sábado, 13 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5987: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis) (3): É a vida…

1. O nosso Camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos - Canjadude -, 1968/70), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 9 de Março de 2010:

Camaradas,

Aqui vai mais um texto do n/ camarada e meu comandante, Pacífico dos Reis. Segue, também, o relatório da coluna citada no texto.

José Martins


2. Terceira parte das Divagações de Reformado de autoria de Pacífico dos Reis, Coronel de Cavalaria Reformado que comandou a CCAÇ 5 “Gatos Pretos” (Unidade esta a que pertenceu também o nosso camarada José Martins):


DIVAGAÇÕES DE REFORMADO - 3
É a vida...
É A VIDA [1]
Guiné 12.SET.69



Estrondo surdo, ensurdecedor… O ar saiu-me dos pulmões, sentindo-me sufocar.
Voei no meio do pó vermelho amarelado, parecendo flutuar. A pancada foi dura. Acordei no meio de verde. Capim, só capim. Tentei levantar-me mas tudo me parecia em câmara lenta. Olhei-me e reparei que tinha a perna esquerda com pinceladas vermelhas no meio do camuflado rasgado. Senti-me no meio de um filme de guerra de categoria B. Só devia ser “sumo de tomate”. Tentei levantar-me. Ouvi o alferes da segunda viatura gritar que “tinham morto o capitão”. Berrei para saírem das valetas e tentei ver a situação.
A minha “querida “ GMC, que me tinha transportado em dezenas de colunas, estava desfeita. junto dela espalhavam-se os elementos da minha secção de comandos, feridos com alguma gravidade. “Aquele que derramar o seu sangue comigo será meu irmão”. [2]
Pedida a evacuação demorou pouco tempo. Benditos pilotos e enfermeiras da FAP que em menos de um quarto de hora tinham evacuado os feridos mais graves. Passado algum tempo chegou o apoio vindo da seda da companhia em Canjadude e posteriormente o apoio do batalhão de Nova Lamego. Lá seguimos para o Gabú transportando os feridos mais ligeiros e a viatura minada a reboque.
Era o resultado de se efectuar uma coluna de reabastecimento com desminagem descontínua. Uma autentica “roleta russa”. Ordens do batalhão que tínhamos de cumprir.

É A VIDA
Portugal 08.DEC.07

Estrondo surdo… Esperei todas as sensações que tinha tido na Guiné. Não, a viatura continuou a andar. Quando olhei pelo espelho retrovisor percebi que no meio da A2 estava um cão.
Após os militares da GNR tomarem conta da ocorrência, um deles, rapaz novo, disse-me: - “Meu coronel está cheio de sorte, podia ter sido uma vaca ou um javali. Já tem sucedido.”
Fiquei a saber que além da minas de quatro patas (cão) poderiam aparecer minas anti-carro (vacas e javalis) deixadas plantadas pela Brisa, que deveria zelar pela segurança dos utentes das auto-estradas à sua guarda.
“É a vida,,,”

Para os camaradas que seguem estas letras fica o aviso. Quando entrarem nas auto-estradas não contratem picadores, mas sim um campino ou um caçador por mor das minas anti-carro de “quatro patas”.
Estas linhas tinham como finalidade divagar sobre a Guiné e estou a desviar-me, Julgo, no entanto, o desvio importante e salutar.
Passarei às estórias da história. A minha companhia, a C,Caç 5 “Gatos Pretos”, era uma amalgama de etnias. Praticamente tinha todas e são muitas. Até tinha um felupe completamente deslocado em chão mandinga. Mas não é de um felupe que se trata mas sim de um fula. Certa vez, quando fazia a minha ronda nocturna senti um ruído, como que um gorgolejar, atrás de uma porta. Afastei-a e encontrei sentado no chão um militar africano bebericando uma cerveja. Não resisti e perguntei-lhe porque estava a beber sendo ele islamizado. Depois de se pôr em sentido, dum salto, a resposta veio célere: - “Meu capitão, Alá não me vê atrás da porta”.
“É a vida,,,”

