terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5794: In Memoriam (36): Júlio Marques Tavares, o Madragoa (1945-1986), ex- Sold Cond Auto, CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) (Marisa Tavares / Vitor Condeço / Fernando Graça)


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS/ BART 1913 (1967/69) > O Madragoa, o Sold Cond Auto Júlio Tavares, condutor de GMC... Nasceu em Lisboa em 1945 e morreu em 1986, no Canadá, para onde emigrara em 1975. Os seus pais eram de Pardilhó, Estarreja. Quando jovem, o Júlio viveu na Madragoa. Quando voltou da Guiné, fixou-se em Pardilhó, onde casou e teve o seu filho Pedro. A sua filha Marisa, que tinha 6 anos quando o pai faleceu, de doença prolonada, anda à procura de camaradas dele. Graças ao nosso blogue, já localizou alguns. Diz que tem muito orgulho no seu pai.

O seu gesto sensibilizou-nos a todos. Convidei a Marisa para integrar o nosso blogue, o que ela aceitou, embora não domine bem o português. O pai foi trabalhador da construção civil. Conseguiu dar, no entanto, uma educação de nível superior aos seus dois filhos. A Marisa diz que ele tem outro filho, que terá ficado em Catió. Recentemente lançou um blogue para procurar esse meio irmão perdido: Are You My Brother ? É meu irmão ? (Vamos também ajudá-la nesta procura do paradeiro do seu eventual mano guineense, de Catió, que a ser vivo e viver ainda na Guiné-Bissau deverá rondar os 42 anos).


Louvor averbado na caderneta, p. 12, do Sold Cond Auto Rodas Júlio Marques Tavares, nascido em 9 de Dezembro de 1945, em Lisboa, freguesia de São Sebastíão da Pedreira. Era mais conhecido pela alcunha do Madragoa (bairro de Lisbo onde viveu quando jovem). Ainda de acordo com a caderneta militar, era solteiro e tinha como profissão "ajudante de condutor auto sem prática" (sic). Tinha 4 anos de escolaridade ["exame de 4ª classe do E.P.E. (4º grupo)]".



Na caderneta do Júlio Tavares consta ainda, em "ocorrências extraordinárias" (p. 20), o seguinte: "1966. Apto no exame psicotécnico para condutor auto. Considerado refractário nos termos do atº 48º da Lei 1961, desde 19 de Agosto de 1966. (..) Ausente com licença definitiva para o Canadá desde 27/2/75". (Excertos)

Fotos: © Marisa Tavares (2010). Direitos reservados

Prémio, condecorações e louvores. 1968. Louvado pelo Comandante do BArt 1913 porque ao longo de 19 meses de comissão sempre se evidenciou como elemento trabalhador e disciplinado, sendo de salientar ser um condutor cuidadoso, e merecendo-lhe a viatura que lhe está distribuída constante cuidado. Nas colunas em que tomou parte nunca mostrou qualquer receio ou hesitação em que a sua viatura GMC fosse a 1ª da coluna. De espírito alegre e comunicativo, granjeou a simpatia e a amizade de todos (Ordem de Serviço, do BART 1913, nº 282). Medalha Comemorativa das Campanhas da Guiné. Legenda "Guiné 1967-68-69" (OS nº 26 do BART 1913. de 1969).


1. Mensagem do Vitor Condeço, de 6 do corrente, em resposta ao meu pedido para legendar algumas das fotos do álbum da Marisa:

Querida Marisa, meu caro Luis Graça:

Vamos ver o que consigo dizer sobre as fotografias que a Marisa, filha do Júlio Tavares nos presenteou.


Vê por favor o que consegues aproveitar, não estou certo de ter escolhido a melhor forma de as comentar. [A publicar oportunamente].


Antes e para começar, um pouco e história:


O Júlio Marques Tavares era Soldado Condutor Auto nº 06255566 da CCS do BART1913, que embarcou a 26 de Abril de 1967 no NM UIGE, tendo chegado à Guiné na manhã de 1 de Maio.


Desembarcados directamente do Uige para barcaças de transporte, seguimos até Bolama onde pernoitámos aguardando a maré, prosseguindo ao alvorecer o nosso destino para sul até Catió na região do Tombali, onde chegámos às 15H00 do dia 2 de Março, (este trajecto foi feito sem qualquer escolta e a única arma a bordo era uma pistola 6.75 do Cap. Botelho). Aqui ficámos até 17 de Fevereiro de 1969, data em que embarcados no cais do porto exterior de Catió no rio Cagopere a bordo da LDG 101 – Alfange, regressaram a Bissau.


