quarta-feira, 14 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6730: Controvérsias (95): Não me move, nem alimento, qualquer querela QP-Milicianos (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 13 de Julho de 2010:

Carlos, meu Caro Amigo,
Porque o assunto que hoje me impôs este texto não está, nem de perto, nem de longe, esclarecido, antes é apresentado de maneira a confundir a interrogação de muitos dos que palmilharam trilhos e bolanhas, peço a publicação do texto anexo, cuja objectividade e clareza parece indiscutível.

Para ti e para o Pessoal, vai um abraço tabancal.
José Dinis


Regresso hoje à lida do blogue, após três semanas de avaria no disco do computador, e consequente perda de fotos e textos ali arquivados. Alguma coisa hei-de recuperar.
Com natural curiosidade dei uma vista de olhos nas mais recentes informações a que tive acesso e, de momento, destaco o P6687, publicado em 7 de Julho, da autoria do Sr. Coronel Morais da Silva (imagino que ainda não é atabancado), que, a propósito de não entender a querela QP-Milicianos, refere parte de um comentário meu a uma anterior intervenção sua neste blogue, num contexto que não me parece esclarecedor, pois os números apresentados são de carácter meramente induzido.

Refiro-me ao P6621, e parte do meu comentário está transcrito a vermelho, e termina com uma pergunta relativa aos capitães do QP comandantes de companhias de combate: onde é que eles estiveram nesse período? (1972/74).

Refere o Sr. Coronel em resposta:

"Onde é que eles estiveram nesse período?" "Não estavam porque, simplesmente, o que não existe não pode estar em lugar algum".

Assim, ressalta à vista uma primeira perplexidade: a redundância da não existência de capitães. Acho que a afirmação não corresponde à vontade do autor, que terá sido apanhado em distração.

Antes desta conclusão, porém, apresentou-nos números do seu estudo, comparativos do número de capitães em stock, e de companhias de combate.

Socorro-me do estudo que, a páginas 21, exara que em 1970, nos 3 TO, foram registados no comando de companhias de combate, 662 capitães (374 do QP e 248 Milicianos); que em 1972 foram registados 595 capitães (276 do QP e 319 Milicianos); que em 1974 foram registados 549 capitães (118 do QP e 431 Milicianos).

Nos termos do estudo que o P6687 reflecte, tendo em conta que o stock em 1970 era de 1100 capitães para 475 companhias, sendo que 852 eram do QP, constata-se que nesse Quadro havia, grosso modo, dois capitães do QP por companhia, o que permitia estabelecer algum período de serviço na metrópole, entre comissões, e garantir alguma reserva, e o processo de instrução adequado às particularidades da guerra. Na ordem natural das coisas, eram comandantes de companhias de combate, deviam preocupar-se com a preparação dos combatentes.

Em 1974, porém, apenas se referem 580 capitães no stock, para 477 companhias de combate, sendo que apenas 149 seriam do QP (dados do Sr. Coronel).

Registe-se, então, que:

Em 1970 havia no stock de capitães comandantes de companhias de combate (cfr. o estudo), 852 capitães do QP, enquanto em 1974 apenas constam 149 capitães do QP naquelas condições. Face à discrepância, será bom apurarmos se se trata de eventual erro ou omissão na apresentação dos números relativos à redução de 852 para 149 capitães do QP, ou se a diferença resulta de promoções, passagens à reforma, mudança de funções, ou outras causas, por exemplo, a dispersão dos capitães em actividades não militares, sem a correspondente compensação.

Em 1973, porém, já os números reflectem a ausência dos capitães do QP no comando de companhias de combate, conforme o estudo, a páginas 28, que refere o stock de 779 capitães, dos quais só 177 são do QP. Estamos, pelo menos, perante uma flagrante má gestão do pessoal, e não sabemos para onde foram os capitães que contutuem a diferença de 1100 em 1970, para 779 em 1973.