Outro elemento inesquecível da companhia era um soldado metropolitano, agricultor de profissão e vindo das beiras. Não tinha jeito nenhum para a vida militar, tinha um medo, pânico profundo, do mato. Após reunir conselho com os mais directos colaboradores, comandantes de pelotão e secção, atinou-se uma forma de resolver o problema satisfatoriamente.
Chamei o militar e informei-o que o colocaria à frente da nossa “agro-pecuária” com a obrigação estrita de abastecer o rancho de verdes que faziam falta à dieta diária. No dia em que se descuidasse nos seus deveres agrícolas voltaria à linha e consequentemente ao mato. Nunca vi cara mais radiante.
A partir desse dia passamos a ter saladas a acompanhar muitas das refeições.
“É a vida,,,”

A seguir à evacuação de Madina do Boé a nossa companhia foi a herdeira directa do gerador eléctrico e todo o material eléctrico que ali existia. Para fazer a montagem eléctrica do gerador e da iluminação periférica e interna do aquartelamento, veio de Bissau um soldado de engenharia (é mesmo um soldado, não é gralha!).O rapaz era mesmo eficiente. Deitou-se ao trabalho e com o apoio de alguns elementos da companhia, em pouco tempo, tinha tudo montado. Chamei-o, agradeci-lhe o eu voluntarismo e disse-lhe que ia passar a guia de marcha para Bissau. O meu espanto foi quando ele me pediu para ficar mais tempo na companhia. Dizia que gostava de estar no mato e até me pediu para, quando realizássemos uma operação, ir connosco.
Claro que lhe fiz a vontade. O rapaz tinha sido tão prestável que não o podia desiludir.
No entanto não podia arriscar a vida de um elemento que não era da minha companhia e que tinha vindo realizar uma função completamente diferente da de atirador.
Assim, escolhi um patrulhamento para uma zona onde havia pouca possibilidade de haver contacto com o inimigo e levei-o.
No regresso, a felicidade dele era evidente. Quando regressasse a Bissau já tinha uma história para contar.
“É a vida,,,”

É assim que a vida é feita de pequenos retalhos. Cada um os vê pelo seu prisma. Hoje, a quarenta anos de distância, talvez possamos ver com menos nitidez todo o panorama, mas saltam-nos as imagens mais salientes. É dessas memórias que se alimenta a nossa memória.

[1] – António Guterres
[2] – William Shakespeare
(o texto também foi publicado na revista ASMIR de Nov/Dez 09)
RELATÓRIO DA COLUNA REALIZADA A NOVA LAMEGO em 12SET69

01. Situação Particular

  • A Unidade encontra-se a guarnecer o Aquartelamento de Canjadude, sendo responsável pelo mesmo sector, reforçado com o 1 Pelotão de Milícias nº 129.
    Três ataques á tabanca de Madina Xaquili e a destruição de Catalunda, prevêem actuação mais a Norte. Presume-se a entrada de um grupo numeroso pelo sector de Cabuca dirigindo-se provavelmente para este sector ou Nova Lamego.
02. Missão da Unidade

  • Colina de reabastecimento a Nova Lamego trazendo um Pelotão da CART 2479 para defesa do Aquartelamento, enquanto o pessoal se encontra na operação “LIRIO”.
03. Força Executante


  • a) Capitão de Cavalaria Pacífico dos Reis
    b) 1º Grupo de Combate – Alferes Gago
    4º Grupo de Combate – 2º Sargento Farinha
    Secção Comando Dragão
    c) 2 Grupos de Combate, 2 GMC, 2 Unimog 404, 1 Unimog 411.
    d) 2 GMC (Secção de Comando Dragão, Comandante e 1º Grupo de Combate) – 1 Unimog 404 (Transmissões), 1 Unimog 411 e 1 Unimog, (4º Grupo de Combate)
    e) 1) ----------------------------
    2) 2 Granadas de mão defensivas e 1 granada de mão ofensiva por homem; 3 elementos com dilagrama por grupo de combate.
    3) -----------------
    4) Reforço de 400 munições 7,62 mm por grupo de combate.
    5) -------------------
    6) Material de Transmissões: 1 AN – GRC-9
    1 PRC-10
    3 AVP-1
    Telas
04. Planos Estabelecidos


