quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6867: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (6) : Quadros de Viagem de um Diplomata, de Luiz Gonzaga Ferreira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Descansem, estou quase a acabar as férias. Foram curtas, preciso de mais.
Li este livro quando estava a preparar a Mulher Grande, precisava de perceber o fervilhar da vida senegalesa na altura em que o grupo de François Mendy atacou São Domingos, onde pus a viver a minha heroína. A História não especula, não põe hipóteses. Mas é impossível deixar de perguntar o que teria acontecido se Salazar continuasse a apoiar a solução de autonomia progressiva para a Guiné Portuguesa.

Um abraço do
Mário


Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (6)

por Beja Santos

Quando, em Dakar, se negociava uma autonomia pacífica da Guiné


No dia 11 de Agosto de 1963 um DC5 aterrou em Bissalanca e dele saíram Silva Cunha, então Secretário de Estado do Ultramar, diplomatas do MNE e o último cônsul português em Dakar, Luiz Gonzaga Ferreira. Este conjunto de personalidades ia aguardar a comunicação que Salazar faria ao país no dia seguinte, dando conta da sua decisão, tomada depois de se reunir com Benjamim Pinto Bull, Presidente da União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP) de aceitar a abertura de negociações para uma autonomia política da Guiné. A esta declaração de Salazar, o conjunto de personalidades e o Governador da Guiné receberiam Benjamim Pinto Bull para iniciar as negociações dessa autodeterminação progressiva.

O que se disse acima não é ficção, está perfeitamente documentado e consta do livro “Quadros de Viagem de Um Diplomata”, por Luiz Gonzaga Ferreira*, Vega, 1998. Ao longo de mais de 400 páginas, o diplomata, que iniciou a sua carreira em Dakar, em 1960, dá-nos conta sobre os bastidores da acção diplomática portuguesa no Senegal e oferece-nos uma importante memória sobre a política de Senghor e o que ele pensava da transição pacífica da Guiné para a independência e, não menos importante, quem eram e como actuavam os diferentes movimentos independentistas que operavam em Dakar, a partir de 1959. Vamos aos factos.

Primeiro, as condições em que se chegou para que o próprio ditador tenha concordado com uma solução negociada com a UNGP. Léopold Sédar Senghor adoptou uma imagem moderada e um perfil de negociador no contexto da antiga África Ocidental Francesa. Poeta africano, autor do princípio da Negritude, apaixonado pela cultura francesa, partidário da democracia parlamentar, debatia-se por aprofundar essa via no Senegal e na vizinhança e sujeitava-se a ter que acompanhar o estado de exaltação das independências e até as próprias vozes radicais que se ouviam no Gana, em Marrocos ou no Congo. Senghor temia os projectos políticos de Sekou Touré e desconfiava do marxismo de Amílcar Cabral. Impelido para o corte de relações com Portugal, manteve, mesmo depois da saída do Embaixador português, relações cordiais com o cônsul. A colónia guineense era representativa no Senegal, tal como a colónia cabo-verdiana. Por muita moderação que imprimissem nas relações com os movimentos independentistas, Senghor estava consciente, sobretudo a partir de 1961, que ou se entrava na luta armada ou na negociação com as autoridades portuguesas. Os movimentos de libertação da Angola, Guiné e Moçambique já se tinham encontrado em Casablanca, agiam com uma estratégia conjunta. Os países africanos preparavam a criação da Organização da Unidade Africana. Para além de lhe repugnar a guerra, Senghor temia a circulação de armamentos pela região do Casamansa, antigo território português, até 1886. Senghor e grande parte dos dirigentes do seu partido, o UPS – Union Progressiste Senegalaise pretendiam a solução moderada, por isso apoiaram a UNGP. Senghor assistira em 1961 às investidas de um grupo de manjacos do Movimento de Libertação da Guiné de François Mendy, que atacaram São Domingos, Susana e Varela. Os movimentos nacionalistas radicais não aceitaram a concorrência da UNGP que procurava promover valores de paz e conciliação. Senghor apostou declaradamente na UNGP. A partir de Dakar, Luiz Gonzaga Ferreira ia informando Bissau e o MNE. Os Estados Unidos não sabiam muito bem quem apoiar, a URSS, nessa época, fazia ainda um jogo duplo entre o FLING e o PAIGC. Este, tinha já em preparação um vasto conjunto de quadros e prepara a sublevação do Sul da Guiné. Os argumentos de uma autonomização progressiva, entregando a Guiné aos guineenses terá seduzido Salazar que aceitou o jogo do diplomático que secretamente era tecido em Dakar por um jovem que iniciava a sua carreira.

