terça-feira, 6 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6118: História da CCAÇ 2679 (34): Situação geral em Novembro de 1970 (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 3 de Abril de 2010:

Carlos, meu amigo,
Folgo por estar resolvida a questão do V Encontro da Tabanca, obrigando-te a comparecer para ajustes de contas diversos. É verdade: nesta vida não podemos andar sempre a fugir à seringa. E por isso, deixa-me seringar-te com mais este texto, maioritariamente extraído da História da Unidade, é que tenho andado com uma ausência de inspiramento... agravada pela preguiça da primaVera.
Abraços
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (34)

1 - Situação geral em Novembro/70 (integral da H.Unidade)


Durante o mês de Novembro, o IN manifestou-se por três vezes no sub-sector da Companhia, através de 02 flagelações ao Destacamento de Copá e de outra ao Aquartelamento de Bajocunda.

A actividade operacional das NT também se manteve bastante intensa, efectuando várias operações e acções, constando de patrulhamentos conjugados com emboscadas nocturnas e realizando frequentes contactos com as populações da área simultaneamente com a sua assistência sanitária.

Pelos revezes sofridos nas suas flagelações e pela intensa actividade operacional desenvolvida pelas NT, o IN não parece ter criado adeptos entre a população que se mostrou positivamente colaborante com as NT.

Prosseguiram as obras em curso dos reordenamentos (Escola de Amedalai e auto defesas de Amedalai e Tabassi), sendo porém de assinalar o desinteresse e falta de colaboração da população de Tabassi neste aspecto.

O PEL MIL 269 continua sediado em Amedaçai onde exerca a protecção àquela tabanca.

Quanto à protecção a Tabassi continua a ser feita alternadamente por 01 GCOMB da Companhia e outro da CCAV 2747.
Aquelas duas tabancas continuam a ser reforçadas diariamente à noite por duas secções de Atiradores.

É ainda de assinalar neste período a apresentação de 08 elementos da população de Copá que se achavam refugiados na República do Senegal.


Minhas observações à actividade mensal:

Durante o período são referidos 11 patrulhamentos de combate realizados por Bajocunda; 6 realizados por Copá e 1 realizado por Amedalai. Ainda se referem 3 patrulhamentos de assistência às populações, bem como duas operações a nível de bi-Grupo, incluindo emboscadas nocturnas, e uma saída para emboscada nocturna.

É de salientar que no dia 06NOV70 foram flageladas as povoações de Copá, Bajocunda e Pirada. Nenhuma das acções constituíu perigo real, pois os disparos foram mal regulados. No entanto, durante o ataque a Bajocunda, registou-se um "morto por acidente, causado pelo rebentamento de um dilagrama", que vitimou um militar da CCAV 2747, pertencente a um pelotão que reforçava Bajocunda. O acidente consubstanciou-se pela utilização de bala real no lançamento de dilagrama, operação efectuada por um Furriel daquela Companhia que tinha bebido excessivamente. Apenas registo o facto, sem qualquer pretensão de fazer julgamento. Acidentes assim decorriam da guerra e das circunstâncias de vida locais que condicionavam o dia-a-dia dos militares. Não se pode pretender que durante a permanência na Guiné o pessoal não cometesse excessos. Cometeram-se, e muitos, alguns, infelizmente, com resultados frustrantes, ou condenáveis. Este foi um acidente absolutamente imprevisto.


2 - Breve abordagem política daquela época:

Em Fevereiro de 1970 aconteceu uma primeira remodelação governamental no governo de Marcelo Caetano. Foram afastados os críticos Franco Nogueira, um dos herdeiros do espírito salazarista, e Correia de Oliveira, um delfim do Botas, fazendo entrar Rui Patricio (Negócios Estrangeiros), José Veiga Simão (Educação), e Baltasar Rebelo de Sousa (Corporações), qual tentativa de refrescamento da imagem de Portugal, quer para o interior, quer para o exterior, como que a reacender a esperança na busca de soluções para o ultramar e o desenvolvimento económico e social.

Os "tecnocratas" Xavier Pintado, João Salgueiro e Rogério Martins, dão sinal de aproximação à Europa, contra o afrocentrismo, ou seja, a preocupação ideológica de manter as possessões, a todo o custo, como parte integrante na continuidade do modelo político anterior. Porque poderia imaginar-se alguma solução diferente para o relacionamento entre todas as partes. No entanto, passados alguns meses, face ao acumular de hesitações do primeiro-ministro, verificou-se que Marcelo continuava refém dos velhos e duros defensores do regime, partidários de posições intransigentes no campo da defesa, da ordem interna (em sentido político) e da continuação da guerra colonial.

