quarta-feira, 16 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6604: Agenda Cultural (81): Kola San Jon, na Cova da Moura, a 10ª Ilha de Cabo Verde, na Buraca, Amadora, 19 de Junho de 2010: Manga di sabi... (Luís Graça)







Anúncio da festa do "Kola San Jon", sábado, dia 19 de Junho de 2010, no bairro da Cova da Moura, freguesia da Buraca, Concelho da Amadora...  Fonte: Sítio Cova da Moura (com a devida vénia...)


O que o Kola San Jon ? Um surpreendente festim cultural, onde se misturam sons, sabores, ritmos, música, dança, ronco, comida, erotismo, corpos, ritos de fertilidade, história, memória, Portugal, África... O profano e o sagrado...

Segundo a Associação Cultural Moínho da Juventude (criada no princípio dos anos 80, e que é a entidade promotora do evento), "o Kola San Jon é um cruzar de culturas dos escravos africanos e dos portugueses que colonizaram as ilhas, como se pode testemunhar no cortejo, pela presença dos barcos que simbolizam as caravelas portuguesas e os barcos de pirataria que assolavam as ilhas, pelos 'rosários', pelo ritmo frenético dos tambores, pela dança erótica, pelas oferendas.

"O cortejo é uma demonstração da criatividade e do 'Djunta Mon' (juntar as mãos) desta comunidade que manteve viva esta valiosa expressão cultural, que transpôs fronteiras e que hoje é uma festa de todos nós".




No final do dia, às 21h00 será projectado o filme "Ilha da Cova da Moura", de Rui Simões.  Infelizmente, não poderei estar presente neste evento. Estarei fora de Lisboa. Mas convido os amigos e camaradas da Guiné a dar um salto à Cova da Moura, um bairro de 18 hectares, às portas de Lisboa, onde vivem cerca de 6 mil pessoas, na sua grande maioria, portugueses, de ascendência caboverdiana... Costuma-se dizer que é a 10ª maior ilha do arquipélago de Cabo Verde. Infelizmente, ainda vítima de alguma discriminação e estigmatização. Há tamnbém um pequena comunidade, islamizadam, de guineenses, a par de brancos retornados de África, europeus de leste e outras minorias...

O documentário de Rui Simões (Ilha da Cova da Moura, Portugal, 2008, 108') está em exibição no CinemaCity Alegro Alfragide, sito no Centro Comercial  Alegro Alfragide; aceita marcações: Telef.  214221030. Sessão  na sala Cinemax, às 19h25. A não perder.

Sobre o filme, diz o Público (Cine Cartaz): "Realizado e produzido pelo documentarista Rui Simões ("Deus Pátria Autoridade", "Bom Povo Português", "Ensaio Sobre o Teatro", "Ruas da Amargura"), um filme sobre o bairro da Cova da Moura, localizado na periferia de Lisboa. Nele se tenta encontrar, não tanto a violência e insegurança tantas vezes conotada ao lugar, mas antes as razões de as coisas serem como são. Analisando o dia-a-dia dos seus moradores, o realizador tenta, assim, estudar a cultura cabo-verdiana nas suas diversas manifestações, tantas vezes em confronto com a cultura portuguesa, e a forma como a exclusão social é perpetuada de geração em geração".

Já vi o filme duas vezes, a primeira no IndieLisboa'10 (onde estreeou)... No meu bloco de notas, fui rabiscando algumas palavras-chave ou descritores para um futuro texto de leitura crítica:

