segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5628: Antropologia (16): Canções antigas do Natal de Bissau (Manuel Amante da Rosa)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Amante, cabo-verdiano, antigo embaixador do seu país, a viver e a trabalhar neste momento em Macau no quadro de uma missão da CPLP, ex-militar dos serviços de intendência (Bissau, 1973/74), membro da nossa Tabanca Grande desde Maio de 2007 (*):

Assunto - Canções antigas de Natal na Guiné-Bissau (**)


Caro Luís,

Mão amiga enviou-me este anexo. Muito provavelmente muitos dos membros da nossa Tabanca Grande que tenham passado um Natal na Guiné, terão visto e escutado grupos de crianças que, festeiramente, andavam de porta em porta com pequenos presépios ou casas de papel, iluminadas com vela por dentro, mais uns bonecos articulados, alguns com caricas de garrafas de cervejas pregadas em tábuas de ocasião a chocalhar, acompanhando um coro, por vezes desafinado. São gratas recordações dessa tradição que ainda hoje persistem em Bissau.

Um forte abraço
Manuel Amante

2. Natal (de outrora) na Guiné.





Outrora e até o início dos anos 70 do século passado, era frequente, nas noites de 24 e 31 de Dezembro, as ruas da cidade de Bissau serem percorridas por grupos de jovens guineenses, oriundos dos Bairros periféricos, que consigo transportavam interessantes réplicas de igrejas e capelas. Eram as “Capelinhas”.


Feitas numa estrutura de madeira muito leve, vulgarmente denominada “tara” (Raphia sp. Exsicc. Esp. Santo 766), eram forradas a papel de seda, contendo, no seu interior, várias pagelas de santos e, ao centro, iluminadas por um coto de vela, o que, no breu da noite, conferia ao conjunto um aspecto de particular carinho.

Os grupos de miúdos percorriam as ruas de Bissau, cantando, de casa em casa, saudando, a troco de 5 tostões [1], com a seguinte cantilena os moradores. E, assim rezava:


I
S. José, sagrado e Nha Maria,
Ai quando foi, quando foi, para Bélém,
A resgatar Menino di Jesus,
L ’ ao pé, l ‘ ao pé da Santa Cruz.


II
Adório o mistério, sobrinho de minha alma,
Sobrinho de minha alma, do o Senhor,
Todo o doce encanto, todo reminado,
Todo o doce encanto, sempre a chorar.
Ai, ai, ai, ai, de vez em quando, Sempre a chorar.


III


A Angelina, a Angelina qui já moreu
Si não podia confessar se não do Papa, Si não
do Papa, se não do Bispo se confessou
Para pédir Boas Festas, boas almas.


IV


Adório o mistério, sobrinho de minha alma,
Sobrinho de minha alma, do o Senhor,
Todo o doce encanto, todo reminado,
Todo o doce encanto, sempre a chorar.
Ai, ai, ai, ai, de vez em quando, Sempre a chorar.



Acompanhada, sequencialmente pelos famosos bonecos, tipo espantalhos feitos de papelão, presos numa cana ou pequena haste de madeira, com os braços e pernas articulados, graças a um sistema de cordéis interligados, nas costas, dos referidos bonecos.

Estes bonecos eram conhecidos pela designação vulgar de “Quincões”, os quais os garotos accionavam freneticamente e, numa repetitiva ladainha, assim diziam:

Quincon, quincon
Cabeça de com [2],
Quincom, quincom
Rabada de com.

__________

[1] A que, em crioulo, designavam por “dôs xelins”


[2] Cão.

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5555: A navegação no Rio Geba e as embarcações do meu tempo: Corubal, Formosa, BOR... (Manuel Amante da Rosa)

12 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5455: Memória dos lugares (60): O Rio Geba e o navio Bubaque, do meu pai (Manuel Amante da Rosa)


27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...

(**) Vd. último poste da série Antropologia > 24 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5331: Antropologia (15): Um dos maiores tesouros artíticos da Guiné: os Sônôs (Beja Santos)


Vd. também blogue Nós com África > 8 de Dezembro de 2009 > Tradições de Natal na Guiné-Bissau

(...) No interior do país é habitual juntarem-se grupos de jovens da etnia Balanta e também de outras etnias durante a época das chuvas para fazerem a lavoura nas terras. Estes grupos são constituídos por cerca de 15 jovens. O pagamento desse trabalho é feito pelo dono de cada terra, através do pagamento de uma certa quantia ou de produtos (um porco, sacos de arroz ou outros produtos). Um dos jovens fica responsável por guardar o pagamento até à época do Natal. Com o aproximar do Natal, o grupo constrói uma barraca com folhas de palmeira, afastada da tabanca para os habitantes da aldeia não ouvirem o barulho dos festejos. Na noite de 24 de Dezembro os jovens de cada grupo juntam-se, matam um porco e dançam até à manhã de dia 25. No dia 25 convidam os mais velhos da tabanca e fazem uma grande festa onde comem, bebem, brincam e celebram durante todo o dia.



Em Bissau há missa à meia noite na véspera de Natal. Algumas famílias fazem uma ceia na noite de 24 de Dezembro. Embora não haja nenhuma comida típica para a ceia, podem fazer pratos tradicionais da Guiné-Bissau, como caldo de chabéu, caldo branco ou outros. A etnia Bijagó tem por tradição comer caldo de chabéu. No dia de Natal a festa dura todo o dia. Algumas pessoas cortam uma árvore do Bairro da Granja e é hábito decorá-la com balões. (...)

2 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Manel

A meninada ate criolizava o verso da musica... Kandi foi para Belem... estrofes de que nunca mais ouvi cantar..Boas recordacoes. Alias foi numa dessas cantilenas,integrando eu um bando de outras criancas do meu bairro... que com o meu colorido FANAL , vi pela primeira vez aquele que viria mais a tarde saber, tratar-se do Otelo Saraiva de Carvalho..foi pois na decada de 70,a porta da messe dos sargentos da forca aerea.

Acredita que no Haiti... de tao orgulhosos de uma ancestralidade negra que acreditam ser oriunda da Guine...existe uma tradicao semelhante...em todos os aspectos !

Mantenhas
Nelson Herbert
USA

Anónimo disse...

A meninada ate criolizava o verso da musica... Kandi foi para Belem... estrofes de que nunca mais ouvi cantar..Boas recordacoes. Alias foi numa dessas cantilenas,integrando eu um bando de outras criancas do meu bairro... que com o meu colorido FANAL , vi pela primeira vez aquele que viria mais tarde a saber, tratar-se do Otelo Saraiva de Carvalho..foi pois na decada de 70,a porta da messe dos sargentos da forca aerea.

Acredita que no Haiti... de tao orgulhosos de uma ancestralidade negra que acreditam ser oriunda da Guine...existe uma tradicao semelhante...em todos os aspectos !

Mantenhas
Nelson Herbert
USA