Recordo a citação que fiz de uma intervenção do Sr. General Soares Carneiro: "Em 1974, a situação era extremamente preocupante: nas fases de instrução básica e especial, todos os quadros eram, na prática, só oficiais e sargentos milicianos". Quer dizer, no agudizar da guerra não se aproveitaram os oficiais com experiência de combate para melhorar a qualidade da instrução, enquanto a guerrilha, pela experiência acumulada, revelava-se cada vez mais imaginativa e agressiva, para além da aptidão evidenciada na utilização de novos recursos.

Não me move, nem alimento, qualquer querela QP-Milicianos, mas as circunstâncias em que se combateu em África, apontam para muitos erros, negligências, e comportamentos reprováveis, imputáveis a elementos do QP, pelo que a questão de saber sobre essa ausência de oficias seria esclarecedora (também havia os que, estando lá, mais valia não tivessem estado) para compreensão do rendimento militar das companhias de combate. O Sr. Coronel não me responde cabalmente, e, obviamente, não posso concluir que "todos e cada um fizeram o melhor que puderam sem nada pedir em troca", nem subscrever o anátema relativamente à "minoria que... se afastou...", na medida em que não devemos ser juízes de causas desconhecidas e, certamente, terá havido diferentes motivos para essas decisões.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6589: História da CCAÇ 2679 (37): Como se pode ser vítima da sua própria armadilha (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6728: Controvérsias (94): Puros e Espúrios (Mário Gualter Rodrigues Pinto)

3 comentários:

Anónimo disse...

Agradeço a José Manuel Dinis o debruçar-se sobre o meu estudo e a um amigo o ter-me avisado sobre esta intervenção.
Procurarei ser breve como este espaço impõe.
Começo por esclarecer que denominei "stock de capitães QP" o total que figura, em cada ano, na Lista de Antiguidades (LA) referida a 1 de Janeiro.

Neste stock existem 5 "variáveis":
- os que regressaram à Metrópole e garantem o serviço de guarnição nas unidades, estabelecimentos e órgãos ;
- os hospitalizados ou em tratamento
- os mobilizados em fase de aprontamento das subunidades (mínimo de 6 meses);
- os que estão nos 3 TO em companhias de combate;
- os que estão mobilizados em Cabo Verde, S.Tomé,Macau, Timor ou nos 3 TO nas áreas de Comando, Logística, Instrução( exemplo: CIC Angola), Apoio de Combate (Baterias de Artilharia de Campanha por exemplo).
Infelizmente só tenho dados para uma destas 5 variáveis.

Em 1970 havia no stock 1100 capitães QP e, destes, 34% comandavam comp. de combate(CC)(chamo a atenção que no seu post apresenta um número de 852 QP em 1970 que julgo ser gralha dado não figurar no estudo e não conseguir detectar a sua origem).
Em 1974 o stock só tem 580 capitães e destes 20% estão em companhias de combate.
Chegados aqui temos a sua pergunta: Onde estão os outros? A resposta é: NÃO EXISTEM como mostra a LA de 1974.
Mas para onde foram? Também aqui a resposta é: a maior parte foi promovida a major e o restante morreu, ou está nos hospitais, ou passou à reserva ou à reforma.
Uma coisa é certa : não foi possível manter em 1973 e 1974 o nível de empenhamento anterior por não haver renovaçao de efectivos (os números do estudo são claros; veja as dificuldades da gestão do pessoal quando não apresenta novos capitães em 1971 e 1972...).
Quanto à querela QP-Milicianos,que diz não alimentar, esclareço que me refiro à que é agitada pelos espíritos binários: os tipos do QP são uns coiros, andaram sempre no ar condicionado, uns são puros e os outros espúrios etc. etc. A isto chamo "pequenez" de espírito.Para esta "missa" não dou tostão porque aprecio demasiado o arco-íris.

Houve uma minoria (QP e Miliciana) que por artes e manhas não cumpriu o seu dever (desertou, "adoeceu", "foi ver o padrinho" etc). Aqui, com benevolência, aplico o termo "egoismo".
Não excomunguei ninguém, antes disse que a maioria cumpriu o seu dever e os que não o fizeram podem ficar em paz no seu ninho de "pequenez" e "egoismo".

