sábado, 16 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5656: Em busca de... (109): Manuel Quelhas, ex-1.º Cabo da CART 3567, Mansabá 1972/74, procura camaradas

1. Manuel Silva Quelhas, ex-1.º Cabo da CART 3567 deixou este comentário no poste "Guiné 63/74 – P5018: Em busca de... (93): Procuro ..."*:

Olá camaradas,
Quis o tempo que fosse a filha do camarada Henrique que viesse despoletar algo que há muito me intriga.
Tenho visto muita coisa na NET relacionada com Mansabá, graças ao nosso camarada LUIS GRAÇA, bem Haja.

Por aquilo que tenho lido parece que a Guerra acabou depois da CART 2732 ter saído de Mansabá. O que é feito da Companhia 3567 que esteve em Mansabá de 1972 a 1974? Será que fomos lá fazer Turismo? Será que já ninguém se lembra do Manhau, do Bironque, de Mandina Fula, de Cã Quebo, do Morés, etc.

Vejo com frequência, Capitães, Alferes, Furriéis, a enviar mensagens para Net relembrando a sua Companhia enviando fotografias. Da nossa Companhia nem vê-las. É uma pena. O que é feito dos nossos Oficiais e Sargentos? Estão todos zangados?
Não acham que deveríamos prestar homenagem àqueles que tombaram em combate, aos feridos com gravidade, inclusivé o Alferes Silva que comandava a coluna quando foi ferido com muita gravidade, o que é feito desses camaradas?


Não podemos esquecer as nossas baixas:

O Bonilha - morto em combate
O Cordeiro - morto em combate
O Pessoa - morto em combate
O Fur Mil Sá Lopes - morto em combate
O Fur Mil Costa - morto em combate
O Amaral - morto em combate
O Furriel do 3.º Pelotão sem uma perna
O Mourão (Condutor) sem uma perna
Um sold.do 4º pelotão, sem uma perna
O Vilar, gravemente ferido
O Alf Mil Silva, gravemente ferido
O Furtado, gravemente ferido;

e tantos camaradas que vieram evacuados para Lisboa, feridos com gravidade, já não me lembro do nome de todos, peço imensa desculpa.

Afinal também temos Historial. Faço aqui um apelo aos nossos Oficiais e Sargentos: reunam-se se for possível porque o tempo já não é muito.

Um abraço para todos,
1.º Cabo Quelhas
manuelsilvaquelhas@gmail.com


Vista aérea de Mansabá

2. Comentário de CV:

Caro Manuel, como nota prévia convém informar os nossos leitores de que já trocámos umas mensagens, que mais abaixo vou publicar, mas antes quero referir-me a este teu comentário.

Quase me assustei, quando te comecei a ler, porque te julguei zangado com a CART 2732, onde militei durante 23 meses. Afinal o teu descontentamento prende-se com a ausência de notícias da tua CART neste Blogue.

Tens razão. A partir da Cart 2732, de Mansabá pouco se sabe. Sei eu que a CCAÇ 2753 nos foi render temporariamente, porque ela própria estava prestes a acabar a sua comissão de serviço, sendo então, ao que deduzo, rendida pela tua Companhia. Julgo não estar errado.

Digo eu, que para começar, devias dar o exemplo aos teus camaradas, alistando-te na nossa Tabanca e começando a contar aquilo de que te lembras, sendo, quem sabe, um incentivo para os teus companheiros fazerem o mesmo. Serás uma espécie de rastilho que poderá provocar uma reacção em cadeia.

Além de mais, não cabe só aos oficiais e sargentos a missão contar as suas memórias e a história das Unidades. Temos no nosso Blogue belíssimos exemplos de ex-Cabos e Soldados que escrevem muito bem, mas se alguém precisar de uns retoques, de acordo com as nossas possibilidades, também ajudamos. O que é preciso é falar, neste caso escrever.

Como já combinámos vou publicitar a nossa troca de mensagens.


3. Mensagem de CVpara Manuel Quelhas, com data de 13 de Janeiro de 2010:

Caro camarada Manuel
Depois desta tua intervenção, só tens uma hipótese de corrigir a falta de notícias da tua Unidade. Junta-te a nós e começa a contar as tuas histórias. Manda-nos também as tua fotos com legendas para as podermos publicar.

Este teu camarada esteve em Mansabá na CART 2732 entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972 e deixou por lá muita guerra para os que se seguiram. Conhecemos muito bem as localidades que referes, especialmente o Bironque onde eu e outro camarada levantámos uma mina anticarro e onde anteriormente uma outra tinha destruído a nossa GMC de estimação, ferindo com bastante gravidade o seu condutor de ocasião.

