sexta-feira, 12 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5983: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (22): As voltas que o mundo dá, graças a um blogue que congrega uma diáspora de combatentes (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Entrei no blogue depois de prometer ao Luís Graça que ia escrever toda a minha comissão em folhetim.
Está dito e confirmado na introdução do primeiro volume "Na Terra dos Soncó". Depois nunca mais parei, e ainda bem. Gente que desconhecia, aqui me tem batido à porta.

Foi graças ao blogue que cheguei à fala com o Henrique Matos Francisco, 1.º Comandante do Pel Caç Nat 52. Em Missirá, naqueles idos de Agosto de 1968, os soldados falavam-me de Luís Zagalo Matos, um dos seus heróis, era o seu irã. Escrevi-lhe, pedi-lhe fotografias para as fazer chegar aos soldados de Missirá, mas também aos Soncó e aos Mané.

Com a publicação dos livros, vieram outros contactos. Por exemplo, o João Crisóstomo, alferes da CCaç 1439, estavam no Enxalé quando aqui chegou o Pel Caç Nat 52, fizeram a recruta entre Janeiro e Agosto de 1966, em Bolama, com o Henrique e os furriéis partiram para o Enxalé, ao tempo sede da companhia, que tinha pelotões destacados em Porto Gole e Missirá (Finete era um destacamento com um pelotão de milícias). O João Crisóstomo vive em Nova Iorque, o nosso país tem com ele uma dívida incomensurável (os principais jornais dos EUA, as grandes cadeias de televisão, apoiaram-no na defesa do povo de Timor e na preservação do património de Foz Coa, por exemplo), há uns tempos pediu-me notícias do Zagalo, acabámos por ir os dois visitá-lo na Casa do Artista, onde ele vive muito debilitado, depois de um tremendo AVC. E parti com ele para um encontro da CCaç 1439, a que se juntou algum Pel Caç Nat 52. Este encontro teve lugar em Coruche, no passado Sábado. Não escondi ao João Crisóstomo nem aos presentes que era para mim muito importante reconstituir estes nexos, em A Viagem do Tangomau (um livro que estou a organizar e que se irá centrar na Guiné que mudou a minha vida) esta história do Pel Caç Nat 52 será reconstituída no que me for possível.

O almoço** foi um turbilhão de surpresas. Fiquei ao lado do Jorge Rosales, foi ele quem em Bolama preparou os soldados do Pel Caç Nat 52. Fiquei em frente do João Neto Vaz, um dos furriéis do Pel Caç Nat 52 que ao fim de 20 meses de comissão apanhou uma senhora porrada e foi despachado para Catacunda, na região de Geba (Bafatá), onde foi capturado e metido numa prisão em Conacri, de onde foi libertado em finais de 1970, como é de todos sabido. Conheci também o Cunha que no dia em que pretendia ir a Bafatá tratar dos papéis para o casório, foi ferido gravemente num joelho, durante uma emboscada entre Xime e Amedalai.

A companhia dos madeirenses entrara na minha vida pelos relatos dos soldados, era um dos meus temas preferidos quando andava de noite pelos postos de sentinela, conversava com eles, enquanto olhávamos para o interior da mata, iluminada a petromax. Esta companhia ficou no Enxalé até Abril de 1967, seguir-se-á a CCaç 1661.

Depois, tudo mudou: Porto Gole passou a depender de Mansoa, Enxalé ficou provisoriamente na tutela do Xime, Missirá tornou-se no corpo estranho de Bambadinca, era a garantia de que as embarcações militares e civis podiam passar em Mato de Cão. No final de 1969, a situação alterou-se com o porto do Xime e o início da construção da estrada para Bambadinca. A CCaç 1439 era para mim uma reminiscência, vi o resto das viaturas desfeitas entre Mato de Cão e Missirá. Chegou o momento de conversarmos e de juntarmos as nossas histórias. Do que gostei mais foi exactamente revivermos as nossas experiências, procurando pontes, falando de gentes, de perigos, da nossa ingenuidade, daqueles que partiram.

É o Henrique Matos Francisco que tem obrigação de fazer o relato para o blogue. Limito-me a lembrar aos tertulianos que o meu mundo mudou graças a esta sociedade em rede onde é possível refazer vínculos, renascer estimas, fazer emergir novos afectos.

Junto algumas fotos do encontro.

Um abraço do
Mário



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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5980: Notas de leitura (77): Morrer de Vagar, de José Martins Garcia, um contista fabuloso (Beja Santos)

(**) Vd. poste de 10 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5969: Convívios (114): 19º Encontro da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67)

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5957: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (21): Não é que o Albino Silva é mesmo o moço da Gandra? (Mário Migueis)

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