sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7266: (In)citações (19): Africanização da guerra, tema para um colóquio a organizar pela Tabanca Grande, e pretexto para a efectiva reconciliação nacional (Nelson Herbert)

Guiné > Zona leste > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Uma coluna logística Bambadinca-Mansambo-Xitole... Em segundo plano, de pé, do lado esquerdo, vê-se o Cap Inf Carlos Brito... (a seu lado, o Fur Mil At Inf, José Luís Sousa, o nosso único madeirense). Em terceiro plano, é fácil de observar uma vitura civil, de cor vemelha, uma das muitas que se costumava alugar para transportar mantimentos e armamento e que eram enquadradas por viaturas militares e por tropas (em geral, da CCAÇ 12)... Quando chegámos a Contuboel , em Junho de 1969, os 100 soldados (operacionais), que integraram a CCAÇ 12 (na altura ainda, CCAÇ 2590), não falavam português... E o único soldado arvorado que chegou a 1º Cabo, ainda em 2009, foi o José Carlos Suleimane Baldé, o dedicadíssimo e delicadíssimo José Carlos, uma joia de rapaz,  com quem lidei bastante (era meu secretário particular, intérprete, cozinheiro, guarda-costas, e sobretudo amigo e camarada).  Tem hoje duas mulheres e deve andar perto dos 60 anos. Gostava muito de vir a Portugal. Não sei a sua história de vida, depois da independência. Vive em Amedalai, perto do Xime. Sei que o Beja Santos vai lá estar, para passat um bocado com alguns dos seus soldados do Pel Caç Nat 52 (1968/70). Oxalá o José Carlos consiga falar-lhe!

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados.


1. Comentário, com data de hoje, de Nelson Herbert ao poste P7253:

"Pessoalmente, fui sempre crítico, no meu círculo de relações (a CCAÇ 12), da 'africanização' da guerra colonial. Sabia que mais tarde ou mais cedo iria conduzir a uma tragédia..."

E o presságio, meu caro Luis Graca, infelizmente se vai confirmando na nossa Guiné!!!

Numa outra latitude, as consequências arrasadoras da "indigenização" da guerra não foram de todo distintas das experimentadas na Guiné!

"The Hmong, a Laotian tribal people, secretly aided the U.S. military during the Vietnam War. After South Vietnam fell and the war ended, the Hmong (pronounced "mung") who had worked with U.S. troops feared that the communist Vietnamese and Laotians would persecute them.The Hmong began coming to the United States in 1976"  # *

Os "Mung" e seus descendentes constituem hoje praticamente o grosso da comunidade vietnamita nos  EUA.

Coincidências à parte, o certo é que na hora da debandada... também os Estados Unidos foram impotentes na dissuasão ou contenção de irracionalismos e ódios latentes a cenários de guerra ...

Por conseguinte, meu caro Luis, esta sua sábia constatação tem tudo para servir de mote a um debate bem mais abrangente desta problemática ... Um debate que independentemente das emoções e ressentimentos que possa ainda suscitar ...anime uma abordagem,  a todos os niveis, das consequências (num e noutro lado) da africanização da guerra ...

Quiçá um tema para um colóquio (um contributo à reconciliação dos guineenses) promovido pelo blogue?!

Qual indelével "nódoa" na história recente daquele conturbado país, o impacto da "africanização" da guerra na Guiné se impõe ainda hoje, transversal a geraçõoes de guineenses !   Prova disso temo-lo num áspero e irado dialogo animado em tempos num blogue por dois jovens guineenses, por sinal orfãos... de trincheiras desavindas de um mesmo conflito...

O primeiro, herdeiro de um soldado comando africano fuzilado no dealbar da independência da Guiné, o segundo, alegadamente vitima de uma incursão dessa tropa de recrutamento local a uma base do PAIGC...

Mantenhas

Nelson Herbert (**)
Washington DC
USA
___________

# In Catholic Diocese of Green Bay's Catholic Charities Resettlement and Immigration Services, Wat Tham Krabok Assessment Team Report; Migration Policy Institute

______________

Notas de L.G.

