sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7230: (Ex)citações (104): Resposta ao Branquinho (António J. Pereira da Costa)

1. Mensagem de António José Pereira da Costa*, Coronel Art na reserva, na efectividade de serviço, que foi comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, com data de 5 de Novembro de 2010:

Olá Camarada
Li o teu post 7225 e, de imediato, ocorreu-me perguntar-te o porquê do eco que fizeste do comentário de alguém que visitou o blog e comentou.

Ficaria surpreendido com desta modificação da tua maneira de ver o blog, mas creio que não a perfilhas. Claro que todos ou quase todos temos netos ou filhos para cuidar e apoiar e mais agora quando parece que maus tempos aí vêm. Claro que a culpa é do “Povo” que está (mal) habituado a viver acima das suas possibilidades...

Por mim, começo a pensar como o Brecht: (cito de cor)

- “Como é difícil governar! Sem a inteligência do Ministro da Propaganda mais nenhuma mulher ficaria grávida... etc. etc. e a culpa é do Povo que não consegue distinguir um campo de milho de uma forma para tortas, etc...”

Mas deixemos isto, senão ainda me penduram pelos polegares. Não olhes para mim assim, porque polegares não é isso que estás a pensar... Polegares são os dedos mais pequenos das mãos!

Camarada!
O teu interlocutor ‘táva azedo e descria que o Sol voltasse a nascer no dia seguinte. Acontece aos melhores! É capaz de ser uma das características da nossa idade. São variações de humor. Uma espécie de “Parem o Mundo qu’eu quero descer!” Felizmente o Mundo não pára e o Sol nasce todos os dias. Senão era cá uma “chatisse”...

O desânimo não é opção, é doença momentânea que ninguém deve cultivar e aqueles que foram testados de modo tão violento como nós fomos, no início da idade adulta, muito menos. O teu interlocutor não parece estar neste caso e até lamenta não ter tido a honra. Daí a sua intervenção. Começo pelos textos publicados (que) são, na sua grande maioria, de muito duvidosa qualidade e falta de gosto. Sistematizar é mau e generalizar “à bruta” pior. Não posso deixar de concordar relativamente a alguns, mas em milhares de textos... não detecto, por erro meu, que seja a “grande maioria”.

Até aos bons escritores acontece, quanto mais aos amadores...

Quanto à “proveta” idade, devo dizer que provetas só encontrei nos laboratórios e agora sou eu que digo que brandir a idade como arma, para justificar comentários, entre iguais (pelos vistos só em idade) é argumento pobre. Podemos admitir que escrever tanto sobre este tema – sempre o mesmo – será monótono, mas só para quem não quiser aprender como passado. Tomariam os investigadores de hoje ter textos destes, escritos pelos ex-combatentes do Russilhão, das Invasões ou mesmo antes. Se dispuséssemos de textos destes sobre a invasão espanhola de 1762/63 crês que teríamos a coragem de lhe chamar “Guerra Fantástica”? E se pudéssemos ler nem que fosse um diário cheio de erros de ortografia ou de sintaxe, de um soldado das “Campanhas de Pacificação” de há cento e poucos anos? O que nós aprenderíamos acerca do seu sacrifício e do ambiente do tempo (social, operacional, institucional, etc.).

Creio que já disse que esta será a nossa “assinatura” indelével na História, o que invalidará que, nos futuros compêndios, ela possa ser reduzida a meia-dúzia de linhas.

E eu sou dos maus, dos “beras”, dos cépticos, daqueles que hoje afirmam que a “Guerra” foi (estava) perdida (e a porrada que eu levei por escrever isto!), dos que já não sabem se os mortos que tivemos e os feridos que trouxemos aconteceram em “defesa da Pátria”, como então se dizia e hoje ainda há quem diga e em tal acredite ou, pior, queira acreditar. Já tentei demonstrar num artigo escrito numa revista militar que tudo não passou de um fenómeno “que se inscreve na área da sociologia”.

