terça-feira, 20 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6197: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (5): Mentes com dúvidas

1. Mensagem de Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de 10 de Abril de 2010:

Caros Editores
Há bastante tempo que nada vos envio. Escritos tendes vós, certamente para dar e vender.
Acontece que hoje voltei a ver, noutra revista, a G3 na mão de militares em preparação. Talvez mais em pose para a fotografia.

Li um post relacionado com o livro, melhor com a apresentação da biografia do Marechal Spínola.
Fiz breve comentário a pedir a correcção da data do falecimento. Falei igualmente no Tenente Coronel Pimentel Bastos. E porquê? Somente porque ambos foram meus comandantes; um de certo modo afastado pois era o ComChefe na Guiné e o outro o Cmdt de um dos Batalhões (2852) a que pertenci. Ambos eram, muitas vezes tratados, sem grande mal por "nom de guerre". Por eu não usar esses nomes ou outros como: tugas, turras etc (em combate e não só chamava pelo In não só de turras mas ofendia as esposas, pais e mães etc aliviando tensões e incentivando outras coisas), não quer dizer que outros não os usem.

Nada escreverei sobre o Marechal; aparece num ou em mais escritos meus e, recentemente em comentário, creio que quando do poste da apresentação da biografia. Não sei bem e só indo ver e não vale a pena.
Certo é que quer com o Marechal Spínola quer com a G3 e não só mais adensam algumas dúvidas que se me apresentam.

Assim sendo envio dois escritos de alguns que por aqui andam.
Agradecia, mais ao Carlos Vinhal, que acusassem a recepção.

Farão deles (dos escritos claro) o que entenderem.

Bom fim de semana e um tri abraço do,
Torcato


AO CORRER DA BOLHA - V

MENTES COM DÚVIDAS


São já muitos e tão diversos os escritos, depoimentos, comentários lidos e relidos na vã tentativa de os compreender e posteriormente analisar, mesmo de forma simplista. Simplista claro e que não me seja pedida uma análise mais profunda ou os deuses de um Olimpo qualquer entravam em polvorosa.

Nesse ler e, mesmo relendo, assaltam-me dúvidas, assaltam-me muitas – ia dizer resmas ou montes – incertezas. Paro e não sei qual a realidade. Será a que eu vivi ali ou lá e senti aquilo? Não, não tenho disso recordação.

Dispo-me, desnudo mesmo a mente, procurando assim limpar o pensamento, a memória de outrora, e só então pergunto a mim: - onde estiveste? Na Guiné não certamente pois nunca por tal passaste. Sinto haver nomes, assuntos, temas, tomadas de posição que não compreendo. Mente fraca ou perturbada a minha. Porque pode ser essa a causa ou talvez não.

Porquê tantos contra a guerra, tantos a não darem tiros, tantos do contra lá, e mesmo agora cá, a enalteceram o feito e o acto dos que outrora contra nós se bateram? Sim, como se disso eles necessitassem e nós algo, de mau ou menos próprio, tivéssemos outrora praticado e a ser, hoje, projectado em vergonha.

Guerra justa, guerra injusta ou só guerra e, se só guerra é sempre o mal, o ódio, o desumano a estar presente. Mas praticado por quem? Por todos, ou não? Haverá, disfarçado claro, algum saudosismo desse passado? Não tanto.

Eu estive lá, levaram-me para lá em viagem só de ida e de possível vinda e vi, senti em somatório de vivências fortes a deixarem marcas indeléveis, recordações a desaparecerem e, sem saber como, a virarem, uma ou outra vez, presente, a serem confirmadas por cicatrizes na carne ou na mente. Procuro transformá-las em memórias que se esfumem. Difícil? Muito mesmo e, pior ainda, o não saber esquecer e perdoar. O passado, de quando em vez aparece assim quase presente, o passado onde a vida por vezes se vivia toda num minuto, naquele breve instante, entre a vida e a morte, ou, porque não, entre o azar e a sorte.

Sorte! Que sorte? A de estar vivo, a de ali me arrastar por picadas de morte, debaixo de sol de fogo, caminhando em quase esgotamento, arrastando-me por automatismos e só levando da vida um sopro. O sopro ou o instante da sorte? Agora leio, e releio a descrição do lugar, do fulano ou o tal combatente da liberdade, que a nós montou a emboscada, aquela onde n camaradas nossos encontraram, por azar ou falta de sorte, a morte.