O amanhecer, a cidade grande, o vermelho do céu, a fome de terra, um homem e uma mulher transportando cachos de bananas e milho, de repente uma nesga de África na Grande Lisboa,  um jovem mediador intercultural (sic) mostrando o bairro, "São todos bem-vindos. na Cova da Moura só não entra quem não quer", Restaurante Coqueiro, Moínho da Juventude, "coração do bairro", empregadas domésticas, "Ir abaixo o bairro ? Faz muita confusão", amor ao bairro, medo de melhorar (de fazer obras), "mapa mental" do carteiro (correio), emaranhado de ruas e ruelas, casas sem nº de polícia,  vendedeiras de peixe na Ribeira, 2h da madrugada/13h da tarde, comboio, crianças na rua,  papel social e cultural do Moínho,  cozinham todos dias mais de 400 refeições, o ciclo da violência, história de uma família  ("quem com ferro mata com ferro morre"), retornados de Angola, retornados mais caboverdianos, brancos, cultura própria, mix, estigmatização, "Cova da Moura tem má fama, mas eu não troco a minha casa por um andar",  "pais de rapariga branca não aceitam genro de cor", "filho de macaco" (sic), "mãe já aceita, pai não", "bandido, marginal, preto" (sic), estereótipos, racismo, arbitariedade da polícia,  falta de maturidade e de competências técnicas à PSP,  "reis da Cova da Moura",  bodas de prata, igreja da Buraca, rua como espaço público (onde se cozinha, dança, namora, come, se faz o choro...), terrenos da Santa Casa da Misericórdia da Amadora,  história do bairro, origens, conflito inicial com ciganos,  malandros, convívio, festa, manhã, autocarro, limpeza de escritórios, pequenos almoços e almoços para as crianças e as amas do bairro (4 crianças por ama),  creche familiar,  trabalham para o Moínho, histórias de vida, papi embarcadiço, vida de mulher caboverdiana ("sabe como é, é preciso ter sorte com o marido, o meu é trabalhador"), operadora de caixa no Modelo, "não conheço vizinhos no meu prédio, na Cova da Moura tinha tudo",   entreajuda, solidariedde, relações de vizinhança, pequena empresária, caboverdiana, mora nas Mercês, emprega 16/17 mulheres, capitalista, "gosto de ajudar os meus",  mercearia, arroz perfumado, guineense, muçulmano, mesquita, pequena comunidade, orações,  jovens, "um dia irá mudar", "bófias, tou farto deles" (sic),  grogue,  droga, socialização, "mulher aqui não é problema, problema é união", melhores condições, Moinho da Juventude, a história do casal holandês que são figuras tutelares do bairro,   biblioteca, grupo Batuque,  grupo Kola San Jon, a cultura como identidade, o crioulo, energia, pilar o milho, fritar o milho, rua, velório, choro, enterro,  festa Kola San Jon, Kola de coladeira, happening, orgia de cor, som, corpos, de repente o fado batido em Lisboa por volta de 1830/40 (e proibido por indecente!), 18 hectares, 1617 habitações, 6 mil habitantes, sobretudo caboverdianos, mais de 45% com menos de 20 anos... "Às vezes mandam-me para a minha terra... Ora eu nasci em Portugal... Como diz meu pai, Português preto, isso não existe" (jovem mulher, líder local, a força telúrica africana,  5 estrelas)...

Um documentário "soft", "cool", "politicamente correcto", "romântico ma non troppo" , "etnográfico", "voyeurista" ?... Há um brilhozinho nos olhos do Rui Simões, um "homem de causas",  quando fala da sua "ilha"... Há um brilhozinho nos olhos dos moradores locais agora promovidos a estrelas de cinema... Eu achei lindo... E agora, juventude ? O que vamos fazer com esta "forcinha" ? Já em 2005, as fotos da fotojornalista Susan Meiselas deram uma forcinha...

"De repente, Portugal dera de novo a volta ao mundo. O arrastão de Carcavelos em 2005 , fora notícia, à falta de Tsunami, vulcão, terramoto, atentado terrorista ou castigo divino. Há males que vêm por bem, dirão uns. As fotos da Susan Meiselas, da Agência Magnum, penduradas nas janelas, nas varandas e nos estendais da roupa do gueto da Cova da Moura, acabaram por dar-lhe uma outra dimensão mediática e contribuir para a melhoria da sua imagem e da auto-estima dos seus habitantes, náufragos do império, filhos de um deus menor" (*).

Outro tanto fez (ou está a fazer, em 2010) o filme do Rui Simões (produção  Real Ficção). Acredito na força da imagem e da palavra: podem ajudar a mudar o mundo, pelo menos a nossa casa e o que a rodeia...

___________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. I Série do nosso blogue, poste de 24 Julho 2005 > Socio(b)logia - XVII: Espelho Meu... ou os portugas vistos pelos fotógrafos da Magnum (Luís Graça)

(...) 1. Um país tão pequeno e tão periférico (em relação ao centro do mundo, da notícia, do acontecimento, da história, da geopolítica, da economia global, em suma, tão longe da objectiva do fotógrafo) que cabe em mil negativos do arquivo de uma das mais célebres agências de fotojornalismo do mundo: a Magnum Photos, criada em 1947 por Henri Cartier-Bresson, Robert Capa e demais cooperantes.

