segunda-feira, 7 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6555: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (33): Diário da ida à Guiné - 15/03/2010 - Dia doze

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2010:

Caro Carlos:
Aí está o relato da minha segunda ida a Bafata e última, por agora. Tanta coisa ficou por rever. Penso tornar à Guiné e dessa vez montarei arraiais mesmo em Bafata, pois verifiquei haver lá condições para isso.

Um abraço.
Fernando Gouveia



A GUERRA VISTA DE BAFATÁ - 33

Diário da Ida à Guiné – Dia Doze (15- 03-2010)


Fui novamente a Bafatá. Da vez anterior tinha sido um êxito, pois tinha encontrado a bajuda Kadidja de há quarenta anos. Desta vez, pelo menos em número de reencontros, foi mais espectacular.

Fui ao antigo quartel do Comando de Agrupamento que ainda funciona como quartel. Tive que ir pedir autorização ao comandante (um Major) que morava na antiga casa do comandante do Esquadrão. Quer ele quer os outros militares foram extremamente simpáticos, deixaram-me percorrer todas as instalações e tirar as fotos que quisesse. Claro que estive no meu antigo quarto e sentei-me na que pode ter sido a minha cama. Os edifícios, pelo exterior, tinham sido pintados recentemente, mas pelo interior não. Num pequeno quarto que ocupei nos dois últimos meses da minha comissão e que eu tinha forrado integralmente com recortes de revistas, ainda se conseguiam ver restos da cola que tinha utilizado. Não pode deixar de ter sido emocionante.

O pavilhão dos quartos dos oficiais. A partir do fundo: Quarto do Comandante, quarto do Chefe do Estado Maior, quarto dos dois Majores, quarto dos três Alferes, quartinho que ocupei dois meses; a porta mais próxima era a do bar.

No meu antigo quarto, o que pode ter sido a minha cama. O colchão de espuma é que não podia durar os quarenta anos!!!

Fui à casa onde morei cerca de um ano, na tabanca da Rocha, em frente ao restaurante do Sr. Teófilo. Nunca mais foi pintada. Há quarenta anos o proprietário era o Sr. Humberto, agora pertence ao empreendimento do Capé e funciona lá uma qualquer empresa. Está muito degradada, assim como todas as imediações, até porque é em frente que agora se faz diariamente o mercado de rua. Mais uma vez, as pessoas que lá estavam foram uma simpatia e deixaram-me visitá-la. Sentei-me na varanda onde muitas vezes estive há quarenta anos.

1970 - A minha casa (pintada de verde) e o restaurante do Sr. Teófilo (junto da camioneta vermelha)

A actual zona da casa onde morei. Foram retirados os muros para alargamento da estrada. O quintal desapareceu e os mangueiros que lá existiam a ensombrar a casa foram cortados. O mercado de rua acaba por transfigurar todo o local de há quarenta anos.

Que me lembre nunca tinha entrado na Mesquita. Resolvi ir lá. Contrariamente ao que eu achava ser costume, encontrava-se fechada. Entabulei então uma conversa com dois homens que estavam sentados à sombra. Vim a saber que um deles tinha sido o mestre construtor da mesma, de nome Bacari Dabo. Referiu ainda que aprendeu a arte com o empreiteiro português Manuel Santos Nabais.

Perguntando se não podia ver a mesquita por dentro, disseram-me que quem tinha a chave era o Mamadu que morava logo ali nesse largo. Para lá me dirigi. O referido Mamadu estava a descansar na varanda e palavra puxa palavra, não era mais do que o Mamadu Kulabio Bá, soldado condutor do Agrupamento. Relembrámos todo o pessoal daquele tempo e foi pena não ter levado para lhe deixar, as fotos que tinha dele, do pai, da sua mulher e de um filho. Disse-me que era o actual Imami (chefe religioso) de Bafata e que tinha sucedido ao seu pai, Cherno Udi Bá que eu tinha conhecido muito bem e do qual tenho uma óptima foto. Ainda me levou a ver o seu filho que era professor na madrassa local. Possivelmente irá suceder como Imami ao seu pai, que já sucedeu ao seu avô.