Leio, releio e ainda hoje sinto o silêncio da morte, o cheiro a vir e a entranhar-se por todos nós, a revolta ainda hoje a ser quase a de ontem.

Leio, releio e já nem certeza tenho. Estarei assim tão só?

Haveria assim tantos que outrora pensavam ser a guerra injusta, serem contra impérios de opressões e estarem lá como usurpadores, continuadores do secular e injustificado ou errado conceito de propagar fé e civilização? Não, não pensavam assim. Só minoria, pequena minoria que se sentia humilhada e ofendida, a crescer é certo á medida que a guerra se prolongava. Mas só hoje, só hoje é maioria. Será? Ontem, outrora, não certamente. Outrora a maioria aceitava no espalhar a fé e a civilização, no desrespeito pela cultura, pelo ser e saberes de outros povos.

Leio, releio e tenho dúvida na análise; mesmo simplista claro.

Ah o império, o império. Um dia foi embrulhado cuidadosamente e veio debaixo de um braço.

Fico por aqui e irei ler aqui ou acolá. Certamente irei encontrar os feitos dos outrora inimigos. Curioso eles andarem sempre desavindos e nós, melhor eu, não perdoando ou esquecendo aceitar e pugnar, em silêncio e de forma comedida, pela paz. Curioso.

«««

Fiz bem em esperar. Fiz bem em colocar o escrito em letargia, em meio arquivo. Surge agora um outro escrito no blogue. Alguém, um camarada evidentemente, pede ajuda para perceber o que diz não entender.

Tento a ligação entre o que atrás disse e agora leio. Assumo a responsabilidade. São textos diferentes e em comum têm só a dúvida.

Certo é que, em comentários de diversidade opinativa, própria de um site plural, se tenta o esclarecimento. Não vou agora comentar ou falar no interessante poste. Relevo só, em alguns comentários uma certa confusão, talvez termo excessivo, entre politica e partidos políticos. Aqui não se fala abertamente em política. Só que ao opinar estou a fazer política, a tomar posição política. Nada tem a ver com o partido seja ele qual for, a não ser que tente encaixar essa tomada de posição com uma determinada ideologia partidária. Difícil ou sempre passível de contestação e divergência.

Mas, se assim fosse que mal teria isso? Felizmente temos partidos políticos, políticos e vivência democrática.

Nada mais acrescento aqui e agora ou, a faze-lo, iria infringir “as regras” do blog.

Atrevo-me somente a dar um exemplo: - há quem diga guerra do ultramar, guerra colonial, guerra de libertação.

Implícito está uma tomada de posição política. Ou não?

Claro que está. Claro que não afecta o blog como tal, mas pode interessar aos tertulianos que assim classificam a guerra. É que o todo é feito de partes e estas não são iguais ou seria um desastre.

Parece-me ter mais interesse a guerra ter acabado e hoje, independentemente das designações, se falar de paz. E tanto necessita aquela terra por onde andamos. Transcende-nos o pugnar hoje abertamente pela paz. Poderia parecer sobranceria ou ilegítima interferência. Podemos, contudo, tentar ajudar sem interferir. A nossa História, a história de séculos do nosso País não pode ser feita sem a história daqueles novos Países. Temos séculos de história comum, uma língua só e muito mais que convém aprofundar e será sempre indissociável.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6168: O Spínola que eu conheci (14): Sempre vi naquele homem, trinta e quatro anos mais velho do que eu, o Chefe Militar (Torcato Mendonça)

Vd. último poste da série de 16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6002: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (4): Os apontamentos de Amílcar Cabral

6 comentários:

Anónimo disse...

Boa bolha !
Abraço
Jorge Félix

Anónimo disse...

Caro Amigo Torcato Mendonca. "Foi-nos imposta a guerra,e,para alguns,em Abril de 74,a PAZ TAMBÉM FOI IMPOSTA!" Era assim que ia comecar o meu comentário,que,bruscamente,se foi tornando longo.Tamanho de poste/debate?Talvez. Um grande abraco.

Anónimo disse...

