terça-feira, 20 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6195: Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/1971) (1): Quando a minha MG 42 ficou engatada no banco da viatura e sofremos uma tremenda emboscada a 3km do Pelundo

 1.  O Sílvio Faguntes Abrantes é, doravante, membro da nossa Tabanca Grande  (*). 

Nasceu a 23 de Janeiro de 1948, na freguesia de Aguada de Cima, concelho de Águeda. É, portanto, da terra do Paulo Santiago, ex-Alferes Miliciano, que comandou o Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/2). 

Além disso, foi colega de escola do Paulo. Do mesmo concelho é outro paraquedista, o nosso camarada Victor Tavares, embora de doutra freguesia, Recardães, e mais novo (1972/74). (Sei, pelo Paulo, que infelizmente não está em boas condições de saúde, não estando a acompanhar o nosso blogue: Força, Victor!, a má onda vai passar!).

O Hoss pertenceu à CCP 121 / BCP 12, comandada primeiro pelo então Cap Pára Terras Marques e depois pelo Cap Pára Mira Vaz. Ele próprio nos conta, era soldado, enfermeiro, mas "um colega trazia a bolsa e eu uma MG 42, nada mau,  dadas as circunstâncias". É também amigo do nosso camarada Tino (Contantino Neves).

Combinei com ele abrir uma série para as histórias que ele nos vai contar. Começamos hoje com a 1ª parte da emboscada que sofreu, em Junho de 1970, quando os páras se deslocavam, por estrada, de Bissau para Teixeira Pinto. O resultado foi trágico: 6 mortos e 9 feridos, entre graves e ligeiros.


Ontem escrevi ao filho Leonel: 

O pai já está formalmente apresentado à nossa Tabanca Grande. Queria agora saber se ele está disposto a escrever pelo menos uma meia dúzia de histórias... Já temos o relato da emboscada no Pelundo, que deve dar para dois ou três postes... Vou publicar a primeira parte... Mas gostava de abrir rma série para ele... Sugestões de título, por exemplo: Histórias do Hoss...  Ou: Recordações de um soldado paraquedista (Sílvio Abrantes, o Hoss)... Ou outro título sugerido pelo pai... Um Alfa Bravo do Luís Graça

O Sílvio respondeu-me, ele próprio, logo a seguir nestes termos:

Amigo Luís Graça, espero que continue de boa saúde. É pena estarmos longe porque convidava-o para ajudar a comer um leitão cá da Bairrada, assado por mim. O último foi no passado sábado, houve festa cá na terra, mas fica prometido que um dia nos havemos de encontrar a saborear uma sardinha amarela assada por mim.

Quanto aos e-mails, sobre a emboscada vou publicar no mínimo três. Quanto ao título deixo à vontade do meu amigo. Não vou perder mais tempo,  são 19h30, vou-me deitar que vou trabalhar da meia noite às oito do manhã.

Um abraço, Hoss.

Sei, através do Paulo, que o Sílvio (ou Hoss, como ele gosta de se chamar) trabalha numa fábrica de cerâmica, e por vezes no turno da noite. O Paulo aproveitou para me dizer que o pára que aparece na  fotografia que publiquei ontem, não é o Hoss, mas um camarada dele... Eu já tinha dado conta do lapso... Vou corrigir.

Respondi-lhe, ao Hoss,  hoje de manhã:

Sílvio: Obrigado pelo teu gesto de amizade, camaradagem e hospitalidade... Haveremos de estar juntos,  com o Paulo e o Victor que são "senadores" do blogue e já grandes amigos... Dia 26 de Junho vamo-nos encontrar em Monte Real, é o nosso V Encontro Nacional... Não queres aparecer ? 

Não te esqueças que na Tabanca Grande tratamo-nos todos por tu, como camaradas que somos, independentemente do que fomos na guerra ou somos hoje, na vida civil... Fica bem. Saúde e longa vida. Luís Graça 



Guiné > Algures > CCP 121 >  BCP 12 > 1970 (?) > Um camarada açoriano do Hoss, num momento de pausa na guerra e com sinais de grande sofrimento estampado no rosto. A seu lado, no chão, uma MG 42, a uma poderosa armas nas mãos dos páras...

Foto: © Sílvio Abrantes (2010). Todos os direitos reservado
s. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




2. Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) > 16 de Junho de 1970 > Ataque a uma coluna Bissau-Teixeira Pinto (1ª parte)



Seguia-mos de Bissau para Teixeira Pinto, de coluna, quando fomos atacados cerca de  3 km. do Pelundo,à saída duma curva. O resultado  cifrou-se em 6 mortos e  9 feridos,  alguns com gravidade.