Também andámos por Manhau e Mantida, Cã Quebo, Madina Fula e outras santas terras onde porradinha não faltava.
Na estrada para Cutia, perdemos ali perto de Mamboncó dois briosos camaradas madeirenses. Paz às suas almas.

Fico à espera de notícias tuas.
Manda-nos uma foto tipo passe actual e outra do tempo de guerra, fala-nos da tua Unidade, quando embracou, quando regressou, por onde andou e quais os maiores roncos.
Podes também falar um pouco de ti, tal como o teu posto, onde moras e outras coisas que não invadam a tua intimidade, mas que os amigos (e somos muitos) gostam de saber.

Para já deixo-te um fraterno abraço e votos de que gozes de boa saúde.
Teu camarada
Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art
CART 2732
Mansabá
1970/72


4. Resposta de Manuel Quelhas com data de 14 de Janeiro de 2010:

Meu caro Carlos,
Obrigado pela visita. Pois caro camarada já tinha visto a tua fotografia com a mina no bironque, todos os que passamos por lá conhecemos aquele local, também naquele local rebentámos uma mina com uma Berliet. Fomos ao k3 e à vinda para Mansabá, já de noite, rebentou uma mina na viatura da frente. Era esssa a nosa vida, sempre em risco como sabes.

Tenho visto o teu trabalho na Net e o do Luís Graça, grande obra, mas digo-te de verdade que Mansabá tem ainda muito por contar. Eu não sou a pessoa devidamente documentada, o que tenho é de memória, pois era 1.º Cabo Atirador, mas sei que há pessoas que têm o historial da nossa Companhia, eu apenas me lembro de factos concretos, não me preocupava muito com fotografias, não tinha como tirá-las, as fotografias que tenho estão na minha cabeça e essas não me esquecem.

Vou-te contar um pequeno episódio que se passou com um colega meu que não há meio de esquecer:

Íamos nós fazer uma coluna a Mansoa. Eu mais o Bonilha, que era do 1.º Grupo de Combate, eu era do 2.º Grupo, estávamos a encher o cantil de água antes de montarmos para cima das viaturas, Ele virou-se para mim e disse-me:

- Quelhas lá temos que fazer mais uma coluna, isto é muito perigoso - dizia ele, parecia que estava com medo, tentei acalmá-lo sabe Deus como, pois sabia do perigo que eram aquelas colunas.

Lá lhe foi dizendo:

- Pois temos Bonilha, pois temos, mas não te preocupes que não há-de ser nada, vamos ter que fazer ainda muitas, não há-de ser nada Bonilha.

Seguimos para cima das viaturas e lá partimos em direcção a Mansoa, antes de chegar a Cutia, mais ou menos no carreiro da Morte, tivemos uma emboscada, depois de todo aquele tiroteio e de toda a confusão, como sabes, levanto-me e vejo um camarada cabonizado, entre outros, pergunto quem é, e diz-me um colega:

- É o Bonilha.

Um abraço, fico por aqui
M.Quelhas


5. Caro Manuel
Mandei-te mais uma mensagem, mas não acrescenta nada em termos de blogue.

Esta história do Bonilha é trágica, mas infelizmente não é única.
Único foi para ti o momento em que viste o teu camarada morto a teu lado. O camarada que, horas antes, te deu a entender que pressentia algo que não era bom, mas não estava nas tuas mãos alterar o seu destino.

Nuca mais o esqueceste, nem as suas palavras, e isso é a maior homenagem que lhe podes prestar. Vais viver com isso até ao fim dos teus dias, é esse o preço que tens de pagar.
Se leres algumas das imensas páginas deste Blogue, verás histórias semelhantes à tua, e camaradas com recordações que os corroem por dentro há mais de 30 anos e sabe-se lá por quantos mais terão que as carregar.

A nossa geração pagou um preço altíssimo por uma política desajustada aos tempos que corriam. Só se saldarão as contas com a morte do último ex-combatente da guerra colonial.
A partir daí, o stress pós-traumático apenas será devido às privações do telemóvel, PC portátil sem internete e outras coisas fundamentais da sociedade moderna. Nós nem telefone tínhamos, mas isso eram pormenores sem importância. Também passámos fome e sede. Também dormimos em buracos. A nossa família esteve muitas vezes durante semanas sem saber se éramos mortos ou vivos. Que digo eu, palermices de meio-velho.