Havia registos de 1955, da década de 60, do 25 de Abril de 1974, do PREC… Depois disso, os fotógrafos foram assobiar para outro lado. Que o mundo é vasto e fotogénico, mesmo quando feio, horrível, mau, sujo e perigoso.

Portugal e os portugas deixaram definitivamente de estar na moda quando a festa acabou. Os ratos abandonaram o navio. Na ressaca da festa, pá, ficaram os bêbados, os loucos, os marginais, os místicos, os poetas, os retornados, os deficientes das forças armadas, os cacimbados da guerra, os ex-soldados africanos ao nosso serviço, os desempregados da reforma agrária, os cães que ladram à lua, as mulheres de preto, os eternos perdedores…

Trinta anos depois era preciso bater umas chapas para fazer o upgrade do arquivo. Vieram a Susan Meiselas, o Miguel Rio Branco, o Joseph Koudelka. Com as suas credenciais da praxe, as suas obsessões de estimação, o seu portfólio, o seu prestígio, os seus mitos, os seus medos, a sua vaidade, o seu génio, o seu código de ética e deontologia profissionais.

2. “Não era de surpreender a desconfiança com que os meus passos eram seguidos enquanto percorria as ruas da Cova da Moura, mas na Cova são propriedade privada. Cada esquina tem uma personalidade distinta” (Susan Meiselas).

A exposição, no CCB, começa nos Nos Kasa, a 10ª ilha de Cabo Verde, com seis a sete mil habitantes, incluindo gente oriunda de Angola e de S. Tomé e Príncipe, parte dela imigrantes ilegais. Com um fabuloso som de fundo: o coro das mulheres da Cova da Moura. Meiselas teve vontade de lá ir porque ouviu a notícia do arrastão na BBC ou noutra estação global qualquer.

De repente, Portugal dera de novo a volta ao mundo. O arrastão de Carcavelos foi notícia, à falta de Tsunami, vulcão, terramoto, atentado terrorista ou castigo divino. Há males que vêm por bem, dirão uns. As fotos da Meiselas, penduradas nas janelas, nas varandas e nos estendais da roupa do gueto da Cova da Moura, acabaram por dar-lhe uma outra dimensão mediática e contribuir para a melhoria da sua imagem e da auto-estima dos seus habitantes, náufragos do império, filhos de um deus menor.

Os jovens do bairro (e as suas associações, como a Associação Cultural Moínho da Juventude) perceberam que a fotografia pode ser uma arma. Que uma foto de Meiselas (e da Magnum) vale mais do que uma presidência aberta ou o estafado discurso de um presidente da câmara. As associações locais comentam que a notícia (da participação de jovens desta comunidade, local no já famoso arrastão de Carcavelos) foi um exagero, mas que acabou por ter um efeito positivo na sócio-economia da ilha.
Por 5 euros, os estrangeiros passaram a poder entrar, sem passaporte, na Cova da Moura, com direito a visita guiada e guarda-costas. Por mais 7 euros e meio, o turista podia inclusive provar os sabores da gastronomia local, a melhor cachupa da diáspora crioula. O período de tréguas, boa vontade e estado de graça acabou no dia 17 de Julho, mas a exposição do CCB continua aberta até final de Agosto.

Entretanto, a polícia vem agora dizer, pelo seu serviço de relações públicas, que afinal o arrastão [de Carcavelos] nunca existiu: fora uma figura de retórica. País de inventonas, de polícias que gostam de fazer notícia e de jornalistas que dão demasiado crédito aos polícias. País de minorias que a maioria nega, escamoteia, ignora. Todos iguais, mas uns mais do que outros. (...)

2 comentários:

Anónimo disse...

Luis

Batuque,festa, cachupa, San Jon, todo sabi, prôtche caberdeana sabi demás!...

e um abraço
Alerto Branquinho

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Deixei no sítio da Cova Moura a seguinte mensagem: (http://www.covadamoura.pt/)




Vamos publicitar a festa do dia 19 de Junho de 2010. Vamos também voltar a falar do filme do Rui Simões, "A Ilha da Cova da Moura"...

Parabéns pelo vosso blogue. Bom sucesso na luta contra a discriminação e a estigmatização dos portugueses, com base na cor da pele, no nascimento, na origem, na etnia ou em qualquer factor distintivo...

Luís Graça