segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5553: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (6): O Geba e as viagens do Bubaque



Guiné > Rio Geba > A caminho de Bissau > 1968 ou 1969 > O Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, Mansambo, 1968/69, num dos típicos barcos civis de transporte de pessoal e de mercadoria, que fazia a ligação Bambadinca-Bissau-Bambadinca, passando pela temível Ponta Varela, na confluência do Rios Geba e Corubal e o assustador Mato Cão, no Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca. Estes barcos (alguns ligados a empresas comerciais, como a Casa Gouveia) tinham, como principal cliente a Manutenção Militar. Pelo Xime e por Bambadinca passava o "ventre da guerra" de toda a Zona Leste. (Não tenho a certeza se este era o "Bubaque", que pertencia ao pai do embaixador Manuel Amanante da Rosa, membro da nossa Tabanca Grande).

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados.


1. Texto de Arsénio Puim, escrito originalmente em resposta a um comentário de Manuel Amante da Rosa (*):

13 de Dezembro de 2009
Luis Graça



Mando um pequeno trabalho relativo ao comentário amigo de Manuel Amante da Rosa, sobre o «Bubaque». Também mandei hoje um comentário para José Marcelino Martins, com uma info.




2. Recordando... VI > Ainda o Geba e o "Bubaque"

Começo por enviar um abraço ao nosso camarada Manuel Amante da Rosa (**), cujo texto, publicado na sequência das minhas memórias sobre o rio Geba e a memorável viagem no «Bubaque», apreciei muito, em si e pelo encontro que nos proporcionou.

Como este mundo é pequeno e como é grande o poder deste blogue!

Obrigado pelos dados que nos forneceu sobre a «biografia» do histórico «Bubaque» e a carreira, que ele desempenhava com tanta proficiência, entre Bissau e Bambadinca.

Esta foi a minha viagem de eleição no território da Guiné, pela sua originalidade, pela sua distância e pelo seu encanto. O Geba estreito constituiu, de facto, o troço mais palpitante, nomeadamente o Mato Cão – até o nome não sabe bem – onde, desta vez, não estava o nosso alferes Cabral, de Missirá, para ver o barco passar e nos proteger. O trajecto do Geba largo, até ao Xime, eu já o tínha percorrido, em LDG, quando o nosso Batalhão deixou Bissau e veio para Bambadinca, mas era de noite e foi às escuras.

A viagem do «Bubaque», desde as 10 horas às cinco da tarde - não sei se parámos em algum porto intermédio, como o Xime, já não me lembro - correu muito bem, com muita ordem, boa convivência e sem qualquer problema. Foi um espectáculo permanente oferecido aos nossos olhos e que, como em outras ocasiões, me fez pensar e sentir: que pena a guerra!...

Julgo que o rio Geba é um importante recurso natural da Guiné, com grandes potencialidades, inclusive turísticas, pela sua navegabilidade e beleza, pela curiosidade do macaréu, pela sua importância piscícola assim como para a cultura do arroz nas bolanhas marginais.

E o mesmo se pode dizer do Corubal – não conheço os outros rios – que também é navegável, mas não era navegado na altura, por não oferecer segurança em razão da ocupação e controle da linha do Corubal pelos guerrilheiros.

Não sei o que acontece hoje, após a guerra. É possível que, com o livre trânsito das vias terrestres, as carreiras fluviais tenham perdido importância, ou não. Mas se eu voltasse à Guiné, gostaria de fazer, precisamente, a mesma viagem no Geba, que, afinal, não acabou em Bissau.

Depois de dormir uma noite no «Vaticano» - assim se chamava a residência do Capelão Chefe e onde ficavam os capelães que estavam no mato quando se deslocavam a Bissau – embarquei de novo na manhã do dia seguinte para Bolama, onde decorreu um encontro dos capelães militares do território.

Desta vez, o barco, ainda de menores dimensões, era o «Corubal» - não sei qual era a empresa proprietária –, que desceu o Canal do Geba (que o nosso Batalhão tinha subido alguns meses antes no Carvalho Araújo), circundou a costa leste da zona continental, passou ao largo da ilha das Cobras e a ilha das Areias, e três horas e meia depois aportava na majestosa e decadente antiga capital da Guiné, na excelente ilha de Bolama.