Caro Manuel, pela afinidade que nos une enquanto ex-residentes de Mansabá, renovo o meu convite para te juntares a nós. Verás que escrevendo no Blogue aquilo que na família já ninguém quer ouvir, te ajudará, ao mesmo tempo que ficarás a saber que fazes parte de um grande grupo de homens, e mulheres, que só entre si se compreendem.

Recebe um abraço em nome da tertúlia e toda a solidariedade dos que se sentem teus pares.
CV


Estado em que ficou um Unimog ao serviço da CART 2732, numa emboscada na estrada Mansabá-Mansoa, perto do célebre carreiro da morte, no dia 6 de Dezembro de 1971. Nesta emboscada perdemos dois camaradas do 3.º Pelotão


Fotos: © Carlos Vinhal (2009). Direitos reservados.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5018: Em busca de... (93): Procuro qualquer informação sobre o pessoal da CART 3567 "Os Insaciáveis". – 1972/74, (Paula Sofia Ferreira)

Vd. último poste da série de 16 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5655: Em busca de... (108): Neusa Danho procura amigos de seu pai, o 2.º Srgt Mil Cristóvão dos Santos

5 comentários:

Anónimo disse...

Camarada Manuel Quelhas

Como "atabancado" temporário de Mansabá nos idos de 1971, venho reforçar a sugestão do amigo e camarada Carlos Vinhal, para que contes tu, desde já, as tuas recordações, como essa que já fizeste, juntando-te a nós nesta Grande Tabanca.
Um facto já encontrei, uma certa semelhança com a CART 2732.
A tua CART 3567 foi igualmente bafejada quanto a Cmdt's. Nada menos que 4!!
De facto foram vocês que renderam a "Açoreana" CCaç 2753.
Um abraço
Jorge Picado (um dos vários Cmdt's da CART 2732)

Anónimo disse...

Camarada Quelhas!

Confirmo o que o Vinhal e o Jorge
Picado já afirmaram. Penso que algures entre Maio/Junho de 1972, a tua CART 3567 rendeu a minha CCaç.2753(Açoreana) em Mansabá, após a respectiva sobreposição. Nós em Fev.72 rendemos a Madeirense CART 2732 (do Vinhal e do Picado, embora este último, que até foi seu Comdt. (temporário)já lá não estivesse, mas nós 2753, em Fev.72 quando rendemos a 2732, já tinhamos quase 20 meses de comissão,embora na mesma ZONA de OPERAÇÕES, (Zona Operacional do COP.6) que se estendia para Norte até ao K3, melhor, até à margem esquerda do rio Cacheu, em frente a Farim. E nós, 2753, estivemos 12 ou 13 meses no K.3, que práticamente reconstruímos, depois de termos passado pelo Bironque, e por Madina Fula, "acompanhando" a reabertura e pavimentação da estrada Mansabá-Farim, ao serviço do COP6, juntamente com a 2732, sediada em Mansabá, sede do dito COP,e com 1 Comp. de Paraquedistas (penso que a CCP 121, do então Capitão Pára Mira Vaz e 1 C.Comandos, penso que a 27ª., mas já não tenho a certeza, lembro-me que o seu Comandante era ou foi o Barbosa Henriques, pois creio que já terá falecido. Como vês caro Quelhas, o mundo é pequeno e o nosso Blogue é grande, como costumam dizer os n/Editores e nós confirmamo-lo a cada instante.
Da CCaç. 2753 penso que só eu e o Vitor Junqueira é que estamos na Tabanca, mas tu Quelhas, passas a representar a CART 3567, e como diz a canção do Zeca Afonso, tráz um amigo também, e já agora da tua CART.
Benvindo,
F.Godinho
EX. Fuir. Milº. da C.Caç. 2753

Carlos Vinhal disse...

Caros camaradas
Venho só confirmar as duas presenças no nosso Blogue do Francisco e do Vitor da CCAÇ 2752.

Confirmo também que era a 27.ª CCOM que estava em Mansabá a reforçar os efectivos do COP 6. Não tenho a certeze de qual a(s9 Companhias de Páras que estavam connosco.

A 2732 quando foi para Bissau para aguardar embarque, levava o seu 6.º Comandante, o 5.º na Guiné.
Claro que não conto com o Alf Mil Casal que também comandou a CART na qualidade de Oicial subalterno maus velho.

Como diria o Torcato... vidas.

Um abraço
Vinhal

Carlos Vinhal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Vinhal disse...

Queria eu dizer na mensagem que eliminei que, onde se lê 2752 se deve ler 2753.
Desculpem
Vinhal