  • Coluna com picagem da estrada, descontinuadamente, nos pontos onde houvesse mais possibilidades de serem postas minas (zonas de areia, areão, terra solta). Enquanto de fazia a picagem o 1º Grupo de Combate fazia a guarda de flanco esquerdo e o 4º Grupo de Combate a guarda de flanco direito.
05. Desenrolar da Acção

  • Partiu-se de Canjadude em 120630SET69 tendo a coluna seguido montada até pouco depois de Canjadude onde se começou a picagem, seguindo-se apeado até Uelingará cerca das 08H20. Neste ponto mandei montar e tendo andado cerca de 15 metros, ouviu-se um rebentamento, tendo a primeira viatura (GMC) sido projectada ficando atravessada na estrada. Imediatamente se fez a protecção às viaturas com o pessoal à esquerda e à direita da estrada, tendo-se pedido nessa altura um pronto-socorro e heli para evacuação dos feridos. Chegou cerca das 10H00 pessoal de Canjadude trazendo o Sargento enfermeiro e medicamentos, ficando este e seguindo o grupo de combate, que veio em socorro da coluna, para Canjadude. Fez-se a picagem da estrada tendo sido levantada mais uma mina Anti Carro. Pelas 11H30 chegou a coluna de socorro de Nova Lamego, com o pronto-socorro, tendo chegado pouco depois os helis que fizeram a evacuação dos feridos. Ficou na zona a CART 2479 e as viaturas da CCAÇ 5 seguiram para Nova Lamego com o pronto-socorro onde chegaram em 121340SET69. Partiu a coluna às 15H15, tendo levado o Grupo de Combate da CART 2479, que estava à espera em Uelingará, chegando a Canjadude em 121730SET69.
06. Resultados Obtidos

  • a) ------------------
    b) --------------------
    c) 1 Mina Anti carro de madeira levantada
    d) Feridos evacuados de heli:
    - Soldado (82102264) Iero Jau – feridas na perna esquerda, diversas contusões e escoriações;
    - Soldado (82057465) Tomango balde – contusão na coluna vertebral;
    - Soldado (82061965) – Adama Candé – ferida profunda na perna direita, ferida na cabeça, escoriações e contusões por todo o corpo;
    - Soldado (82022168) Mamadu Samba Djaló – ferida na face esquerda e contusões por todo o corpo;
    - Soldado (82023168) Ensa Mané – ferida no braço direito r pé direito, contusões por todo o corpo;
    - Soldado (82068468) Mumine Balde – contusão na coluna vertebral e bacia;
    -Soldado (82075068) Bobo Djaló – feridas nas pernas.
    - Civis Mamadú Sissé e Galé Conte.
    Feridos não evacuados:
    - Capitão de Cavalaria (50691111) José Manuel Marques Pacífico dos Reis – contusão e escoriações na perna esquerda e braço esquerdo;
    - 1º Cabo (00143167) José Luís Salgado da Silva – contusão na perna esquerda e escoriações por todo o corpo;
    - Soldado (82097564) Mamadú Mané – contusão perna esquerda e escoriações por todo o corpo;
    - Soldado (82152064) Denane Balde – contusões por todo o corpo;
    - Soldado (82053565) Mamadú Candé – contusão face esquerda;
    - Soldado (82039566) Saído Jaló – ferida supraciliar direita, contusões por todo o corpo.
    e) Segue anexo.
07. Serviços



  • a) -------------------------
    b) -------------------------
    c) 1 Enfermeiros e 1 maqueiro.
    d) Meio heli e viaturas
08. Apoio Aéreo

  • T 6 e evacuação heli.
09. Ensinamentos Colhidos

  • Talvez se tornasse conveniente fazer a coluna em dois dias seguidos para se conseguir fazer a picagem de todo o percurso. Devido ao pouco tempo que se dispõe para fazer a coluna, ida e volta e para se fazer o carregamento, tem-se de fazer picagem em pontos descontínuos e nos sítios mais perigosos.
10. Diversos

  • Pessoal
    - É de frisar o estoicismo dos feridos que foram evacuados que aguentaram o tratamento e o tempo de espera dos helis sem um queixume;
    - É de salientar o sentido de camaradagem do 3º Grupo de Combate que, comandados pelo Furriel Miliciano Carvalho, levou medicamentos e o Sargento Enfermeiro num Unimog 411, tendo que ir a maior parte do pessoal a pé e a correr atrás da viatura, fazendo o percurso de cerca de 12 km em pouco mais que uma hora e meia.