Spínola concitava admiração, embora nem sempre bem estribada. Passava por manter elevado o moral das tropas, formou uma élite de peso, e evidenciava-se pelo destemor pessoal. Também passou a ser o mais beneficiado pela máquina de propaganda.

Pedro Theotónio Pereira fez-se eco: "Ouço que o Spínola, governador da Guiné, mandou em certos postos avançados colocar o dispositivo de segurança à frente do arame farpado", e "prossegue a revolução social e explora as rivalidades étnicas".

O que eu sei, é que no primeiro semestre do ano, mandou retirar o arame de protecção e tapar as valas em Pirada, com o argumento de que sendo um posto fronteiriço, devia apresentar condições de plena abertura ao exterior e tranquilidade interna, do que resultou a invasão da localidade, enquanto a tropa assistia a uma projecção de cinema (Exército e Páras), que não redundou num massacre, porque o pessoal IN perdeu a cabeça na tentativa de saquear as lojas de comércio local, e bateu em retirada, quando de surpreendedores, passaram a surpreendidos. Foi um momento de grande sorte para o velho cabo de guerra que, assim, saíu imaculado daquela infeliz decisão.

Em Abril, três majores do Exército foram atraídos a uma emboscada, e mortos pelo PAIGC. Foi o mais trágico da Operação Chão Manjaco, lançada por Spínola como meio de paz, e que previa a integração da guerrilha nas Forças Armadas Portuguesas. Outra medida de grande ingenuidade.

Entretanto, cento e quarenta e sete figuras de perfil "liberal", entre as quais Xavier Pintado e Rogério Martins, secretários de estado, pedem a legalização da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES), que é pensada como um instrumento de apoio ao governo e um polo agregador do "centro político", mas tornou-se depois um grupo crítico e distanciado.

Por esta altura Marcelo Caetano autorizou a Operação Mar Verde (imaginada por Alpoim Calvão, que a fez interessar a Spínola, e envolvia oposicionistas do regime da Guiné-Conakry), provavelmente convencido de uma vitória retumbante sobre o PAIGC e o governo de Conakry que lhe dava apoio, e tinha como principais objectivos, a destituição do presidente Sekou Touré, o desmembramento do PAIGC e a eventual eliminação de Cabral, para o que contava com um desembarque surpresa, a que se seguiria o controle da área portuária, a tomada da rádio, como condição necessária para surpreender o país e anunciar o novo governo de revoltosos, a tomada da base aérea e destruição dos aviões MIG, para além dos assaltos às residências de Touré e Cabral. A estes objectivos iniciais veio juntar-se a libertação dos prisioneiros de guerra portugueses, a única parte que correu bem. No final da operação ainda foram afundados vários barcos que se encontravam no porto.

Em S. Bento, entretanto, distinguia-se um grupo de deputados da nação, que fazia oposição interna, e ficou conhecido pela designação de Ala Liberal, onde se distinguiam Pinto Leite, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Miller Guerra e Magalhães Mota.

Destas evidências, resulta que o regime apresentava fragilidades que, cada vez mais, se acentuavam e dificultavam a prossecução da política do governo (tanto interna como externamente) e a estabilidade social. Nas "Conversas em Família", Caetano difundia contra grupos de católicos inquietos, e referia: "... que bom é ser moralista, que bom poder resolver os problemas de consciência com algumas sentenças ambiguas no remanso do lar... Mas os governantes também têm problemas de consciência... Pelo lugar que ocupo, enquanto o país quiser, cumpre-me avisar para os perigos que o país corre... Sobre os ombros de quem governa pesa a responsabilidade do ultramar português... Eu, por mim, não aconselharei a renúncia..."

Estrebuchava sem dar sinais de competência ou inovadores.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6026: Convívios (120): Próximo convívio da Tabanca da Linha, dia 8 de Abril de 2010, no Talho do Diamantino - Quinta do Cortador (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de1 4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5818: História da CCAÇ 2679 (33): Vesti toalha de praia para ir falar com o Trapinhos (José Manuel M. Dinis)

2 comentários:

MANUELMAIA disse...

TAL COMO REFERES NO ÚLTIMO PARÁGRAFO,MARCELO CAETANO BEM AVISOU...

NÃO ERA FÁCIL TOMAR DECISÕES,ESPECIALMENTE DAS QUE SE REPORTAVAM À RESPONSABILIDADE
SOBRE A PROBLEMÁTICA GUERRA DO ULTRAMAR...

ABANDONO É QUE NÃO.

ABRAÇO

MANUEL MAIA

Hélder Valério disse...

Caro Zé Manel

Vê lá por onde vais... atenção aos 'bernardos'...

Um abraço
Hélder S.