Caros Camaradas Editores. Eu sei que isto dos fusos horários causa problemas vários.MAS......tendo acabado de ler este interessante poste,e na sequência das perguntas levantadas por Alberto Branquinho em poste anterior,fiquei à espera de oportunidades para o "tal"debate construtivo,dos "tais" que comecam,estranhamente a rarear. Quando me preparava a pegar no lápis o blogue tinha mudado a página!Mais uma almocarada a anunciar? Malditos fusos horários que tornam tudo,por vezes,tao rápido. Um grande abraco

Anónimo disse...

Caro Torcato.

Aprecio o teu texto carregado de dúvidas, porque estou de acordo com o que dizes, ás vezes até parece que temos de pedir desculpa pela guerra que travamos, não culpabilizo o IN., mas não o elogiarei, não comunguei nos abraços quando nos mandaram depor as armas, mas não senti que tivesse sido derrotado.

Não estás só nas apreciações que fazes.

Um abraço

Manuel Marinho

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu camarigo Torcato.

Nem me vou cansar muito, pois sirvo-me das tuas palavras noutro comentário, apenas crescentando um nome e destinatário:
«Eu quase, que volto a fazer o pleno com o Nosso Camarigo Torcato.»

A propósito disto que dizes, ou talvez não, sei lá, ainda vou escrever uma "coisita" que agora se passou com o meu filho mais novo, André de 11 anos e envolvendo a "nossa" guerra.

Depois aqui colocarei ou enviarei como texto aos editores. Logo se c verá!

Um grande e camarigo abraço para ti e para todos

Joaquim Mexia Alves disse...

Ora então aqui vai a tal coisa sobre o meu filho.

Há uns dias foi solicitado na escola ao meu filho e outros colegas que fizessem um trabalho sobre a guerra colonial.

Lembraram-se eles que tendo o André um pai que tinha andado na dita cuja, seria bom fazer uma “entrevista” ao “velhote”.

Enquanto as crianças se preparavam para tal, logo alguém lhes foi preparar uns textos para que ficasse tudo “bem enquadrado” com os fins que se pretendia.

Assim nesses texto e a propósito da guerra, vinha logo o Henrique Galvão e o assalto ao Santa Maria, e as coisas dirigidas por forma a contemplar a visão que se queria dar da coisa.

Não acrescento mais nada, porque todos sabemos como é!

É assim muitas vezes meus camarigos, que carregada de uma só visão, se vai dando a história recente do nosso país.

Optei por uma abordagem diferente, que tentei o mais abrangente possível, até porque estava a lidar com crianças de 11 anos e que como tal têm muito tempo para depois fazerem as suas opções “políticas”.

Assim, comecei por recordar que aquela guerra tem vários nomes, tais como, colonial, do ultramar, de África, de libertação, etc., etc.

Recordei também que outros países europeus, nos finais dos anos 50 e começos dos 60, tinham dado a independência aos seus territórios/colónias em África e que como tal, também nos territórios sob administração portuguesa tinha acontecido esse legitimo desejo, a que Portugal não tinha dado saída política, daí a guerra.

Fiz um resenha dos movimentos de libertação envolvidos, sem lhes chamar outra coisa se não isso mesmo, movimentos, ou seja, não os apelidei de “terroristas” ou “combatentes da liberdade”.

Escusei-me a fazer mais comentários, porque eles terão tempo, quando um tudo nada mais velhos pensarem com as suas cabeças.

Optei depois por dar uma breve indicação sobre as difíceis e duras condições dos combatentes, quer de um lado, quer do outro, e servindo-me disso, fazer um “discurso” contra a guerra, esta ou outra qualquer, por não servir a humanidade, nem sequer resolver verdadeiramente nenhum problema, como muito bem sabemos da história deste mundo.

Referi as dificuldades do regresso da guerra e a adaptação à vida “normal”, bem como as terríveis consequências que uma guerra deixa ao longo do tempo nos seus intervenientes.

Isto vem a propósito de percebermos aquilo que todos já sabemos, ou seja, que se tenta muitas vezes, se não mesmo sempre dar uma só visão desta guerra, que acaba quer queiramos, quer não por dar uma imagem negativa daqueles que a fizeram.

Apesar das minhas dificuldades, (quem de nós é inteiramente imparcial), tentei e julgo que o consegui em muito curtas linhas ser o mais abrangente possível, mas sobretudo tentei passar a imagem da inutilidade da guerra.

E era isto que vos queria dizer, e que depois de dito já não me parece assim tão importante.

Um abraço camarigo para todos.