(*) Tradução inglês / português:

"Os Hmong, minoria étnica [do sudoeste asiático,  Laos, Tailândia, Vietname, China...],  ajudaram  secretament os militares norte-americanos durante a Guerra do Vietname.  Após a queda do regime do Vietname do Sul  e com o fim da guerra,  os Hmong (pronuncie-se 'mung') que haviam trabalhado com as tropas dos EUA,  temerem que os comunistas, vietnamitas e laocianos, os viessem a perseguir. Daí terem começado a emigrar para os Estados Unidos em 1976".

(**) Vd. poste de 9 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7252: (In)citações (23): Branco, na volta! Branco, na volta!, repetia a Fatemá em 2005... Com a sua morte perde-se um elo de ligação com os portugueses que passaram pelo regulado de Contabane (José Teixeira)

6 comentários:

Jochen Arndt disse...

Dear Nelson,
I am apologize for writing in English. I inbetween classes and just have a few minutes to write. But I think your post deserves attention.
Indeed, I think you make a very good point. More attention needs to be paid to the Africanization of the war effort in Guinea-Bissau and that as long as there is no serious engagement with this issue, reconciliation will be much more difficult. But I also think that before a serious debate can take place, more research needs to be done (see my post P7220). And this research I believe must included the "voices" of these African soldiers. (see second post below).

Jochen Arndt disse...

In my view the existing works on the Portuguese colonial war in Guinea have not made African soldiers the center of their studies. For instance, Cann and Coelho in their studies on "africanization" only talk
about this process through the eyes of the Portuguese military planners and strategists. And most memoirs and reminiscences of Portuguese (i.e. European)soldiers can only tell us about their experiences with African troops (but even this aspect has not been studied intensely). But rarely
do we hear the voices of African troops in the literature and how they perceived and experienced "africanization." I think this is problematic
for several reasons.

For one, it assumes to some extent that Africans joined simply because the policies of africanization existed. This may or may not be true. In either case, it would be very interesting to know from Africans (through
their voices) why they joined the war effort. There exist of course
theories about why they joined. Some argue that they joined because they felt portuguese. Others argue they joined because the pay was good. Others
still argue that "indirect rule" gave especially the Fula chiefs a reason to fight for the preservation of the status quo. However, for now I would
argue these are all mere theories (not always entirely convincing because many Africans made other choices, joining the guerrillas or refusing to fight). The point is simply this, as long as we do not let African soldiers speak for themselves, we do not know the answers.

The second issue that I would argue is sometimes forgotten is that a) all wars are local to some extent and b) that war itself polarizes people. I think that if we focus on the African side of "africanization," there is a
probability that we may identify reasons for Africans joining the
war effort that have very little to do with Portuguese policies per se but with local identities, local ambitions (e.g. young men trying to accumulate enough money to marry; masculine identities; etc.), local conflicts (e.g. between generations)and the violence of the war. I think
Daniel Branch has made a powerful argument for the importance of this
local dimension in his book on "loyalism" during the Mau Mau uprising in colonial Kenya (see Branch, Defeating Mau Mau, Creating Kenya).

Now, why is this important? I think that all this may shed new light on the character of (Portuguese) colonialism and anti-colonial nationalism. Of course, it is very premature for me to say what this "new light" might
be. However, if it turns out that Africans had their own local reasons to fight for the Portuguese state and/or against the guerrillas, then I would
argue we need to qualify our existing ideas about the nature of Portuguese colonialism. Then, I would argue, we need to reject the idea that it was a totalizing, hegemonic project. I would argue that then we also may need to
qualify the argument of the nationalists that these African troops were mere "collaborators or traitors." Rather, we may have to conclude that they were mere people who looked out for their immediate interests like
many other people did and do all the time.

Now, I want to stress that I do not know if any of things I said above are true or not. Only the research will allow us to reach these conclusions. But I firmly believe that in any case, the African side of this story
needs to be told.

