quinta-feira, 15 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6743: Recortes de imprensa (26): A morte do africanista Basil Davidson (1914-2010), amigo e admirador de Amílcar Cabral (Nelson Herbert / Luís Graça)




Basil Davidson visitou as "regiões libertadas" da Guiné-Bissau, por três ou quatro vezes, a primeira vez em 1967, acompanhado por Amílcar Cabral de quem se tornaria amigo pessoal e grande admirador... A segunda vez (ou terceira ?) seria em 1972 e a última em 1974... A imagem que aqui se reproduz, foi publicada no PAIGC Actualités, nº 48, Décembre 1972, o tal número dedicado às "regiões libertados no sul". 

Recorde-se que esse número (fotos incluídas) já foi aqui reproduzido integralmente: "Tradução do nº 48 da revista PAIGC Actualités, um orgão de propaganda política do PAIGC, publicado mensalmente, em francês. Subtítulo: 'A vida e a luta na Guiné e Cabo Verde'. O nº 48 tem 6 páginas e é datado de Dezembro de 1972. Tradução de Vasco da Gama, a partir de cópia digitalizada fornecida pelo co-editor Eduardo Magalhães Ribeiro". (*).

Esta foto (que o jornal Público vai reproduzir numa peça a publicar na "Pública", de domingo, se não me engano, com a autorização expressa do nosso blogue, dada à jornalista Andreia Sanches), tem a seguinte legenda, no exemplar, raro, que faz parte da colecção pessoal do nosso co-editor Eduardo Magalhães Ribeiro:

" O escritor inglês Basil Davidson conversa com a responsável da organização dos Pioneiros do Partido no sul do país,  Teodora Gomes. O escritor e africanista inglês Basil Davidson visita pela terceira vez as zonas libertadas do nosso país. Acompanhado pelo camarada Vasco Cabral, do Comité Executivo, visita o Sul e de seguida o Leste. Nesta última frente reuniu demoradamente com o Secretário Geral do Partido, Amílcar Cabral, que se encontrava na região em visita de inspecção.

"Basil Davidson, que foi o primeiro escritor da Europa Ocidental a denunciar os crimes dos colonialistas portugueses, é um amigo do nosso povo, tendo publicado inúmeros escritos sobre a nossa luta, tendo o seu livro Revolução em África sido prefaciado pelo Amílcar Cabral" (..
.) (Fonte: PAIGC Actualités, nº 48, Décembre 1972, p. 2)



1. O Nelson Herbert foi o primeiro dos nossos amigos e camaradas da Guiné a sinalizar a morte do inglês Basil Davidson (1914-2010), ocorrida no passado dia 9. Como guineense e filho de caboverdiano, admirador de Amílcar Cabral, o Nelson Herbert, jornalista da Voz da América, não quis deixar passar em claro a notícia. Mandou-nos em anexo uma declaração, pública, do Presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires, que se reproduz a seguir, bem como um recorte de imprensa.

Recorde-se que o antigo major dos serviços secretos ingleses, na II Guerra Mundial, foi condecorado em Portugal, em 2002, pelo Presidente Jorge Sampaio como Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Tem diversos livros pulicados em português (nomeadamente em Portugal e Cabo Verde):

 "Os Camponeses Africanos e a Revolução" (Sá da Costa, 1975); "Mãe Negra. África: Os Anos de Provação" (Sá da Costa, 1978); "A Política da Luta Armada: Libertação Nacional nas Colónias Africanas de Portugal" (Caminho, 1979); "À Descoberta do Passado de África" (Sá da Costa, 1981); "Os Africanos. Uma Introdução à sua História Cultural" (Edições 70, 1981); "As Ilhas Afortunadas. Um estudo sobre a África em transformação" (Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco, 1988); "O Fardo do Homem Negro" (Campo das Letras, 2000). (LG)

 Homenagem a Basil Davidson

Faleceu, no passado dia 9 de Julho, na Inglaterra, o proeminente intelectual, jornalista, historiador, combatente pela liberdade e pela justiça, o saudoso BASIL DAVIDSON, que, de forma determinada, solidária e apaixonada, ajudou a transmitir ao mundo a justeza da luta dos povos africanos pela sua emancipação e independência.

O desaparecimento físico desse soldado da luta contra a opressão constitui deveras uma perda irreparável e deixa um profundo vazio no seio daqueles que continuam a pugnar pelos ideais humanistas e de liberdade. No caso de Cabo Verde, BASIL DAVIDSON foi merecedor de um justo reconhecimento da Nação, pelo seu contributo inestimável na denúncia da política colonialista do regime de então e na divulgação ao mundo da justeza da luta de Libertação Nacional, tendo sido por mim condecorado com o Primeiro Grau da Ordem Amilcar Cabral, em 2003. Este país, que ele tanto admirava, tudo tem feito para justificar o título da sua obra "AS ILHAS AFORTUNADAS."