Hoje, especialmente depois de ter falado com camaradas mais velhos, que combateram noutros TO, e dos programas do Joaquim Furtado, dei comigo a pensar que a “Guerra” da Guiné foi diferente das outras duas que não são iguais entre si.

Não será por acaso que o “nosso” blog seja um dos mais frequentados e que não tenha paralelo entre os dos ex-combatentes de Angola ou Moçambique... As razões serão discutíveis, mas creio que se prendem com as condições de extrema penosidade que se verificavam em toda a Guiné, o que não sucedia nos outros TO. Sabemos agora que, em Moçambique as coisas também estavam muito feias, mas havia alguns “oásis”.

Em guerra esteve o Povo Português em 1914-1918, com mortos, feridos, estropiados, gaseados… E alguém fala disso?

É verdade, camarada. Mas sabes que há livros escritos por ex-combatentes dessa época. Hoje são raros, mas existem e só não serão reeditados por razões comerciais. Temos relatórios de combates e descrições (sob os diversos ângulos) da situação que se vivia. Além disso, o centenário da República começou a permitir “arrumar a casa” e visualizar o que o nosso povo terá sofrido nesses tempos. Estamos a começar a reavaliar (espero que com honestidade, verdade e realismo) a participação do nosso país num grande conflito, com todos os dramas que que lhe vierem adjacentes. Faltam menos de 4 anos e, como só começámos em 1917 e terminámos em 18, podemos estudar o assunto com profundidade e dar o seu a seu dono. No entanto, o ano de 1919 – o do regresso a casa – também trará surpresas... Quanto ao falar nisso, relembro que “os povos têm má memória” e que “só se ama o que se conhece”. Acaso com vinte e tal anos tinhas alguma ideia do que foi a I Guerra? A Cultura é uma coisa boa, mas é como o surf, é um desporto em que competimos connosco mesmos. O nosso crítico está um bocado “fora-de-jogo”.

Todos os textos com o devido respeito, são repetitivos lamechas, por vezes quase infantis ou, então, falando de “heroicidades” próprias, revelado egocentrismos, seguindo, outras vezes, a via da vitimização. Por outro, encontro demasiado diletantismo, intelectualismo barato, literatice barata e até… poesia. Poesia… (porquê? Se é para a “desbunda” e bota baixo o devido respeito não faz sentido). E a Poesia, faz mal à saúde? E mais ainda se se pavoneiam pelos seus escritos como se fossem o centro do Universo. Outros aplaudem os posts em comentários boçais e, mesmo quando discordam, não demonstram bom gosto, inteligência e educação. Mas o mais caricato é que entendem que estão a fazer História ou que são fonte para ser feita História. Haja decoro!

Aqui é caso para dizer como se dizia no nosso tempo nas paradas dos quartéis:

’Daaaaa-se! ‘Tás mesmo mal humorado! O gajo ‘tá mesmo zangado com o Mundo. Talvez, se “lá” tivesse ido na altura própria (claro!) falasse de outra maneira...

E contudo, as alusões ao “laureado” revelam um humor, saudável, diria cristalino. Foi sibilinamente oportuno. Os meus cumprimentos! Aquela do médico sentado no guarda-lamas do rebenta-minas é do Kaneko! Ele (o médico) é mentiroso e o teu interlocutor aproveitou magistralmente. Conheci cinco médicos, durante a Guerra, e nunca vi nenhum armado, sequer. Ao laureado só lhe falta o bisturi entre os dentes, como os piratas... “en passant”, claro.

Por fim detenho-me no último naco de prosa e comento entre parêntesis:

Eu também cumpri as minhas obrigações de serviço militar (já não sou uma criança), embora nunca tenha tido a honra de servir em África. (Não é nenhuma criança embora pareça, pelo o humor que pratica, digo eu).