Arsénio Puim

4 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Havia um barco a transportar quase tudo entre Bissau e Bambadinca: a BOR

Via-a passar do Mato de Cão. Mais tarde - procurei e encontrei no P2527- viajei nela entre Bambadinca e Bissau. Acontece que nunca vi uma FOTO dessa embarcação. Era engraçado, caso alguém a tenha, aparecer aqui no blogue. Tenho saudades da dita...e do resto.

Abraços do,
Torcato
ps (devido a confusões...)há, diziam as más línguas, estórietas com alguns barcos - de Casas Grandes-...um dia talvez conte...

José Marcelino Martins disse...

Caro Arsénio Puim

Não sabia que se chamava VATICANO à residência do Capelão Chefe, quando por lá passei em 1968 (Junho ou Novembro), para dar uma abraço ao Capitão Capelão Capitão (Manuel Capitão, de seu nome) que veio a ser o Chefe dos Serviços Religiosos do Exército em Lisboa.
Deixou o sacerdócio, para casar. Quando vim morar para a região de Lisboa (Odivelas) procurei por ele, mas nada me adiantaram do Serviço de Pessoal.Pelo que me foi dado a entender,creio que "Regressou à Casa do PAI (Rip).

Anónimo disse...

Essa Guiné "fluvial" (portuguesa) das memórias de Arsénio Puim, não existe mais. Nem no aspecto romântico que o Arsénio quer transmitir, nem no movimento comercial que esse movimento fluvial representou, principalmente antes da guerra.

Embora, o PAIGC (de Luis Cabral e Amilcar) chegasse a projectar e a executar parcialmente o retorno a esses trajectos fluviais coloniais e tradicionais, modernizando vários cais, como Binta, Cadique, Caboxanque, Cacine e várias rampas.

Mas se o Arsénio quiser arriscar uma aventura romântica e com alguma adrenalina, em alguns canais, navegam umas canoas tradicionais, que dá, com um pouco de imaginação, voltar aos nossos 20 anos.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Caro Arsénio, por cá, em Macau, já é bastante tarde mas é a melhor hora para passar uma revista às actividades da Tabanca Grande. Quanto ao navio quer me parecer, pelo mastro da proa, suposição que a casa de leme estaria bem à popa e ser construído em ferro que seria um dos batelões ou lancha da casa Gouveia ou da Ultramarina. Talvez, mas ainda sem certeza, possa ser um dos batelões da Marinha (BM2), para emprego civil. Como se pode observar do amontoado de passageiros, sem qualquer protecção contra o sol ou outras intémperies o número de feridos e mortos em caso de ataque à passagem por Mato Cão sempre era- infelizmente- significativo. O Corubal e Formosa eram navios de bom porte, estelizados, lindos, velozes, com boas condições de segurança e navegabilidade, que faziam a carreira de Bolama, Bubaque nos Bijagós, Cacine, Cacheu e alguns outros portos. Foram construídos nos Estaleiros de Viana do Castelo em 1952, pela placa que tinham no confortável camarote da primeira classe. Dizia~se que o motor a diesel que tinham, penso que de oito ou dez cilindros, tinham sido construídos pela Alemanha nazi para os seus submarinos. Nunca comprovei este detalhe. Calavam mais de um metro e meio pelo que só vi uma vez o Formosa no porto de Xime na mará cheia. Mas que teriam chegado a Bambadinca antes da guerra. Da última vez que viajei nele foi no fim da especialidade, em Bolama, com destino a Bissau acomapanhado de mais de 300 militares que saiam do CIM. Lembro'me de que viajou connosco o Capitão Moás, que era de Cavalaria. Quanto ao BOR, como os outros, também era do Comando da Defesa Marítima. Era o que se chamava um ferryboat, para transporte de viaturas, cargas a granel, passageiros, gado e tudo o mais que houvesse, incluindo a guarnição de várias unidades militares a nível de companhias e seus apetrechos e viaturas. Tinha dois potentes e ruidosos motores, um a bombordo e outro a estibordo, que lhe permitia grande capacidade de manobra e calava pouco. Mas era lento de exasperar e desconfortável. O sol era abrasador para quem não estivesse abrigado. Levava facilmente mais de 400 passageiros e cargas.Era seguro e muito utilizado para o transporte das guarnições militares.
O Rio Geba já não é navegavel a montante de Xime. A falta de navegação nesse trecho também contribuiu para o assoreamento do rio em muitos pontos. Mesmo para canoas a motor.
Tentarei trazer mais pormenores dos navios e gentes que desafiavam o Mato Cão.
Abraço
Manuel Amante