, sendo muito provável que tenha sido também abandonada...


Imagem: Luís Graça (2010)



Coimbra > O Gil Maia dos Santos, de 4 anos, com a maninha, que acaba de nascer, com 2 kg. Com um Bj para  toda a tertúlia. Enviado por "Avô, babadíssimo, CMSantos, Cart 2339".





 
1. O Carlos Marques Santos (ex-furriel miliciano da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69) é um dos nossos tertulianos da primeira hora [, foto à direita, de 1968].  Foi por mão dele, por exemplo,  que o Torcato Mendonça chegou até nós. É casado com a Teresa, que nos acompanha também desde o princípio, e é pai da artista Inês Santos.  Por razões de saúde (Mansambo não lhe fez bem à saúde, nem a ele nem ao Torcato), tem participado pouco na II Série do nosso blogue. Há dias (8 do corrente) mandou-nos uma mensagem: "Tenho andado um pouco distraído das questões do Blogue,  sem perder a leitura habitual. Hoje, a propósito de avós e netos informo, oficialmente, o nascimento de mais uma neta, pequenina, mas mesmo pequenina, da mana do Gil,  meu neto mais velho - 4 anos" (...).

O CMS (como eu lhe chamo) é um camarada muito querido de todos nós. É professor de educação física, reformado. Decidi, em homenagem ao nosso "baboso avô", recuperar estes textos que remontam  a 2006. (*)


(i)  Dei conta, nas minhas notas pessoais de que entre 27 de Agosto e 27 de Setembro de 1969, estive com o meu pelotão em reforço do sector de Galomaro/Dulombi, mais propriamente em Mondajane, sem no entanto haver qualquer nota na História da Companhia. (#)

Talvez na História do BCAÇ 2852 haja referência a esse tempo esquecido, mas vivido por nós, 3.º Grupo de Combate da CART 2339. (**)

A 27 de Agosto foi recebida a notícia de que iríamos para Galomaro.


A 28 saímos e chegámos cerca do meio dia com indicação de que irímos para Mondajane [, a sudoeste de Dulombi], o que não aconteceu nesse dia mas sim no dia seguinte.

No cruzamento para Dulombi rebenta uma mina na GMC que segue à minha frente  a cerca de 15/20 metros, destruindo a sua frente. Resultado: um morto (desintegrado) e um ferido (condutor) que faleceu ainda nesse dia. Nós íamos apeados, fazendo a segurança à coluna que integrava uma nova Companhia em treino operacional e que era de madeirenses.

Impossibilitados de prosseguir,  fomos para Dulombi com os reabastecimentos. Aí fomos informados que deveríamos seguir a pé para Mondajane, que atingimos e onde nos instalámos.

Aí, e enquanto aguardávamos uma coluna com as nossas coisas, sem resultado, aparece-nos um pelotão vindo de Dulombi, carregando parte das nossas coisas, a pé e à cabeça, informando ser necessário termos que ir a Dulombi carregar, a pé e à cabeça, o resto das coisas. O que aconteceu no dia seguinte.

Dia 1 de Setembro de 1969, fui a Dulombi com 17 carregadores e 2 secções de milícias,  mais 10 homens do meu pelotão, a pé e por trilhos, buscar coisas que eram absolutamente necessárias, numa zona desconhecida e densamente arborizada, o que aconteceria de 2 em 2 dias.

A população recusa-se a ajudar (a zona era perigosa) e só com a intervenção pela força (ameaçámos queimar a tabanca), isso é conseguido. Note-se que nestas circunstâncias - falta de géneros e outros bens - repartimos com as populações.

A 5 de Setembro, um nativo mata um portentoso javali e houve carne fresca confeccionada.

A 7, chega um grupo de carregadores de Galomaro, carregando ainda parte das nossas coisas que estavam em Dulombi. Nesse dia o pelotão que aí estava foi rendido.


A 9, nova caminhada para Dulombi para carregar géneros.

