sábado, 8 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6346: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (16): Milícias

Mais uma Estória de Mansambo, série do nosso camarada Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 16

MILÍCIAS


Torcato Mendonça acompanhado de Milícias

Um corte de cabelo com acabmento à navalha

Torcato Mendonça e o Sargento Milícia Mádia Baldé, um companheiro de jornada

O mandinga Seco, picador do Xime

Sem entrar em análises mas, num País devastado pela guerra, com agricultura praticamente sem expressão, as pescas reduzidas ao mínimo, com a economia paralisada, excepto a que era dirigida à “tropa” e esta na mão de comerciantes especiais, onde poderia a juventude, principalmente a que vivia fora de Bissau e de duas ou três pequenas cidades, encontrar meios de subsistência? O que fazer para ganhar algum dinheiro? Restava ajudar ou servir a tropa a troco de ordenados mínimos, ou ir para o PAIGC.

Claro que podem ser apresentadas outras razões. Podem. Mas paremos e relatemos só, o que eram as Milícias, os “picadores” e outros auxiliares das NT.

Mesmo antes da chegada do General Spínola à Guiné havia, Companhias, Pelotões de Caçadores Nativos e de Milícias. Focamos este aspecto porque, por vezes, parece só terem havido guineenses nas NT a partir da sua vinda. As ditas “tropas nativas” existiam à séculos. Era parte integrante da colonização.

Depois da sua chegada, meados de 68, houve, efectivamente, um incremento da participação de guineenses na guerra. Foram dadas melhores condições devido à insuficiência de militares metropolitanos e à politica – por uma Guiné melhor – criaram-se mais Companhias e Pelotões de africanos, enquadrados por metropolitanos. Posteriormente, só com africanos, apareceram os Comandos Africanos e os Fuzileiros, segundo creio.

As milícias, reunidas em pelotões, não tendo militares metropolitanos, só africanos e, geralmente, cada pelotão tinha só homens da mesma etnia. Continuaram no seu trabalho habitual: defesa das tabancas e ajudar a tropa no mato em operações, picagem de estradas e trilhos, guias e outras.

Os grupos de milícias eram geralmente da mesma etnia, como já dissemos. Nas operações os carregadores pertenciam também do mesmo grupo étnico. Curiosamente na operação Lança Afiada tivemos, com grande desgosto e protesto das milícias fulas, carregadores balantas e com óptimos resultados. Sempre a fazer vida aparte mas, devido à sua robustez, conhecimento do mato e mesmo, porque não, por auxiliarem o IN, foram importantes no transporte de material e não só. No final foram recompensados. Sobre a sua ajuda ou não ao IN constatamos uma tomada de posição que nos levou a acreditar nisso. Logo ao segundo dia caímos em forte emboscada. O meu Grupo teve quatro feridos, alguns com alguma gravidade. Pois os balantas rapidamente se dirigiram para junto das diversas armas pesadas, conforme a carga que transportavam. Ajudavam ainda na localização do IN. Ninguém lhes disse ou pediu nada. Ora como ninguém nasce ensinado… depreende-se que… faziam aquele “trabalho”, não para nós mas para outros.

Dependente de Mansambo, estava na Tabanca de Moricanhe o Pel Mil 145. Armados com G3, tinham ainda algumas Mauser, além de granadas e posteriormente dilagramas. Saíram de Moricanhe para Amedalai (Xime), quando da ofensiva do IN em Junho/Julho de 1969.

Foram preciosos auxiliares das NT. Aprendi muito com estes homens, pois tinham, além do conhecimento do mato, a experiência de alguns anos de guerra. Sempre da parte deles senti amizade e colaboração. Confiava neles. Tanto assim que o meu bornal era transportado, não por um milícia do 145, mas um “picador” de Mansambo, podendo, se fosse caso disso ser transportado por um da milícia. O bornal levava dilagramas e respectivos carregadores (a introdução de uma bala real era o meu fim), material, simples, de sapador, mapas, bússola e diversos apetrechos. Só gente de confiança lhe tocava. Claro que o Serra, o eterno guarda-costas, estava sempre presente. Mas eram, picadores ou milícias que o transportava. Só recordar dois casos, que atestam a dedicação destes homens. A saudade que ainda hoje sinto aumenta a revolta, quando tive conhecimento do que aconteceu a alguns. A diferença entre picadores e milícias era mínima. O fuzilamento cobarde de alguns deve ter sido igual…

Na operação Lança Afiada fui evacuado. Nas duas ou três horas antes da partida fui auxiliado pelos homens do 145. Claro que tinha os homens do meu grupo mas eles fizeram questão de me ajudar. Em Galomaro (COP 7), fui destacado para Nova Camsamba. Passados dias tive um forte ataque de paludismo e o Furriel Rei avisou a base. O Capitão Jerónimo apareceu lá e tive que vir com ele. Fiquei num barracão aos cuidados de um médico. Só que junto de mim estava sempre um de dois milícias ou picadores que tinham vindo comigo. Mudavam o colchão, davam-me água e no delírio da febre afastam alguma “visita”. Alfero tu diz manga de chatice… talvez os Camaradas da 2405 se lembrem dessa enfermaria. Quando a febre se foi… toca a ir ter com a malta à Tabanca de Nova Camsamba… tinha sido, talvez o quinto ataque de paludismo.

Havia no entanto um cuidado a ter: a disciplina de fogo. Ou seja, tinham o dedo do gatilho “pesado” e o gasto de munições era grande. Com um pouco de treino, uma conversa, verem a nossa actuação em resposta ou em ataque servia de exemplo.

Recordo ainda hoje, o nome de muitos. Outros esqueci ou tenho receio de trocar os nomes. Mas realço o Alferes Uro Baldé, falecido, vítima de mina A/P, quando perseguia o IN depois do rapto do Soldado Monteiro. O Sargento que depois de ferido persegue o IN pois tinham-lhe raptado um homem. Tinham caído numa emboscada, a 2 de Abril de 69. Cerca de dez homens passam sobre uma mina anti – carro accionada à distância, dois são mortos e projectados em pedaços para a copa das árvores, dois ou três ficam ligeiramente feridos e sem reacção. Os outros reagem forte, sofrem mais um ferido grave (sargento) e um é raptado. O IN, retira devido a uma coluna estar perto e a emboscada ser para ela – Grupo da CCAÇ 2405 – e a sentirem a ajuda de Mansambo. O Sargento persegue-os mas esgotado volta para Mansambo. O prisioneiro, Cabo Lamine, consegue fugir, perde-se e, só três ou quatro dias depois entra no quartel. Dá-nos boas informações. Mas o melhor, o que interessa realçar é a coragem, a determinação destes combatentes e o exemplo por eles dado. Não recordo o nome do Sargento, não era o Mádia esse matava rolas com a G3 com a alça nos 400 metros. Porquê Mádia? Ká sabe…

Gente boa! Quando passei por Amedalai perto do Xime, já a caminho da LDG para o regresso a Bissau e à metrópole, entreguei os meus galões ao Sargento que ia ser promovido e uma promessa: eu volto… não cumpri porque deixei a vida militar… vidas!

Como te disse, era gente que ia connosco nas muitas “operações” que fizemos. Um “santuário” do IN muito conhecido era o Poidom ou Poidão.

Fomos lá mais que uma vez. Vou contar-te uma.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6333: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2330) (15): Abrigo tipo de Mansambo - A sua construção

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