quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5435: Os nossos regressos (19): Dia 4 de Dezembro de 1969, já lá vão 40 anos (Torcato Mendonça)



Texto de Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69, enviado em mensagem com data de 4 de Dezembro de 2009, relembrando uma data marcante, o dia de embarque no Uige que o traria definitivamente ao solo pátrio depois de 23 meses de comissão.





4 DE DEZEMBRO DE 1969
Há quarenta anos


Há quarenta anos que, a um quatro de Dezembro, embarquei no Uíge a caminho de minha Pátria, do meu País. Vinte e três meses depois de ter na Guiné desembarcado. Parecia que fora há muitos anos e só dois, menos do que dois, tinham passado. Vinha indelevelmente marcado. Era outro que naquele dia regressara. Quarenta anos se passaram e sempre este dia e o dez de Dezembro, por mim foram recordados.

Lembro o dia a amanhecer, quente, as gentes atarefadas a embrulhar as trouxas, o 1.º Sargento a querer mais umas assinaturas, a incerteza se embarcava ou ficava na Comissão Liquidatária. Evidentemente, quer eu quer os profissionais da Companhia torciam pela minha partida.Obviamente.

Juntamo-nos nas traseiras dos Comandos e recordo dois amigos da 15.ª ou 16.ª a chamarem pelo meu nome. Despedimo-nos e depois foi a formatura, ouvir uns discursos, o desfile com a fanfarra à frente e nós a não sabermos já acertar o passo, ou, num marchar desengonsado e esquecido. Lá fomos a marchar e a bater pés, a olhar à direita em cumprimento a gentes no palanque postadas. Fartos, mais que fartos com aquela cerimónia toda. Pior que ida ao Poidom...

Juntamo-nos e embarcamos em viaturas ali colocadas. Destino o cais com o Uíge à vista.


Depois foi a espera, a distribuição de uma ração diferente e melhor.
O protesto de alguns:
- Agora é que dão disto?

Eu e todos esperavamos e desesperavamos. Mais eu porque olhava para todas as viaturas que ali chegavam. Ai que ainda recebo ordem de voltar atrás... e foi o tempo passando... finalmente a ordem de embarque. Primeiro para umas lanchas e depois para o Uíge que, devido ao calado, tinha do cais ficado afastado. E fui a medo, quase no tente não caias e subi as escadas. Instalei-me e esperei e o barco não partia, não partia e havia ainda gentes a irem e virem... que merda, que merda e fui até ao camarote. Olhava para a mala e os sacos... arrumo ou não?

Esperei e fumava. Bebida ká tem e o bar fechado. Sacanas. Quase sem dar por isso senti o barco a afastar-se e vim ver... e Bissau a ficar mais além, mais ao longe. Agora já não me vêm buscar e não vieram e o mar veio chegando e nós nele entrando.

Que coisa boa aí vou eu e muitos mais, não todos infelizmente, não todos.

A dez, seis dias depois chegamos, diferentes, olhares meio assustados, envelhecidos por dois anos ou por duas dezenas? Não sei. Todos os anos recordo aquele dia, o último em terra da Guiné e nunca mais voltei ou voltarei - nunca digas nunca? Não, não voltarei. Tenho saudades da Gente das Tabancas, dos homens que comigo andaram no mato e muito me ensinaram, das mulheres ou de algumas que comigo se deitaram ou não e das crianças, das crianças lindas que eram o fruto do amor daquele Povo. Ainda recordo o respeito que tinham pelos mais velhos, os velhos, certamente mais novos do que eu sou hoje, a quem uns parvos chamam sénior para não dizerem descartável...

Adeus Guiné. Abraço o teu Povo das Tabancas, abraço os Militares que comigo vieram e, se acreditasse na vida do além abraçava quem não veio... Assim curvo-me em respeito à sua memória.

Espero recordar muitos 4 de Dezembro e que outros o possam igualmente fazer.

Meus Caros Editores aí vai o meu regresso à Lusa Pátria. Fui escrevendo ao sabor da tecla...

Abraços para todos e o mail qual é? Deu-me esta droga... depois vejo...

AB do TM
Torcato Mendonça
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5281: Blogoterapia (128): (Im)possível regress(ã)o (Torcato Mendonça, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3470: Os nossos regressos (18): Desenraizados, nas esplanadas das Lisboas deste País...(Alberto Branquinho)

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Torcato,

Mais uma das tuas belas narrativas.

Houve mais quem o tivesse dito e de facto não tenha voltado lá, mas será mesmo assim? Ainda tenho esperança que não.

Um abraço

Anónimo disse...

Peço desculpa, o comentário anterior não foi assinado.
BS

Anónimo disse...

Caro Camarada. Tenho lido sempre com cuidada atencao,e interesse,os teus "escritos".Tempos atrás,num poste que me fez pensar,e repensar,pelas bonitas imagens interiores apresentadas,falas-te nos:"tracos rectilíneos dos poucos avioes que passam rumo á Europa ou a Lisboa......" Nestes infindáveis Invernos do extremo norte da Suécia,dos oito (!)meses em que o Sol nao sobe no horizonte e em que as temperaturas andam sempre por baixo dos vinte negativos,nao resisto,por saudade,enviar-te pensamentos de um "escrivente" sueco quando diz:-Há avioes que partem e que ainda nao chegam. E,por ainda nao chegarem...nunca voltam. Nesses avioes,meus amigos,nesses avioes em que viajo...nao vos desejo lugar! Um abraco com votos de Bom Natal do José Belo.