segunda-feira, 26 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6253: O povo e o município de Moura homenagearam, no passado dia 10, os seus 29 mortos na guerra colonial (Parte II) (Luís Graça / José Brás)








Moura > Largo de São Francisco > 10 de Abril de 2010 > Concentração junto ao monumento aos mortos da guerra colonial, naturais do concelho.  Antes da deposição, por parte da nossa camarada Giselda Pessoa, em nome da Comissão Organizadora (CO),  de um ramo de flores na base do monumento, foram evocados, um a um,  os nomes dos nossos 29 camaradas mortos nas três frentes da guerra colonial (Angola, Guiné e Moçambique), tarefa essa que coube ao  José Mira Infante (ex-Fur Mil, em Angola), da CO.  Respeitou-se depois um minuto de silêncio à memória dos 29 camaradas mortos durante a guerra colonial.



Vídeo (3' 52''): Luís Graça (2010). Alojado no You Tube> Nhabijoes.


1. Mensagem do José Brás:



Data: 21 de abril de 2010 11:28
Assunto: Chorinho é música do Brasil?

OS TEUS OLHOS SÃO MAIS VERDES QUANDO CHORAS (#)


E os meus,  nem sei da cor que são quando choro.
E choro!
Chorei sem vergonha, ainda agora, diante da gente que se juntava à mesa do almoço, em Moura.

Eu explico melhor.

Colóquio de homenagem à memória de quem saiu de Moura para morrer em África, diziam, que em defesa da pátria (*).

Durante a minha intervenção, a custo me contive porque as palavras saltavam sem controlo, directamente do coração para o oxigénio da sala cheia.

Ainda assim, a determinada altura, querendo dizer a palavra décadas, perdi-me em deca...deca...deca, olhei em volta a pedir socorro e alguém na mesa disse décadas.

Escapei. O pânico passou e acabei um discurso de 20 minutos que havia pensado para palavras diferentes.

Almoço alentejano, depois, bom vinho, branco com uns enchidos, uns queijinhos e tal. Tinto também com um bom prato de carne, conversa com os vizinhos da mesa.

Um daqueles grupos corais polifónicos [, o Grupo Coral e Etnográfico do Ateneu Mourense], juntou-se, enlearam braço a braço, cantaram e... esbarrondei-me.

Aquela voz vinha da terra e os cantores eram apenas as colunas do sacro sistema sonoro que consagrava o telúrico.

Pensei! Estes gajos não existem. Quer dizer, a gente que representam, cantando de braço dado, não são eles. Pode até dizer-se que nem existe já tal gente, perdida nos séculos de uma vida dura e firme, de batalhas contra a fome a exploração desumana, de sol-a-sol engravidando a terra do patrão.

Não, porra! Que sufoco era aquele que me chegava do fundo de mim, me esganava subindo até à boca, aos olhos, à cor e à temperatura da pele da face?

Tentei resistir e não pude. Tentei esconder e não pude.
Ao meu lado a companheira do Luís estendeu um guardanapo e disse não te contenhas.

Já não escondia. Os outros,  fingindo que não viam e eu fingindo que não sabia que eles viam.

Parou o cante mas não as lágrimas, teimando no caminho que a força da gravidade lhes impunha.

Largos minutos para que serenasse, num jogo conivente e colectivo de faz de conta que não foi nada.

Recuperado da pancada súbita, não esperei muito. Agarrei minhas coisas e, quase à francesa, levantei o braço direito e disse obrigado até à próxima, pessoal!

José Brás

(#) Título de poema de amiga minha do Norte
__________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 18 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6175: O povo e o município de Moura homenagearam, no passado dia 10, os seus 29 mortos na guerra colonial (Parte I) (Luís Graça / Francisco Godinho)

4 comentários:

Anónimo disse...

Como já algumas vezes por aqui escrevi,há diferencas entre um Escritor e...."escriturários".(E isto sem qualquer desprimor para com este grupo professional.) Como sempre,ao escreveres nao pertences ao grupo dos segundos. Um abraco amigo.

Anónimo disse...

Zé Brás!

Que dizer do teu pequeno, mas infinitamente grande, texto?.
Sómente isto! - Só sentindo, só entendendo, numa palavra, só vivendo estes momentos se pode aquilatar o que sentiste, o que senti, e talvez (culpa minha) não o consegui, não consigo, descrevê-lo como tu.
Mas senti-o como tu!- E seguramente, outros também te-lo-ão sentido.
Obrigado por teres sabido vivê-lo
e passá-lo para a Tabanca.

Francisco Godinho.

Antonio Graça de Abreu disse...

A emoção do Zé Brás vem lá do fundo dos excelentes resquícios da alma.
Portugal,a Pátria que mesmo quando parece que não gostamos dela, nos faz saltar os sentimentos todos, é o desvairo a bulir connosco, as lágrimas amargas a descer pelo rosto.
Trazemos todos uma guerra cá dentro.
A nossa História, a nossa Pátria, as nossas vidas.
Os homens choram. Ainda bem.
Forte abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Gostamos da pátria si, camarada poeta meio chinês e nem por isso menos português do que os 100 por cento.
Gostamos da pátria que se formou na Reconquista e se desenvolveu do galaico-portucalense até à poesia de Fernado Pessoa.
Gostamos da pátria que alargou o mundo e o deu a conhecer; que contribuiu de forma grandiosa para o avanço da civilização e do conhecimento.
Gostamos da pátria dos que se bateram recentemente erm África na convicção de que a defendiam.
Não gostamos da pátria do snto ofício que nos tem atravessado os séculos e nos marca no que somos ainda hoje.
Gostamos, sobretudo, desta pátria que cultivou a suavidade e o abraço
e que chora por si e por outros.
Abraço? Dez!
José Brás