Segundo, o enredo negocial urdido passou por captar as simpatias dos altos dirigentes senegaleses para uma situação que impedisse abrir o flanco aos grupos esquerdistas senegaleses, sempre prontos a ver armados os nacionalistas guineenses e cabo-verdianos. A partir do momento em que cortou relações ao nível da embaixada, Senghor teve que fazer uma escolha e fê-la: secretamente, começou a pedir empenho ao governador Peixoto Correia para criar uma atmosfera de aceitação da UNGP em Bissau. Ao longo de centenas de páginas, o embaixador Luiz Gonzaga Ferreira descreve os altos e baixos do regime de Senghor e o equilíbrio que este procurava manter entre o “sonho revolucionário” e uma África independente dialogante com o mundo ocidental. Um simples cônsul move-se entre nacionalistas, dá uma opinião favorável à constituição de uma frente independentista pacífica, descreve demoradamente a actuação dessa miríade de movimentos, na maioria dos casos sem nenhuma representatividade e o apoio dado ao grupo de Pinto Bull que era, segundo o autor, maioritariamente apoiado na época pelos guineenses que viviam no Senegal.

Também, a acreditar no que escreve o autor, é patente que o PAIGC era altamente contestado pela comunidade cabo-verdiana do Senegal que não via com bons olhos o mesmo Estado numa unidade em que não se reconheciam. Neste ponto, estamos perante uma leitura excepcional, pois é possível decepcionar como esta UNGP constituiu a última oportunidade de ter evitado, segundo o autor, a luta armada bem sucedida que o PAIGC desencadeou a partir de 1963.

Terceiro, qualquer possibilidade de ter havido uma Guiné independente multipartidária, dirigida por guineenses, desapareceu com o discurso de Salazar de 12 de Agosto de 1963. Num curto parágrafo deitou tudo por terra, ele que apoiara a negociação com a UNGP ao dizer: “Que todos o saibam – em nenhum momento e sob que pretexto, jamais parcela alguma do território nacional e nenhuma parte da soberania nacional serão alienadas”. Igualmente, no terreno das hipóteses, a proibição desta autonomia deitou por terra outras soluções em Angola e Moçambique. O pano caiu nesse dia. Em Adis Abeba nasceu a Organização da Unidade Africana, o nacionalismo africano entrava na rampa de lançamento, todas as soluções moderadas se tornaram questionáveis, indesejáveis.

Há, por conseguinte, todo o interesse em fazer o registo desta obra como documento singular onde são desveladas todos as iniciativas que precederam soluções pacíficas para a independência da Guiné.

(Continua)

(*) Embaixador Luiz Gonzaga Ferreira, uma carreira que se iniciou em Dakar, que passou pelo Congo, Líbano, Cuba, Bruxelas e Bulgária.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6857: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (5) (Mário Beja Santos)

5 comentários:

Antº Rosinha disse...

Em 1963 já não estava mais nas mãos dos guineenses o seu próprio destino.

Todos os conflitos africanos já estavam internacionalizados.

Já Senghor não sobrevivia sem a protecção Francesa, nem Sekou Touré impunha o seu socialismo sem a protecção soviética, e é histórica a opinião de Sekou Touré, que Guiné só há uma.

O Salazar se quizesse mal a Amilcar Cabral, era naquela altura dizer-lhe que era presidente da Guiné.

Mas como era fácil termos evitado aquela guerra, segundo este embaixador!

Anónimo disse...

Ao Senghor repugnava-lhe a guerra, é verdade, mas nao lhe repugnou o facto de saber que as autoridades Senegalesas meteram milhares de Guineenses em camioes, entre refugiados nao oficiais e simples trabalhadores sazonais, para os entregar as autoridades da Guiné-Bissau, entre 1975/76, muitos dos quais desapareceram sem deixar rastos nas masmoras de Farim e outros pontos da fronteira.

Cherno disse...

Peço desculpas, o comentario em cima é da minha autoria.

Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)

ISUFE SEIDI disse...

Fiquei muito trizte ao saber da morte do senhor Gabriel,que foi meu professor em Tite,quando cumpria servico militar,nessa altura eu tinha 14 anos,e no dia de ataque ao quartel de Tite ,sai da messe dos sargentos onde ajudava nos trabalhos de cozinha,passei por ele na porta de arma quando ia para a minha casa,ele me acompanhou ate a esquina do quartel,paramos e conversamos algum tempo sobre materia escolar.quando cheguei no meu quarto nem dormi comecei a ouvir tiros,que durou ate demanha.A familia dele,mando as minhas sentidas codolencias.ISUFE SEIDI

ISUFE SEIDI disse...

Gostava de saber do contacto do Senhor Carlos,que foi furriel do Bcc numero 267 ,que esteve em Tite,tambem era conhecido por Cargalheiro,tinha me dito que ele era de Caldas da Rainha. O meu contacto e adulaiseidi@hotmail.co.uk