Entretanto a 13 um nosso soldado é evacuado por doença e a 15, à tarde, recebemos a visita dos capitães das Companhias 2405 [Galomaro] e 2406 [ Saltinho].

Dia 19 novamente ida a Dulombi para reabastecimento. A pé e pela densa mata.

Dia 23, notícia de que iríamos ser rendidos no dia seguinte. Nada.

Dia 24, rendidos finalmente e saída para Bambadinca [pela estrada Bafatá-Bambadinca], com chegada a Mansambo a 27 de Setembro de 1969. Sem incidentes.


Em suma, um mês a feijão frade. Sem banho e sem mudar de roupa.

   (ii) Humberto [Reis]: Há dias evocaste aqui uma companhia de madeirenses, que levou porrada em Madina Xaquili, no subsector de Galomaro, com vocês, da CCAÇ 12.(***)


Eu também estive em reforço a Galomaro e disso já dei referência e andei por Dulombi e Mondajane, Madina Xaquili, etc. Essa história está, por mim, contada no blogue salvo erro com o título um mês a feijão frade.

Referiste os madeirenses e presumo que são os mesmos que, em treino operacional, andaram comigo. Esses factos não estão descritos na história da minha Companhia, mas eu tenho-os registados nas minhas notas pessoais diárias que elaborei enquanto estive na Guiné.

Há poucos dias, com o Luís, que estava em trabalho em Coimbra, pude com o Victor David recordar factos de Galomaro e Dulombi.


Lembro-me que em coluna para Mondajane, onde eu iria estar em reforço da CCAÇ 2405, a coluna sofreu o rebentamento de uma mina (A/C) na viatura que seguia ao meu lado (nós estávamos apeados) e desse rebentamento um soldado madeirense, pela acção da mina, desintegrou-se. Esta mina rebentou a cerca de 12 metros de mim e felizmente nada sofri.


O Luís perguntava: então o lenço que estaria mais tarde e durante algum tempo pendurado numa árvore nesse itinerário seria dele? Presumo que sim, pois bocados desse soldado, o relógio, roupa, etc… ficaram agarrados à árvore. Seria essa a Companhia [, a CCAÇ 2446,] a que te referes? [O tristemente famoso lenço pendurado numa árvore localizava-se algures no troço da Estrada Bambadinca-Mansambo, e não no subsector de Galomaro, na estrada para Mondajane, como sugere o Carlos. L.G.]

Se foi [a mesma companhia], parece que não entraram na guerra com sorte e também não a tiveram depois. Consegues referenciar no tempo esse ataque?


Poderei a partir daí confrontar as minhas notas, desconhecendo no entanto a denominação da tal Companhia.


Um abraço,


Carlos Marques dos Santos


Cart 2339 – Mansambo, sempre em diligências solitárias  (****)
______

(#) Nota do CMS:


O alferes do Grupo de Combate da Companhia de Galomaro que nos apoiou era meu primo. Ainda bem. Para não variar, a 29, rebentamentos cerca das 7.00h e uma nossa coluna emboscada no sítio do costume. Um morto e um ferido das NT. Ainda faltavam cerca de 2 meses e meio para o regresso à Metrópole.


_____________

Notas de L.G.:

(*) Postes da I Série do nosso  blogue:

24 Janeiro 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVI: Um mês a feijão frade... e desenfiado (Mondajane, Dulombi, Galomaro, 1969)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXIV: a morte a caminho de Mondajane, com os madeirenses da CCAÇ 2446 (Carlos Marques Santos)



(**) Infelizmente a História do BCAÇ 2852 é omisso sobre este destacamento onde penou o Carlos Marques dos Santos e o seu Grupo de Combate. Oficial ou oficiosamente, o CMS andou um mês desenfiado, sem conhecimento das autoridades máximas do Sector L1 (Bambadina). De acordo com o registo que fica para a História, em Setembro de 1969, a CART 2339 limitava-se a ter um pelotão em Candamã (2 secções) e em Afiá (uma secção). Mas em Agosto, tinha apenas um pelotão em reforço ao COP-7 (Galomaro)...