Aqui, o BArt reagrupou com as restantes companhias e terminaríamos a comissão embarcando novamente no Uige na tarde de 2 de Março, levantando ferro com destino a Lisboa às 00H00 do dia 3 e onde chegamos a 9 do mesmo mês pela manhã, seguindo de comboio para V.N. de Gaia (RAP2), onde se chegou a princípio da tarde.


Depois de entrega do espólio, todos recebemos um passaporte de licença por 21 dias e uma requisição de transporte para o tão desejado regresso a casa.


Passámos à disponibilidade em 1 de Abril de 1969.

Dos registos na História do Batalhão consta que o Júlio Tavares foi louvado pelo comandante do batalhão em 25 de Novembro de 1968.


A resposta que esperava do camarada Fernado Graça, a quem pedi para falar sobre o Júlio, acabou por chegar só hoje, ao que parece andou perdida pela rede pois o endereço antes usado estava incorrecto e voltava à caixa dele. (...)


3. Aqui fica então o que o Fernando, há distância de mais de quarenta anos, consegue recordar sobre o Júlio:


Caro amigo Vítor Condeço,


A razão desta mensagem é para falar sobre o soldado condutor auto Júlio Tavares que fez parte da CCS do BART 1913 estacionada em Catió.


Este amigo era conhecido por Madragoa, era um homem bem disposto, reinadio e bom camarada.


A alguns condutores (tínhamos 24 na CCS) foram distribuídas as poucas viaturas existentes, o Madragoa conduzia uma GMC, outros camaradas tinham os Unimog 404 e o 411, a Mercedes Benz, e os Jeeps.


Quando havia coluna de reabastecimento de Catió para Cufar todos os carros de grande porte faziam o trajecto entre estes dois aquartelamentos, operação que durava todo dia. Os abastecimentos vindos de Bissau em barcos apoiados pela marinha, quando chegavam ao cais velho de Catió, (I) as viaturas eram carregadas e seguiam rumo a Cufar, o nosso amigo Madragoa assim como outros camaradas condutores lá alinhavam nos seus 'mustangues'.


Enquanto os sapadores picavam a estrada, outros camaradas montavam segurança, o dia era passado numa azafama por razões obvias, creio que a viatura do Madragoa ou a do Fontes, um camarada de Famalicão, tinham sobre os guarda-lamas, nos estribos e no próprio chão da cabine do condutor, sacos de areia para amortecer o impacto do rebentamento de alguma mina que não fosse detectada.


O nosso amigo Madragoa também fez umas comissões de serviço em Ganjola, um pequeno destacamento a uns quatro km de Catió, era obrigatório fazer um mês neste destacamento, mas havia quem ficasse por lá mais tempo do que o habitual.


O Madragoa, quase no fim da nossa comissão, talvez dois meses antes, escreveu umas milongas (II) aos seus familiares a pedir dinheiro. Foram dois meses a tirar a barriguinha da miséria, bifes com batatas fritas no bar Catió e no outro bar que ficava em frente ao quartel do qual não me recordo o nome. (III)


Foi um manjar de deuses e brutas pielas. Fez bem o nosso amigo, porque quase dois anos de feijão-frade com atum de salmoura em barrica, arroz com calhaus que quase nos partiam os dentes e outras mistelas já bastavam.


E por isso, houve mosquitos por cordas quando fizemos um levantamento de rancho!


Quando chovia torrencialmente o nosso amigo Madragoa não se fardava, metia a capa impermeável camuflada pela cabeça, as botas e lá andava ele na sua GMC.


Envio-te esta mensagem a contar estes pequenos nadas, mas muito significativos para nós, que os vivemos.


Faz chegar à filha do nosso camarada MADRAGOA este lembrar do que passamos há quarenta e três anos.


Com um grande abraço do


Fernando Graça
Ex-Sold. Cond.
CCS/BART 1913
Guiné - Catió 1967/69
____________

Notas do F. G.:

(I) - Porto Interior


(II) - Falsas histórias


(III) - Era a Cantina do Sr. Mota
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

2 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5749: Álbum fotográfico de Júlio Marques Tavares, sold cond auto, CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) (Parte I) (Marisa Tavares)

1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5742: Em busca de ... (115): Camaradas de meu pai, Júlio Marques Tavares, CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) (Marisa Tavares)

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Estes aspectos relacionados com a emoção, a busca de recordações e a solidariedade são, sem dúvida, uma 'marca' deste nosso Blogue.
Hélder S.

marisa disse...

Agradeça-o a todo o mundo que ajudas mantêm a memória do meu pai vivo!

Thank you,

Marisa Tavares