Nesta hora de pesar, inclino-me respeitosamente perante a memória de BASIL DAVIDSON, e em meu nome pessoal e no do Povo Cabo-verdiano, expresso à viúva, aos filhos e a toda a família, as mais sentidas condolências, muita simpatia e solidariedade, compartilhando da dor que nos entristece a todos pela irreparável perda de um Amigo de quem guardo gratas recordações.

Praia, 12 de Julho de 2010.

PEDRO PIRES
Presidente da República de Cabo Verde



2. Notícia da morte de Basil Davidson, no primeiro semanário, em linha, caboverdiano,
A Semana (que reproduzimos aqui, com a devida vénia) (**)

12 de Julho de 2010 > Morreu o jornalista e historiador Basil Davidson


O jornalista e historiador britânico Basil Davidson, 96 anos, morreu na sexta-feira última. Amigo de Amilcar Cabral e outros dirigentes africanos, Davidson foi um grande activista da justiça e da liberdade para os povos oprimidos do mundo, principalmente de África, tendo divulgado a luta contra o colonialismo, principalmente na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Em Cabo Verde, onde a sua obra é conhecida e apreciada, o seu amigo Olívio Pires considera que a África e a própria Inglaterra perderam um grande homem.

Basil Davidson, que nos últimos anos encontrava-se doente, teve uma vida cheia. Jovem, combateu na Segunda Guerra Mundial, ajudou a guerrilha de Broz Tito, na Jugoslávia, e mais tarde, como jornalista, trabalhou para vários jornais do seu país. Foi a partir dos anos de 1950 que se tornou num destacado africanista, quando começou a publicar trabalhos como "África na História", "Mãe Negra", "A Descoberta da Velha África", entre vários outros.

Foi também nessa altura que conheceu vários lideres africanos, dentre eles Nelson Mandela e Amílcar Cabral, ajudando este último na divulgação do documento "Factos sobre o colonialismo português", que marca a primeira denúncia internacional da política ultramarina de António de Oliveira Salazar. Foi a partir dessa denúncia, em Londres, que Cabral partiu definitivamente para o exílio, rompendo de vez com o colonialismo português.

Entre 1969 a 1985, Basil Davidson foi vice-presidente do Movimento Anti-Apartheid na Grã-Bretanha, escreveu um livro sobre os crimes do apartheid o que lhe valeu o lugar de destaque na "lista negra" do governo de Pretória. E quando lhe foi oferecido um emprego como editor na Unesco, o governo britânico vetou a sua nomeação.

Também por essa altura publicou vários livros sobre a luta em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, a partir de viagens às zonas libertadas desses territórios. Sobre Cabo Verde, já depois da independência, publicou nos anos oitenta o livro "As ilhas afortunadas".



Um amigo de Cabo Verde

Olívio Pires, histórico do PAIGC, considera uma "grande perda" a morte de Basil Davidson, com quem se relacionava muito bem. "Ele esteve algumas vezes em Cabo Verde, um país que ele apreciava. De um modo geral, Cabo Verde perdeu um grande amigo, a África e o seu próprio país também, já que se trata de uma pessoa que fez história com o seu trabalho. Guardo dele as melhores recordações".

O Estado de Cabo Verde, através do presidente Pedro Pires, condecorou em 2003 Basil Davidson com uma das suas medalhas. Dados os seus problemas de saúde, foi Olívio Pires, por coincidência, que entregou a distinção ao visado. "A cerimónia foi simples, aconteceu na Embaixada de Angola, já que não temos representação em Londres. Para todos os efeitos, tratava-se de um grande amigo, que nos deu uma grande contribuição para a nossa luta de libertação, por isso é essa a recordação que vou ficar dele".

Em declarações ao jornal "Notícias", de Moçambique, o veterano Marcelino dos Santos recorda Basil Davidson como um homem "solidário" com todos os povos que lutavam pela liberdade em todo o mundo. "No caso das antigas colónias portuguesas, sobretudo nós e os nossos irmãos de Angola e da Guiné (Bissau), foi um grande amigo e camarada", comentou dos Santos, que conheceu o falecido historiador na casa deste em Londres, antes do início da luta armada que a FRELIMO haveria de desencadear à semelhança do MPLA em Angola e do PAIGC na Guiné.