O Imami de há quarenta anos, Cherno Udi Bá.

Com o actual Imami de Bafata, Mamadu Kulabio Bá

O filho do actual Imami, professor na Madrassa, e a sua classe.

Como tinha sido ali perto que, há quarenta anos, tinha tirado uma foto a uma jovem mãe com a sua filhinha de dois ou três meses, perguntei ao Mamadu se a conhecia. Mal a viu disse: - É a Bobo. Mora ali adiante, se quiser podemos ir lá. Num instante lá chegámos. À porta estava a Bobo que logo reconheci pois, de todas as africanas que vi, era a única com nariz arrebitado. Ao mostrar-lhe a foto imediatamente exclamou: - Ah, é a minha Maria. Fez questão que entrássemos para sua casa e conversámos algum tempo. A Maria não esteve presente pois encontrava-se a trabalhar no empreendimento do Capé, onde também a Bobo trabalha.

A Bobo e a sua filha Maria, há quarenta anos.

Com a Bobo em Março de 2010.

Antes de almoço ainda fomos ao Hospital entregar medicamentos que tinham ido num contentor. Almoçámos no restaurante da vez anterior, umas óptimas bentanas grandes, grelhadas, e depois ainda fui visitar vários locais. Mas ainda sobraram motivos para uma terceira visita…

Na entrega de medicamentos no Hospital de Bafata.

Não deixei de fazer uma reportagem fotográfica sobre o degradado edifício do cinema, a pedido de um jovem amigo cineasta. Estive com o antigo operador da máquina de cinema, o mandinga Kanjajá que, não recebendo nada, há cinco ou seis anos, continua a tomar conta das instalações. De seguida regressámos a Bula.

Junto à sede do PAIG (no antigo edifício do comando do Batalhão) com o vice presidente da Assembleia Geral do Sporting Clube de Bafata (de verde) e o mandinga Kanjajá, antigo operador da máquina de cinema, a observar com espanto o meu cartão de sócio de há quarenta anos.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6525: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (32): Diário da ida à Guiné - 14/03/2010 - Dia onze

3 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Fernando

O teu relato continua e, pelos vistos, motivos para alimentar as tuas emoções não faltaram.
E é curioso como pudeste encontrar ainda bastante gente que conhecias e também não é de menos registar as aberturas (simpatias) que conseguiste captar.
Continua.
Abraço
Hélder S.

Manuel Joaquim disse...

Caro Fernando Gouveia

Os meus parabéns pela "reportagem",muito bela, com a beleza das coisas simples que brotam duma alma impregnada de humanismo.

Um abraço

Anónimo disse...

Fernando:

Que espanto! O teu amor àquela terra, às suas gentes... A tua memória fotográfica... O cuidado que com que planeaste a tua viagem de regresso a Bafatá...

Gostei de rever, mesmo de longe, o antigo restaurante do sr. Teófilo, último ponto de paragem (e de "reabastecimento") do pessoal de Bambadinca...

Contrariamente à minha breve e decepcionante passagem por Bambadinca, em 3 de Março de 2008, tiveste a felicidade de rever as tuas instalações, o teu quarto... E foram simpatiquíssimos os militares.. Como estes estão correctamente fardados e que contraste com os de Bambadinca há dois anos atrás!

E depois, essa história do rapaz que toma conta das antigas instalações do cinema, por sua conta e risco, há uma série de anos, sem receber um tusto de ninguém, é outro espanto!

Está na altura de pensares em publicar um livro sobre Bafatá, de ontem e de hoje...

Visitaste a casa onde nasceu Amílcar Cabral ? Há um projecto de reabilitação e criação de uma biblioteca-museu... Falaremos disso em breve...

Até Monte Real, dia 26!

Luís Graça