Nos Paraquedistas,  no tempo do então Capitão,  hoje Coronel na reforma, o meu grande amigo   Terras  Marques [, foto à direita, cortesia do Portal do Exército Português,],  teve a ideia de aplicar às MG  um punho em madeira no fuste à medida do braçodo apontador.

Quando a emboscada rebentou e na confusão de saltar  da viatura,  a minha MG  ficou engatada com o  punho no banco. 

Saltar da viatura  sem a arma estava fora de questão, foi assim que me ensinaram os meus instrutores  em Tancos, ao contrário de um  oficial (que não vou dizer o nome porque seria uma vergonha ainda hoje passados tantos anos), que saltou da viatura e deixou a G3 lá dentro e  em pleno combate  pede ao soldado Folhas que lhe desse a dele,  ao que este rejeitou e com toda a razão. O que aconteceu a seguir é que não é digno de um homem. O vocabulário português é muito rico  e eu não encontro um adjectivo para classificar este oficial,que fez a vida negra ao Folhas durante o resto da comissão.

Eu fico em cima da viatura a ver onde o IN estava emboscado atrás dos baga-bagas e só acordei para a realidade quando ouço um zumbido a passar junto à minha cabeça. Salto da viatura e corro para  a zona de fogo,  fico de pé a meter a fita na arma que teimava em não dar fogo e foi o meu colega  Alberto quem me puxou para eu me abaixar e  me ajudou a meter a fita na arma, tal era a minha aflição.



Guiné >Zona Leste > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) > O soldado Mamadú Jau, "uma força da natureza" (segundo Paulo Santiago), apontador de metralhadora (empunhando aqui uma temível MG 42 - abreviatura do alemão Maschinengewehr 42 - que a HK 21 não conseguiu destronar, mesmo na guerra de África).

Foto: ©  Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


Eu fiquei cego deraiva. Fui eu que orientei o fogo para destruir os baga-bagas onde o IN estava instalado,  e que motivou a sua fuga, mas o mal aos  meus colegas estava feito. Não vou dizer que foi desta ou daquela maneira,  porque todos vós passaram decerto por situações iguais.As palavras por vezes dizem pouco. A  fotografia dum bravo açoriano que junto, fala por todos, diz tudo, não são necessárias mais palavras.

Fomos  atacados do lado esquerdo que era amplo,  só havia capim rasteiro e baga-bagas, do lado direito era mata com árvores. Nem todos correram para o lado esquerdo, devido à potência do fogo IN,  não o puderam fazer, ficando debaixo das árvores, então o IN atacou as árvores à roquetada,  oque provocou a maioria dos feridos pelos estilhaços.

Depois da resfrega e com os nervos a rebentar, outra tarefa  mais delicada, tinha de tratar dos feridos, o que exigia de mim e dos meus colegas enfermeiros um grande poder  de concentração e mais uma vez não podíamos falhar, tinhamos na mão a última réstia de esperança de vida daqueles bravos que tiveram a infeliz sorte de ficarem feridos.

Como um mal nunca vem só, não se conseguia ligação via rádio  com Bissau, Teixeira Pinto nem com o Pelundo a escassos 3 kms, mas eis que passa uma parelha da Fiats e o nosso operador de rádio manda um S.O.S. E de imediato os Fiats passam em voo rasante, entram em contacto com  Bissau,  passado pouco tempo estavam os helicópteros e as nossas queridas enfermeiras a fazer a devida evacuação. 

Por hoje fico por aqui, que relatar isto ainda dói muito.

(Continua)
        
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Nota de LG.:


2 comentários:

paulo santiago disse...

Olá Luís

A freguesia do Vitor,da qual já foi
Pres.da Junta,não é Rebordães,como
vem no post,mas sim Recardães.Aliás
aproveitei agora para lhe telefonar
para saber como vai de saúde.Há
tempos que anda com um grave problema ao nível da coluna,estando
à espera de uma intervenção cirúrgica,que irá ser realizada nos
UHC.Deposita grande confiança no
neuro-cirurgião que o está a seguir,até por ser um betetista como nós,e afiança-lhe uma recuperação entre 75% a 85%,o que é
bom.Disse-me para te transmitir,
devido a este problema,não tem
escrito,nem tem ido ao blogue,e
envia-te um grande abraço.Vamos ver
se estará em condições de ir a Monte Real.Também tenho esperança,
de dentro em breve,voltar a andar
com o Vitor no BTT e nas caminhadas

Abraço amigo

P.Santiago

Unknown disse...

Silvino que para mim és o Osses só te conheci como Osses fui teu colega passei alguns maus bocados contigo como essa emboscada quando fomos para Teixeira Pinto sou Henrique Nogueira conhecido por Nogueira do 1° pelotão companhia 121 estou alegre depois de tanto tempo saber de um colega de armas muita saúde te desejo Nogueira