  • Material:
    - Ficaram bastantes granadas de LGF danificadas e perigosas no seu manuseamento.
    - Ficou uma granada dentro do tubo do LGF que, devido ao seu manuseamento perigoso e não poder sair, teve se ser destruída com o tubo.

  • Documentos Anexos
    Material extraviado e danificado:
    1º Causas que motivaram o extravio ou danificação:
    Rebentamento de uma mina anti carro debaixo de uma viatura GMC, atirando estilhaços a mais de 100 metros, sobre outras viaturas
    2º Relação do material extraviado ou danificado:
    • 6 Calças de campanha – danificadas;
    • 4 Barretes de campanha – extraviados;
    • 3 Camisas de campanha – danificadas;
    • 2 Pares de botas de lona – danificados;
    • 2 Dólmen de campanha – danificados (pertencentes aos soldados nºs 82057465 Tomango Balde – 820232168 Mamadu Djaló – 82102264 Iero Jau – 82075068 Bobo Djaló – 82068468 Mumine Balde – 82061965 Adama Candé – 82023168 Ensa Mané)
    • Lança Granadas Foguete Modelo M2o 8,9 cm com o número 236304 – completamente danificado e partido em duas partes, uma delas com a granada de LGF metida na parte posterior. Esta parte teve de ser destruída por não oferecer condições de segurança no seu manuseamento – distribuída ao Soldado 82023168 Mané;
    • Espingarda automática G 3 – 7,62 mm nº 054255 – partida no delgado, falta do guarda mão, ponto de mira com cano partido e todo o conjunto empenado e a bandoleira estilhaçada – distribuída ao Soldado 82061965 Candé;
    • Espingarda automática G 3 – 7,62 mm nº 053946 – partida no delgado, o manobrador da culatra avariado, cano empenado e a bandoleira estilhaçada – distribuída ao Soldado 82075068 Jaló;
    • Espingarda automática G 3 – 7,62 mm nº 054319 – manobrador da culatra empenado – distribuída ao 1º Cabo 04241768 Malhada;
    • Espingarda automática G 3 – 7,62 mm nº 001963 – coronha partida e falta de madeira na mesma – distribuída ao Soldado 82061965 – Candé;
    • 2 Carregadores para G 3 – danificados – distribuídos ao Soldado 82061965 Candé e ao 1º Cabo Malhada;
    • 8 Carregadores para G 3 – extraviados, 4 porta carregadores m/964 – extraviados, 2 cinturões m/973 – extraviados, 2 cantis m/964 – extraviados – distribuídos ao Soldado 82057465 Tomango Balde e ao Soldado 82022168 Mamadu Semba Jaló);
    • 5 Granadas Lança Granadas Foguete anti carro de 8,9 e 4 Granadas explosivas de Morteiro 60 – com moças gerais e empenagem amolgada. Foram destruídas por não oferecer segurança o seu manuseamento.
    • Auto T.G 2,3 Tons – 17 GMC 6x6 mA/82 EVA MG-88-97:
    1 Porta traseira completa – destruída,
    1 Veio de transmissão de loco de apoio traseiro – destruído,
    1 Veio de transmissão diferencial intermédio – destruído,
    1 Tubo flexível travão de trás – destruído,
    1 Tubo metálico para travão – destruído,
    2 Rodas completas – destruídas,
    2 Pneus – destruídos,
    2 Câmaras-de-ar – destruídas,
    1 Caixa de carga – estilhaçada,
    1 Taipal traseiro – empenado e destruído,
    2 Bancos da caixa de carga – partidos,
    2 Taipais de madeira da caixa de cargo – partidos,
    1 Chave de fendas média – extraviado,
    1 Chave de velas com manípulo – extraviada,
    1 Alicate universal de 7” – extraviado, pertencente a colecção de ferramentas do Unimog 411 ME-49-86;
    • 1 Bolsa de enfermeiro m/964 – destruída;
    • 1 Seringa de vidro de 10 cc – destruída;
    • 2 Termómetros clínicos – destruídos;
    • 2º Pensos individuais – destruídos;
    • 1 Tesoura recta – extraviada;
    • 1 Secção de antenaMS-117 – danificada;
    • 1 Secção de antena MS-118 – danificada;
    • 1 Estaca GF-27 B – extraviada.