Quanto à melhoria da qualidade da instrução recorrendo aos veteranos, a exemplo do que foi feito nas tropas especiais, dir-lhe-ei apenas que, com os efectivos existentes do QP tal não seria possível sem redução drástica no comando de companhias de combate... Contudo poder-se-ia ter reduzido o tempo de comisão dos alferes e sargentos milicianos aplicando-os na instrução após o regresso ( a exemplo do que se fez nos Comandos e nos Páras)...Seria possível? Com que extensão?
O problema da qualidade da instrução continuará a ser debatido mas, sem números, ficaremos sempre sem saber qual seria a solução óptima para a gestão do pessoal (é interessante ver o que os EUA fizeram durante a guerra do Vietname).
Já vai longo o comentário, mas terei muito gosto em manter o contacto directo consigo, se o desejar, para esclarecer/discutir este assunto.

O meu mail é antoniocmsilva@netcabo.pt
Cumprimentos

Morais Silva

Anónimo disse...

Senhor Coronel
Muito obrigado pela sua resposta pronta.
Quanto ao número que referi de 852 capitães QP, tomei a universalidade do stock, 1100 capitães, de que se destacam duas espécies: 852 do QP, e 248 do QC.
Parece-me correcto.
Sobre as variáveis agora informadas, não me parece relevante lidar com esses grupos, salvo se decisivamente huvesse um substancial número de capitães naquelas condições, o que baralharia qualquer conclusão.
Se me permite, a crítica que faço ao seu estudo, é que, tratando-se de uma ferramenta, não desenvolveu pesquisas ulteriores, como por exemplo, a influência comparativa de comportamentos em campanha; o eventual desgaste dos capitâes do QP pela longa duração da guerra; os resultados na condução das operações; o seu contributo para o termo da guerra; as reformas introduzidas ou a introduzir na instrução; o regime de selecção; algumas vertentes contempladas pelo Manuel Rebocho, que dinamizou os números a que teve acesso, e chegou a diferentes conclusões que, em abono da verdade, nem me parecem atentatórias dos militares do QP. Futebolizando, é como endeusar um jogador de uma equipa e diabolisar outro. Em todas as profissões convive-se com essas diferenças, que devem ser estudadas e harmonizadas, para prodigalizar os resultados.
Por último, apesar de ter tido muito más experiências com oficiais do QP, um tal Drácula, medricas, que governava em Piche como um ditador tonto; e os dois capitães da minha companhia, um evacuado aos 3 meses com doença de que não tivémos notícia; o outro que durante a comissão foi deplorável, refiro que me repugnam os espíritos "binários" nos termos que refere, sobretudo, se persistirem cegamente depois de apresentadas outras abordagens para apreciação.
JD

Anónimo disse...

Meu caro José Manuel Dinis
Bem gostaria de ter resposta nas vertentes que desejava ver tratadas.
Razões de circunstância "empurraram-me" para este estudo que, apesar de parcelar, apresenta números tratados que poderão ser úteis a estudos futuros.
Nada mais espere de mim porque o meu "negócio" é a programação matemática que ensino aos meus alunos e disponibilizo no meu site em www.moraissilva.com.

Já despendi muito mais tempo do que era expectável pelo que só desejo não ter que pensar mais no assunto.
Quanto à tese de Manuel Rebocho discordo de si. Sou QP, e na tese sou desvalorizado, sem fundamento válido, no que fui e passei no comando e instrução de tropas. Não gostei e refutei as acusações recorrendo à minha arma: os números.
Coleccioná-los foi demorado e trabalhoso, fazer software para tratar os dados custou muitas horas mas valeu a pena.
Lamento a sua má experiência com os comandantes QP de que foi subordinado. Pelo menos V. pode apresentar-se como exemplo vivo da lei de Murphy...
Cumprimentos
Morais Silva