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Notas de L.G.:

(*) 20 de Maio de 2009 > Guiné 64/74 - P4384: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (5): O nº 48, Dezembro de 1972, dedicado à 'visita da OUA às regiões libertadas no sul


6 comentários:

Anónimo disse...

Faleceu?
Paz à sua alma.
Gostei de saber que foi o primeiro escritor da Europa Ocidental a denunciar os crimes dos colonialistas portugueses.
Ainda bem. Se não fosse ele, os crimes teriam ficado impunes.
Fiquei curioso e gostaria de saber quem foi o primeiro escritor da Europa Ocidental a denunciar os crimes dos algarvios, alentejanos, lisboetas, beirões, durienses, minhotos, transmontanos, açorianos e madeirenses, portugueses.
Como as prisões estão superlotadas, deve haver uma lista enorme de denunciantes.
Que, por certo, merecerão uma referência elogiosa, quando, involuntariamente, entregarem a alma ao criador.

Manuel Amaro

Luís Graça disse...

Obrigado, amigo, camarada e vizinho (de Alfragide), Manuel Amaro, pelo teu comentário.

Mas deixa-me só fazer-te um pequeno reparo, que até faz todo o sentido, sendo tu um homem com formação superior em comunicação e relações públicas.

Um leitor, mais distraído ou apressado, ou até incauto, que passar por aqui (a cave do blogue que é, para alguns como o Jorge Cabral, "um dos sítios mais interessantes da Tabanca Grande, de visita obrigatória"...), pode ficar com dúvidas sobre a autoria da frase "Basil Davidson, que foi o primeiro escritor da Europa Ocidental a denunciar os crimes dos colonialistas portugueses (...)"...

Como tu bem sabes, uma frase entre aspas é uma citação... Que fique bem sobre "quem disse o quê": a responsabilidade da frase (ainda para mais destacada a itálico) é da responsabilidade do editor do PAIGC Actualités, não do nosso blogue...

Nunca li nada, que me lembre, do Basil Davidson, nem estou em condições de opinar sobre a sua definitiva importância para o conhecimento da cultura e da história africanas, nem é essa a nossa missão (refiro-me ao blogue)...

Os amigos dos nossos amigos não têm que ser nossos amigos... O Basil Davidson, mal amado no seu país e nos EUA, condecorado pelos Governos de dois países lusófonos, amigo e apoiante do PAIGC de Amílcar Cabral, no mínimo merece o respeito que é devido a qualquer homem, na hora da sua morte, mesmo que tenha sido nosso adversário político e ideológico.

Esta a cultura do nosso blogue. De resto, já há tempo foram explicados e comentados "os motivos que levaram o Blogue a publicar um texto de PROPAGANDA POLÍTICA,que o é efectivamente, datado de 1972 da autoria do PAIGC" (as palvras são do tradutor do documento, o Vasco da Gama):

"Também penso que este documento poderá contribuir para o enriquecimento do espólio que os historiadores têm à sua disposição na análise da propaganda de então, já que o silêncio dos actores principais da guerrilha é incompreensível e já lá vão 35 anos...

"Sorri ao traduzi-lo (conta sempre comigo, Luís Graça)e até referi, em correspondência particular a um bloguista amigo, que estava a traduzir 6 páginas que continham 6 mil mentiras.

"Vivi no mato profundo, sem ter sequer instalações nem população, durante bastante tempo e era ouvinte habitual da Maria Turra. O meu Cumbijã, segundo a referida Maria,foi arrasado por quatro vezes,o capitão, que por acaso era eu, morreu por duas vezes e então os alferes nem vos conto nem vos digo." (...)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/05/guine-6474-p3905-paigc-actualites.html

Luís Graça disse...
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Luís Graça disse...
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Luís Graça disse...
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Anónimo disse...

Caro Luís Graça, amigo, camarada e vizinho, obrigado pelo reparo.

Eu tenho uma forma muito própria de ler, sentir, analisar e depois escrever "algo" sobre África.
Toda a África, a que dedico alguma atenção, desde o início da década de sessenta.

De propósito, só estive em África duas vezes: Guiné 1969/71 e Angola, apenas duas semanas, em 2003.

Ontem, na minha visita diária ao blogue, li o texto em referência e não resisti a comentar: assim como o defesa que puxa o braço do avançado, mesmo sabendo que corre o risco de lhe ser marcada uma grande penalidade, ou o corredor do "tour de France" que, para se defender, encosta a cabeça, três vezes ao adversário e é expulso da prova.

É a vida...
Mas sempre por uma boa causa.

Manuel Amaro