    Aditamento ao material extraviado e danificado:
    • Espingarda automática G 3 7,62 mm m/963 nº 003002
    Bandoleira partida,
    Coronha partida,
    Guarda-mão partido.
    Distribuída ao Soldado 82063067 Baldé.
    • Espingarda automática G 3 7,62 mm m/963 nº 053819
    Parafuso de fixação da bandoleira extraviado.
    Distribuída ao Soldado 82055466 Esuto Baldé.
    • Espingarda automática G 3 7,62 mm m/963 nº 054093
    Mola de fixação do dilagrama extraviado
    Distribuída ao Soldado 82064866 Jaló.
Um abraço Amigo,
Pacífico dos Reis
Cor Cav Ref (comandou a CCAÇ 5)
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série de 2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5194: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis)(2): Mofunado ou não na Guiné de 68 (José Martins)

2 comentários:

Anónimo disse...

Camarada ,Sr.Coronel não seria o soldado Ramos o tal rapaz da Eng.que lhe montou a instalação,
alentejano de Odemira?
Se era, á muito que nos deixo,veio a falecer,pouco tempo após o seu regresso,electrocutado,era funcionário da Câmara de Odemira.
Grande companheiro de muitas jornadas,sempre disponível,
solidário.
José Nunes
Beng.447
68/70-Brá

Anónimo disse...

Estimados camaradas e Sr. Coronel
Não sei se devo agradecer ao José Martins, que via Blogue foi o veículo desta “Postagem”, se devo agradecer ao meu Coronel Pacifico dos Reis, que teve a amabilidade de nos relatar o acontecimento do rebentamento da mina anti-carro, durante a coluna para Nova Lamego. Eu ia, como responsável pelas transmissões, logo na viatura a seguir à acidentada. Agradeço aos dois porque me transportaram a esse passado e despoletaram em mim uma série de flashs. Para mim é diferente ler aquilo que eu escrevi, há 40 anos, interpretado pela minha sensibilidade pessoal e o mesmo acontecimento, visto no mesmo local, por outros olhos. Faz-me cogitar.
Fizeram-me recordar, o Tomango Baldé, que eu não recordava o nome. Foi o ferido mais grave, pois eu ajudei a apoiar a cabeça logo nos momentos a seguir ao acidente, ele estava sem sensibilidade nos membros inferiores, o que me fez temer o pior e esse pior deve ter-se concretizado, eu nunca mais o vi, foi evacuado praticamente desmaiado, a contusão na coluna vertebral era de gravidade.
Fizeram-me recordar o nosso soldado felupe, que sentia muita rejeição dos nativos, mas era acarinhado pelos metropolitanos.
Fizeram-me recordar “o nosso alferum Tripa” como ele dizia; também rejeitado pelos nativos, não só porque bebia uma pinga, mas… e tão serviente para os metropolitanos, este nem família tinha.
Fizeram-me recordar o tratador da horta, que para mim foi crime não lhe darem continuidade.
O meu Coronel, de algumas operações que fiz consigo, sei que não deve lembrar, mas ressaltam para mim três ou quatro episódios que tenho presente dessas operações: - quando por causa de comer, ou não comer, uma ração de combate, eu quis convencer um dos dragões (comandos) que o islamismo estava errado e o Sr. Coronel ao ver-me a discutir com ele o Alcorão me diz com humor: -querem ver que temos aqui missionário; - Numa operação, estando eu com uma dermatofitose nas virilhas, devido a termos andado kms dentro de água até à cintura, eu pedi algodão HIDRÓFILO, ao falecido, Sar. Cipriano. Encontraram graça de eu ter dito hidrófilo; - Operação feita, o dia 19 de Julho 1969, depois duma noite terrível, manhã a caminhar dentro de água, tivemos que subir um morro íngreme, onde tudo caia, e depois a desce-lo à pressa, o pessoal estoirou todo.
Um abraço, e muita saúde.
José Corceiro