quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5602: Histórias do Eduardo Campos (3): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério, Cadique/Cantanhez (Parte 3): Nós e o PAIGC no Cantanhez

1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a sua 3ª mensagem em 6 de Janeiro de 2010:

C. CAÇ 4540 – 72/74

"SOMOS UM CASO SÉRIO"




PARTE 3
CADIQUE/CANTANHEZ


De novo em Cadique e como “prémio” do meu regresso, fui brindado com a informação do meu furriel, que no dia seguinte iria sair com dois grupos de combate, para fazer protecção à coluna de viaturas que iria abastecer Jemberem.





Por volta das 05h00, saímos do acampamento, picada fora e fomos estacionar sensivelmente a meio da estrada Cadique/Jemberem.

Durante o percurso, sempre atrás do capitão e com o rádio AVP 1, o mais escondido possível, lá ia enviando umas “bocas” para o meu amigo Alferes Pereira, que vinha com o outro grupo.

Tudo corria na perfeição e já com as viaturas de regresso a Cadique, era suposto pelo menos um grupo aproveitar a "boleia” de regresso, enquanto o outro grupo iria inspeccionar um campo de minas existente na zona. Às ordens do capitão, o meu grupo começou a deslocar-se em direcção á estrada, para apanhar as viaturas, e não é que, do outro da lado da estrada, surgiu um outro grupo, pertencente a outra Companhia, a fazer a mesmo?!

Este episódio poderia ter tido consequências de maior, já que aos gritos o meu capitão mandava recuar o outro grupo, ao qual o alferes que o comandava, também aos gritos, dizia que nem pensar.

Depois de uma gritaria louca, o alferes levou a melhor e nós, que estávamos ainda muito perto da orla da mata, toca a deitar no chão e aguardarmos que os mesmos fossem á vidinha deles.

Aquando da nossa chegada ao CANTANHEZ, o PAIGC movimentava-se de facto à vontade, pois foram encontradas escolas, onde recolhi um “troféu” (um livro de 1ª Classe) e um lápis. O livro ofereci-o, nos finais dos anos 70, a um amigo meu.

Foi encontrado também uma arrecadação de munições, um posto sanitário e uma instalação que servia de Registo Civil (o que se comprovou pelos documentos ali encontrados).

O PAIGC fazia entrar os seus efectivos, provenientes das bases da República da Guiné, utilizando o “corredor” de Guileje e outros, e “cambando” o Rio Cacine, para depois se infiltrar nas matas do Cantanhez.

As cambanças entre o Tombali e o Cantanhez eram habitualmente feitas entre Cabobol-Balanta e a Bolanha de Caboxanque. O itinerário normalmente seguido pelas colunas de reabastecimento para este sector ou para o Como, era a seguinte: Salancur Cul – Bolhé Imbumbu – Cruzamento do Iem – Janganc-Laucahndé – Cadique – Cafal Caque – Darsalame.

Com a recuperação da zona do Cantanhez, o PAIGC teve de abandonar apressadamente a área que inicialmente controlava, para se refugiar em outras zonas. Existiam alguns acampamentos clandestinos camuflados sob as matas de Cadique Iala, que foram completamente queimados e destruídos.


O PAIGC abastecia-se de arroz, colhido nas bolanhas da bacia do Cumbijã, que eram bastantes férteis e produziam intensamente, fruto do trabalho das populações locais. ~

 

Não me pareceu que as populações fossem forçados a ceder o arroz ao PAIGC, uma vez que elas estavam a seu lado e, se deixavam de lhes prestarem auxílio alimentar, ou outro, foi porque, sem qualquer demagogia da minha parte, ficavam aprisionadas na área do nosso aquartelamento.

À data do desembarque da CCaç 4540 em Cadique, era a seguinte a situação do IN, segundo informações dos S.I.M.:

  • 1 Bigrupo Comandado por Bacar Mané
  • 1 Bigrupo Comandado por Lourenço Ferreira
  • 1 Secção de Artilharia Ligeira Comandado por Mamadu Djassi
  • 6 Grupos FAL
Cadique Imbitina: Biaia Nan Bagna – Comandante de Grupo, armado de PPSH e os restantes elementos FAL armados de carabinas e espingardas Simonov.

Cadique Iala: Fiere Na Santa e Pana na Curtché - Prováveis comandantes de Grupo.

Chefes Políticos: Sana Na Bué – Presidente do Comité.

Comissário Politico: Via Na Chindi.

Cadique Nalú: Abu Camará – Comandante de Grupo.

Chefe Político: Presidente de Comité.

Geraldo (papel) – Responsável pelos reabastecimentos no Cubucaré.


A missão da nossa Companhia em Cadique iria ser desenvolvida, principalmente em duas actividades: (i) no campo militar: (ii) no domínio sócio-económico.
(i) Campo Militar:
  • Instalar-se na povoação, por forma a assegurar a defesa eficiente da população.
  • Consolidar as suas instalações defensivas, em ordem a melhor poder defender os aglomerados populacionais e reagir a eventual actividade do PAIGC.
  • Assegurar a posse e livre utilização dos portos fluviais, para que nós, os militares, e a população, pudéssemos navegar no Rio Combijã, montagem de peças de Artilharia, criação de Serviços Informação Militares, protecção à construção da estrada Cadique/Jemberem, etc.
(ii) Domínio Socio-Económico:

  • Desenvolver, com intensidade, os trabalhos de Construção do Reordenamento de Cadique, Porto, Heliporto, etc.
  • Assegurar o funcionamento dos seus Postos Escolares Militares, prestar assistência sanitária às populações, etc.
O PAIGC exercia desde o início da guerra uma forte propaganda psicológica sobre as populações, não admirando, portanto, que estas gentes se encontrassem fortemente mentalizadas pela sua ideologia.