Meus senhores, se me permitem, (claro que permitimos, lá bem educados somos nós) termino dando-vos um conselho (que agradecemos, eu, pelo menos...). Na vossa idade deviam ter outras preocupações e actividades, por exemplo cuidar dos netos e, em alguns casos, dos bisnetos. Mas não lhes falem, por favor, dessas vossas guerras óptimas e únicas, dessas vossas sempre repetidas experiências africanas. (tomarei em devida conta o conselho e futuramente vou dedicar-me à pesca e à caça de espera...)

Um Ab.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6862: (Ex)citações (93): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (António J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 2 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7211: (Ex)citações (103): Quando um homem tem de se conter para não partir a louça... (Manuel Reis)

9 comentários:

Anónimo disse...

Pereira da Costa

"Agarraste-me" bem !
Eu só "transcrevi" para escrito o que ouvi a alguém que pensa (mais ou menos)assim.
Entendi que um texto assim iria "mexer" com o pessoal e fazer saltar "coelhos da toca" como se fazia, no antigamente, com os "furões" durante a caça.

Mas não digas nada a nihguém, porque, no outro Post, a discussão ainda continua...

Um abração
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Caro Alberto Branquinho. No "antigamente",com os furöes,os que saltavam da toca näo eram os coelhos velhos(os tais com netos),mas sim os...."coelhinhos"! Um grande abraco.

Unknown disse...

Talvez porque veja a vida como uma coisa séria em demasia, tenho que reconhecer que fui apanhado por esta 'carta aberta' ao blog.
Mas..., desculpem o meu mau feitio, podia (ou pode?)trazer alguns amargos, principalmente por quem não passa pelos coments deste Post. Ou para quem só se limita a passar uma vista de olhos, pelo conteuodo sem se debruçar muito sobre os assuntos. Pode ficar com uma ideia errada.
Creio que a consideração que muitas pessoas nos leem, se deve aplicar, tambem aqui neste tipo (que não tem mal, mas pode ter consequencias temporárias) de 'apanhada'.

Abraços
Carlos Filipe
ex ccs BCaç3872 Galomaro

Hélder Valério disse...

Caro camarada Pereira da Costa

O meu particular agradecimento por este teu post.
Acho que veio colocar os 'pontos nos iii' que pareciam faltar, a avaliar por muitos comentários que foram aparecendo no post do Branquinho.

Um abraço
Hélder S.

Silva da Cart 1689 disse...

Intervenção boa,
oportuna e
necessária.

Abraço

Luís Graça disse...

António Costa:

Os teus comentários, a propósito do nosso blogue, são certeiros, oportunos, pertinentes... E eu assino por baixo. (Ficar-me-ia mal ser eu a defender a importância relativa do blogue associada à gestão da memória da guerra colonial; e fico feliz por aparecer alguém, com sentido de lealdade e de justiça, que vem a terreiro defender o "bom nome" da Tabanca Grande, ainda para mais com o prestígio e a respeitabilidade que já ganhou, entre nós, o António J. Pereira da Costa).

Julgo que, tal como eu e outros leitores "menos apressados" (ou "mais avisados"), tu viste o texto do Branquinho - deliciosamente irónico, mas a raiar a "quase provocação" - como uma brincadeira, uma paródia, inspirando-se no estilo do escritor e dramaturgo Sttau Monteiro, autor da conhecida peça de teatro "Felizmente há Luar" (1961).

Recorde-se que, entre 1969 e 1980, Luís de Sttau Monteiro (1926-1993) publicou as «Redacções da Guidinha», primeiro no já extinto "Diário de Lisboa" (suplemento A Mosca), antes do 25 de Abril, e depois em "O Jornal" (também extinto), já em democracia, até por volta de 1980.

Sempre fui fã do humor saudavelmente provocatório e inteligente das "redacções da Guidinha", sobretudo até ao 25 de Abril de 1974. Independentemente do talento literário do autor, as "redacções da Guidinha" foram uma das muitas formas que os portugueses encontraram para "fintar" a censura à imprensa (ou "exame prévio", como se dizia eufemisticamente no consulado marcelista, lembram-se ?!).