A História da CCAÇ 12, por sua vez,  confirma a existência, em Agosto de 1969, de tropas de Mansambo em Candamã e Afiá: vd post de 30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) ...

Em resumo, havia muito mais vida, na Guiné do nosso tempo, do que nas secretarias das nossas companhias...


Posteriormente à inserção deste poste,  o Marques dos Santos enviou-me a seguinte mensagem: "Grato pela publicação desta nota. Isto demonstra as incongruências das 'várias histórias oficiais escritas'. Não será caso único. Que os nossos companheiros de tertúlia descubram pequenos pormenores vividos, mas não descritos. Ainda hoje, no meu dia a dia, dou extrema importância a um bem ao alcance de uma torneira – a água".

(***) Vd. postes de 7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6686: A minha CCAÇ 12 (5): Baptismo de fogo em farda nº 3, em Madina Xaquili, e os primeiros feridos graves: Sori Jau, Braima Bá, Uri Baldé... (Julho de 1969) (Luís Graça)

 (****) Último poste desta série > 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7245: Memória dos lugares (110): Ponte Caium: Mais fotos ... (Carlos Alexandre, CCAÇ 3546, Piche, 1972/74)

3 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Carla Amigo: fiz um comentário longo.
No envio não foi...nabice minha ou extenso demais. Não sei
Agora mando um abraço e depois escrevo em e-mail. Fomos bem lixados. Tudo bem.
Um abração do T

Luís Graça disse...

Meu caro Carlos:

Antes de mais, as minhas felicitações... pela saúde (mesmo remendada...), e sobretudo pelos netos. Nem todos poderão dizer o mesmo que tu dizes, com ternura, essa coisa de tu assumires e dizeres que és um "avô baboso"...Parabéns!!!

Quanto ao facto, de teres andado "clandestino" (desenfiado...) lá para as bandas de Mondajane, entendo tão bem a tua tristeza e sobretudo indignação...

Foi um mês que a tropa te roubou: nem sequer esse episódio consta da história (oficial ou oficiosa) da tua guerra... Deixa estar: está reposta a situação (aliás, já o estava desde 2006, no blogue; em todo o caso, pouca rapaziada tem pachorra para ir ao "arquivo" que é a I Série do nosso blogue, de que tu foste um entusiástico e proactivo animador)...

Obrigado por nos teres recordado que havia sítios desgraçados como Mondajane... Havia, de facto, tantos Mondajane, no leste... Nunca lá estive, mas passei por outros, do regulado do Corubal, que não ficavam atrás... Tive apesar de tudo a sorte (relativa) de lá ter estado, nesses buracos, de cada vez, não mais do que 15 dias... Quanto a fomeca, palavra que já não me lembro do que sofri (em geral, eu e o tuga das transmissões, que o resto do pessoal era fula, islamizado e desarranachado)...

Torcato: Nunca escrevas directamente nesta caixinha como eu estou agora a fazer... Escreve em Word e depois faz Copy & Paste... Ou então "guarda" o teu comentário, antes de o enviares... Se o sistema falha (isso e acontece),não perdes tudo... Eu faço sempre um Save, para o caso de não conseguir enviar logo à primeira o comentário...

Um abração. Luís

Luís Graça disse...

Carlos, outra coisa: pelo que te conheço não te estou a ver queimar a tabanca fula em autodefesa de Mondajane... Percebo a cólera dos teus homens, "velhinhos", calejados pela construção do "campo fortificado" de Mansambo e da guerra de desgaste provocada pelo PAIGC... Percebo a tua cólera ante a apatia (?) dos homens de Mondajane... Ameaçar (queimar) é uma coisa, executar uma ordem (queimar) é outra... Não te estou a ver queimares as moranças onde viviam velhos, mulheres e crianças... Os fulas não eram portugueses, chamavam-nos tugas, mas eram nossos "aliados", para o bem e para o mal, nosso e deles... Puta de guerra aquela, Carlos! No Poindom, não queimávamos as casas, armadilhávamos os balaios de arroz...