sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5688: CART 1525, Bissorã, 1966/67: 1/3 do pessoal frequentou as aulas regimentais (Armando Benfeito da Costa / Rogério Freire)

1. Em homenagem ao Rogério Freire, que faz hoje anos, e à sua CART 1525, Os Falcões (Bissorã, 1966/67), publica-se um texto, retirado - com a devida vénia - da sua página, uma das mais antigas, dedicada à história de uma sub-unidade operacional no TO da Guiné.


O pequeno texto que se segue e que gostaria de divulgar foi em tempos enviado ao nosso saudoso coronel Piçarra Mourão, como um pequeníssimo contributo para o seu segundo livro. Nele se refere a acção educativa e de alfabetização levada a cabo pela Companhia durante os 22 meses que permaneceu na Guiné.


GUINÉ 1966/67 > Recordações … contributo para um livro

por Armando Benfeito da Costa, ex-Fur Mil


Da leitura do livro Guiné Sempre - [Testemunho de uma guerra] do mui ilustre coronel Piçarra Mourão, [ Editora Quarteto, 2001,] ressalta toda uma epopeia na qual é descrita a passagem, pela Guiné, da companhia de artilharia 1525, companhia independente adstrita ao Batalhão 1876.

Na resenha histórica, bem documentada naquele livro, o autor descreve histórias pessoais protagonizadas por ele próprio e por outros intervenientes, oficiais, sargentos e praças, ligadas sobretudo aos aspectos de âmbito militar em termos de relevância operacional e pouco mais.

Faltava, porém, algo que completasse essa passagem da companhia 1525 por terras da Guiné [...], o devido destaque e relato de outros eventos que, pelo seu valor e incidência, não deixaram de ser também importantes e marcaram, de uma outra forma, aqueles que estiveram envolvidos num projecto de índole educacional.

Passavam pouco mais de três meses de estada da 1525 na Guiné e já em Bissorã, foi proposto ao comandante de companhia a abertura de aulas regimentais dado que cerca de 1/3 das praças não possuía diploma oficial do ensino primário e, dentre elas, muitos analfabetos.

A proposta foi aceite e as aulas regimentais abriram a 19 de Maio de 1966. Muitos soldados frequentaram essas aulas a partir dessa data, repartindo-se pelas quatro classes que então se formaram, tendo em vista a obtenção do diploma da 3ª ou 4ª classe.

O horário de funcionamento era repartido por dois turnos, 17 às 18H30 e 21 ÀS 22h30, o primeiro dirigido às primeiras classes e o segundo às mais avançadas.

A actividade lectiva desenvolvia-se sempre com normalidade e os "estudantes" procuravam estar atentos e responder às exigências dos cursos que frequentavam. Todo este esforço era muitas vezes interrompido por um outro esforço, muito maior, provocado pelo desgaste físico e moral desenvolvido ao longo das "operações militares".

De qualquer maneira ficou-nos na memória que valeu a pena ter investido num projecto que veio a dar os seus frutos no final do ano lectivo de 1967 quando, após a realização dos exames do 1º e 2º graus (3ª e 4ª classes) os resultados falaram por si:
- Os 44 alunos que haviam frequentado a escola regimental da Companhia de Artilharia 1525, o haviam feito com sucesso, pois tinham obtido aproveitamento (11 da 3ª e 33 da 4ª), conseguindo regressar à metrópole com um diploma que lhes permitia inserir-se muito melhor na sociedade civil e responder melhor às exigências burocráticas dessa mesma sociedade.

Um outro aspecto ligado à influência da Companhia 1525 relaciona-se com a nomeação, por parte dos Serviços de Educação da Guiné, de um furriel miliciano, com o Curso do Magistério Primário, para exercer funções docentes na Escola Primária de Bissorã, onde teve a seu cargo o processo de ensino/aprendizagem das 3ª e 4ª classes, sendo que as duas primeiras classes eram leccionadas por um regente escolar nativo.

Obviamente que a população civil não deixou de reconhecer o facto de a escola primária ter passado a usufruir do trabalho especializado de um professor branco, o que permitiu uma maior procura para a frequência daquele estabelecimento de ensino.

Acresce dizer que, apesar de não ter havido, naquele tempo, qualquer reconhecimento oficial pelo trabalho desenvolvido, foi gratificante ter-se verificado o grau de satisfação dos soldados e alunos autóctones, porque, uns, regressariam à metrópole mais apetrechados e mais aptos; os outros por terem adquirido conhecimentos que lhes permitiu a obtenção de diploma que abria, aos que pudessem, a possibilidade de prosseguirem estudos, em Bissau.

Ainda houve, ligado ao primitivo projecto educacional, um outro sub-projecto que consistia em alguns soldados frequentarem turnos de "explicações" para poderem vir a fazer exame do 2º ano do liceu, sub-projecto esse que não se revelou exequível, mormente por falta de meios.

Importa salientar que todo o trabalho lectivo não prejudicava o esforço de guerra quer ao nível docente como discente, pois na hora da verdade todos eram chamados a cumprir os seus deveres militares operacionais.

Mesmo assim e ainda hoje, passados que foram já 35 anos alguns têm recordado, num misto de saudade e alegria, a sua passagem pela Escola Regimental da Companhia de Artilharia 1525, aquando dos "Encontros" anuais que se vêm concretizando e em boa hora iniciados.

Que este modesto contributo para o novo livro que o coronel Piçarra Mourão pensa escrever sirva para relembrar que a Companhia 1525 não só combateu com valentia no teatro de operações e isso está bem patente no livro "Guiné, Sempre!", mas desenvolveu um outro combate, dirigido ao analfabetismo que grassava no seio da própria Companhia, contribuindo, também, para que um pouco da Língua e Cultura portuguesas fossem divulgadas pelos jovens que então frequentaram a Escola de Bissorã, alguns dos quais conseguiram obter o diploma do ensino primário.

Galifonge, 2002. 12. 03
(Armando Benfeito da Costa)

Imagens: Cortesia de CART 1525 (Bissirã, 1966/67)

2 comentários:

Anónimo disse...

Deixo aqui o meu agrado pelo reconhecimento do trabalho da CART 1525, comandada pelo meu amigo de infância Jorge Piçarra Mourão.

Obrigado a todos,

Mário Fitas

ECD disse...

Está por fazer a história das escolas regimentais e o papel que elas tiveram ao longo de décadas no combate ao analfabetismo. Muita gente aprrendeu a ler nestas escolas. Um bom tema para historiadores e sociologos da educação que andem com falta de ideias sobre temas de investigação