Julgo que alguns dos nossos leitores "levaram a sério" (isto é, "à letra") o Branquinho, não dando conta do seu registo humorístico, da sua ironia, do seu segundo sentido... Eu gostei e e confesso que me diverti à brava, mesmo não tendo netos (biológicos).

Já tenho, de resto, ouvido, várias vezes, alguns dos argumentos invocados pelos críticos (não lhe vou chamar "inimigos", que em democracia não há "inimigos") do blogue: que o blogue "já cheira mal", que a malta está "xéxé", que somos um cambada de "masoquistas", que andamos a armar em "heróis de opereta", que temos esquecido, ignorado e até maltratado os os verdadeiros heróis desta guerra, que somos uns "basófias", que já não há nada de novo para dizer sobre a guerra que travámos na Guiné, que somos tendenciosos, que temos um complexo de culpa, que agora armamos em benfeitores ricos para ajudar os pobrezinhos da Guiné, que tudo o que é demais tem demasia, que não somos capazes de discutir com elevação e tolerância, etc. etc.

(Continua, a mensagem total ultrapassa os 4096 caracteres)

Luís Graça disse...

(Continuação / II e última parte do meu comentário):

Eu acho que o Branquinho quis dizer, muito simplesmente, o contrário: que houve uma guerra e que os que a fizeram, de um lado e do outro (e que tiveram a sorte de sobreviver) têm direito a sentar-se "à volta da fogueira" (ou "debaixo do poilão"), a relembrar os mortos e os vivos, e as pequenas e grandes batalhas que travaram, incluindo as peripécias do seu quotidiano nos aquartelamentos, destacamentos e tabancas em autodefesa da ex-Guiné portuguesa (quotidiano esse que tinha muito pouco ou nada de romântico, heróico ou grandioso!)... Ah!, sem esquecer os nossos camaradas do meio aéreo e do meio aquático (FAP e Marinha).

Já passei, algumas vezes, por essa experiência (desagradável) de ser "mal interpretado" pelos amigos e camaradas da Tabanca Grande...

Recordo uma das últimas, com o poste que cito abaixo (*) (e que chegou a provocar até pedidos de demissão da Tabanca Grande, logo retirados depois de alguns telefonemas a esclarecer o "sentido do poema")... De qualquer modo, reconheço que "não devemos brincar com o fogo"... Quando eu era pequenino, ameaçavam-me com o castigo: "Mexes com o fogo, logo vais vais fazer chichi na cama"... (Espero que não tenha acontecido o mesmo ao Branquinho...).

Dito isto, aproveitem para comer uns castanhas assadas e celebrar o São Martinho (que, se a minha erudição bate certo, até foi camarada nosso, noutras guerras...: perguntem ao nosso hagiógrafo, o Zé Martins).

____________

(*) 21 de Novembro de 2009
Guiné 63/74 - P5309: Blogpoesia (58): Para os amigos e camaradas da Guiné que esta noite tiveram insónias (Luís Graça)

Anónimo disse...

Luís,

O nosso blogue tem destas coisas: prevê intervenções de camaradas, que só acontecerão um ano depois. Se fores aos comentários ao teu poste de 21 de Novembro de 2009 verás lá o teu comentário (o das 3:16:00 de hoje) ao poste de António Costa, de 5 de Novembro de 2010.
Podes dizer e com razão: "ena pá, 'tás sempre com o caniço na água"!!!

Um abraço,
Carlos Cordeiro

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro Luís e camarigos

Desde que li o texto do Branquinho que o entendi como dizes, ou seja:
«deliciosamente irónico, mas a raiar a "quase provocação" - como uma brincadeira, uma paródia,», por isso mesmo respondi com uma história delirante!

Mas depois, quando vi outros comentários, começei a ficar atrapalhado e a pensar que tinha lido o texto "de atravessado"!


Acho que com humor se podem dizer muitas coisas, e algumas delas bem importantes para reflexão.

Um abraço camarigo para todos