My best wishes,
Jochen Arndt

Cherno Baldé disse...

Caro Jochen,

Em Português a gente se entende melhor e, como já disse o LG, o teu Português é excelente.

Na minha opinião, uma pesquisa sobre a guerra colonial na Guiné em concreto e das motivações de adesão de um e doutro lado dificilmente poderá ter resultados sólidos se visto somente do ponto de vista dos soldados que pegaram em armas ignorando o contexto politico, social e cultural. Estes mesmos soldados estavam inseridos dentro de comunidades em que algumas, como o caso dos Fulas, que mencionou, as próprias autoridades tradicionais estavam na vanguarda do que se chamava na altura, a resistência contra os rebeldes Mandingas que pretendiam reconquistar o poder no chão Fula, aqui entra um elemento histórico muito importante, é que a memória das guerras tribais de Fulas contra Mandingas ainda estavam bastante frescas e com este tipo de argumentos era fácil manipular, se manipulação houve, os primeiros a fim de conseguir a sua fidelidade e penso que foi o que fizeram as autoridades, todos os régulos (chefes) Fulas eram oficiais, isto é Tenentes de segunda linha (nem sei o que significa na linguagem militar/colonial), toda a mobilização e enquadramento das milicias era feito com essas mesmas autoridades.

No chamado chão-fula (regiões de Gabú e Bafatá) durante, pelo menos um ou dois anos, a resistência contra a rebelião foi feita sem a participação de tropas regulares.

Da parte dos Mandingas, no inicio, provávelmente, muitos assim poderiam pensar mas era sem contar com Amilcar Cabral. São questões que criaram muitos problemas durante a luta mas pouco a pouco as ideias de unidade nacional prevaleceram.

Todavia a ruptura com as ideias e objectivos tribalistas não terá sido completa e houve depois várias manifestações deste indole e que, com as constantes crises, tendem a fortalecer-se apesar das aparencias exteriores.

Um grande abraço e desejos de sucesso e coragem com o seu projecto.

Cherno Baldé

Jochen Arndt disse...

Caro Cherno Baldé,
Diseste: "Na minha opinião, uma pesquisa sobre a guerra colonial na Guiné em concreto e das motivações de adesão de um e doutro lado dificilmente poderá ter resultados sólidos se visto somente do ponto de vista dos soldados que pegaram em armas ignorando o contexto politico, social e cultural."
Eu concordo plenamente contigo. Uma pesquisa bem feita tem de sempre manter estes contextos em consideração. E neste caso eu penso que os contextos locais são de grande importancia.

Um grande abraço,
Jochen

Anónimo disse...

Caro Jochen Arndt. Sem dúvida" os contextos locais",mas näo menos os,aparentemente täo esquecidos contextos regionais Senegal/Guiné-Conakri,nas suas perspectivas sociais e apoios políticos externos täo díspares,que acabaram por "pendular mente" tanto influenciar tudo o que se passava,e passa, dentro da Guiné-Bissau,(africanizacäo da luta incluída).É possível ter havido,em alguns dos casos de...voluntarismo africano ao servico do poder colonial...uma subjacente reaccäo por parte de alguns a algo que,dentro de uma perspectiva mais "tribal",e portanto mais limitada,poderia ser apercebido como influências demasiados demasiado fortes vindas "de fora" das zonas tradicionais de poder local.As autoridades tradicionais locais,juntando-se ás autoridades "tradicionais"(!)portuguesas na conhecida atitude de:-"É melhor o diabo que já conheco...". As fortes reaccöes das populacöes da Guiné-Bissau pós independëncia,aquando das interferências militares regionais na altura da guerra civil,demonstram a existëncia deste substrato reactivo. Um abraco.

Anónimo disse...

So, you right Jochen...

As long it take to aknowledge the "africanization" of the war as part of the current instability problem in Guinea Bissau, more difficult will be the so called national reconciliation process...

Thanks for your comment and feel free to get back if by any instance you feel my guinean and journalism background as usefull for your research project !


Nelson Herbert
herbertlopes@yahoo.com