Como muitos outros jovens da minha geração, na época, de política pouco sabia, a não ser que grandes potências coloniais como o Reino Unido, a França e a Bélgica foram obrigadas a entregarem o seus impérios e Portugal teimava em resistir nos que então administrava.
Com estes acontecimentos vividos no teatro da guerra, comecei a interrogar-me sobre: “OS PORQUÊS DESTA GUERRA?”




Foto 28 - Why? Porquê? (Poster de autor desconhecido)

Um abraço Amigo,

Eduardo Campos

1º Cabo Telegrafista da CCaç 4540


Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
_____________

Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:




6 comentários:

MANUEL MAIA disse...

CARO EDUARDO,

MAIS UMA VEZ,FAZES UMA DESCRIÇÃO PERFEITA DO QUE SE PASSAVA NA ZONA.
TAMBÉM APANHEI UM LIVRO DA PRIMEIRA CLASSE,EDITADO NA SUÉCIA.
NO QUE RESPEITA AO POSICIONAMENTO DA POPULAÇÃO,COMUNGO DA TUA OPINIÃO.
QUANDO CHEGUEI A CAFAL.A POPULAÇÃO TINHA FUGIDO DO NAPALM E REGRESSAVA DE QUANDO EM VEZ A TENTAR APANHAR O QUE DEIXARA PARA TRÁS NA FUGA DESORDENADA DO LOCAL.
JÁ EM CAFINE O SEU REGRESSO FOI CÉLERE,E FOMOS PARA LÁ ERIGIR UM AQUARTELAMENTO ,DEPOIS DE CONSTITUÍDA EXEMPLARMENTE A FASE DOS REEORDENAMENTOS COM A FEITURA DE INÚMERAS MORANÇAS PARA A POPULAÇÃO.
NOTAVA-SE UMA LIGAÇÃO DA POPULAÇÃO COM O PAIGC,ACONTECENDO MESMO COM ALGUMA ASSIDUIDADE A VISITA DE ELEMENTOS DO PAIGC À TABANCA,JÁ DE MADRUGADA...
UMA VEZ,ESTÁVAMOS JUNTO AO RIO A FAZER PROTECÇÃO AOS ELEMENTOS DA MARINHA, QUE FAZIAM AS MEDIÇÕES DO NÍVEL DA ÁGUA DE 30 EM 30 MINUTOS,
QUANDO MADRUGADA JÁ ALTA UM CABO DO MEU GRUPO SENTIU UMA BALA ASSOBIAR-LHE AO OUVIDO.
ACENDERA UM CIGARRO,QUE QUASE SERIA O ÚLTIMO.
O ELEMENTO DO PAIGC,DEIXARA O BARCO RELATIVAMENTE PERTO DO IMPROVISADO CAIS ONDE NOS ENCONTRÁVAMOS,E TENTOU A SUA "SORTE" NO DISPARO.

FELIZMENTE,NÃO SERIA ATINGIDO.

Luís Graça disse...

Eduardo:

Os meus parabéns por decidires partilhar connosco as tuas memórias do tempo de Guiné... Gosto do estilo solto e do cunho pessoal que imprimiste às tuas notas.

Faltavam-nos depoimentos (e documentos fotográficos) - como os teus e os do Manuel Maia - sobre essa temerária (e talvez derradeira) iniciativa estratégica do Gen Spínola para fazer, se não cheque-mate ao PAIGC e ao Amílcar Cabral (que seria entretanto assassinado em 22 de Janeiro de 1973), pelo menos para negociar (com Lisboa e com o PAIGC) numa base mais equilibrada, ou sejam, em que os termos de troca lhe poderiam ser mais favoráveis...

Está por fazer o balanço da Op Grande Empresa (reocupação do Cantanhez)... Mas isso por agora não nos interessa. Fico a aguardar, com muito interesse, o resto do teu depoimento...

Um abraço para to e outro para teu cunhado, o José Casimiro Carvalho (que eu tenha pena que não possa estar, no dia 20, em Guileje; haveremos de lá voltar, os 3 mais os que quiserem apanhar o avião... em 2011).

Luís Graça

Anónimo disse...

Se fosse possível aos editores, agradecia o favor de darem outra cor ao texto que não o amarelo. Eu, não consigo ler aquelas duas linhas.
Um abraço,
Belarmino Sardinha

Anónimo disse...

LUIS GRAÇA

A nostalgia começa a fazer mossa, quem sabe!

Aproveito para te desejar uma boa viagem e estadia.

Um Abraço Amigo

Eduardo Campos

Anónimo disse...

Parece mentira mas...finalmente o meu querido e estimado cunhado...abriu o livro,pois apesar das minhas constantes investidas ele não se soltava.
Ainda bem que o fez para gaudio dos mais ávidos por estas estórias de tal forma soltas e NAIF...ESCAS, que raiam a primária (no sentido literal da maneira de as contar,claro) e que vão de encontro aos amantes do assunto...como eu , claro.
Espero ter sido eu o percursor (espoleta,detonador) de tão hábil contador de estórias.
Continua Campos que a populaça adora.

José Carvalho
Guileje.

PS
Gostaria de informar a Tertúlia que eu e ele não temos nada de cúmplicidade neste arreigar de inspiração do nosso Cabo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eduardo: A boa viagem... só se for para o ano. Como eu já disse no blogue, não poderei estar em Guileje no dia... Vou ver se alguém, do blogue, nos representa. Lembrei-me que o Xico Allen está na Guiné, na Anura...

Um abraço para os "cunhados"... Luís