sábado, 21 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5312: Historiografia da presença portuguesa em África (31): José Henriques de Mello, o primeiro fotógrafo de guerra português (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos*, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2009:

Malta,
Resolvi separar as fotografias da guerra das da paz. É um álbum muito expressivo, revela-nos um fotógrafo excepcional. É claro que para mim o mais tocante passa pelo Cuor, está lá tudo desde Mato de Cão, as campanhas dentro do regulado, o ataque a Madina (será, mais de 50 anos depois, um dos santuários do PAIGC), pela primeira vez vi a corte de Infali Soncó, o mais rebelde entre os rebeldes.

Um abraço do
Mário


O PRIMEIRO FOTÓGRAFO DE GUERRA PORTUGUÊS:José Henriques de Mello

Retratos da Guiné antes dos conflitos de 1907 – 1908

Por Beja Santos



Numa edição da imprensa da Universidade de Coimbra (Novembro de 2008, 500 exemplares), fomos surpreendidos pela notícia de que o primeiro fotógrafo de guerra português operou na Guiné entre 1907 e 1908 tendo deixado um álbum com cerca de uma centena de imagens, provavelmente obtidas em 1907 e que deveriam estar destinadas a comercialização. Os organizadores não escondem a sua surpresa pelo tesouro cultural, histórico e etnográfico que representam estas fotografias, agora digitalizadas. O que nos enternece é a proximidade da câmara, fornecendo-nos admiráveis registos estáticos que desvelam usos e costumes dos colonos, a natureza das habitações indígenas, a vida clânica de diferentes etnias, com as suas hierarquias, a europeização e cristianização, as danças, a azáfama nas casas comerciais, as digressões do poder (como sua excelência o Governador a embarcar), as práticas católicas em Bolama, a vida do mercado na capital da colónia, por exemplo.

Muito pouco se sabe sobre José Henriques de Mello, que partiu da ilha de Santiago, onde trabalhava em fotografia na cidade da Praia e de onde partiu para a Guiné para acompanhar a expedição militar. Certo e seguro é que a sua ida à Guiné o transformou no primeiro fotógrafo de guerra português, o primeiro a estar presente numa frente de combate e a enviar para os jornais os seus instantâneos. Há provas de que ele se encontrava na Guiné em pelo menos fins de 1907, daí o apaziguamento das imagens, os momentos de doce convivência que antecedem os conflitos que irão abrasar o Leste e a região de Bissau. Mello é nome que não consta no nome da fotografia em Portugal e historiadores como António Pedro Vicente ficaram surpreendidos com a elevada qualidade destes disparos fotográficos. Sabe-se que Mello emigrou para os Estados Unidos mas perdeu-se-lhe o rasto.

Neste livro surpreendente, Mário Matos e Lemos descreve a actividade do Governador Muzanty, as fricções que teve com os comerciantes da Guiné, dá-nos um quadro da situação política e económica da colónia depois da desafectação de Cabo Verde refere os massacres conhecidos por o “desastre de Bolor” em que foram massacrados mais de 100 soldados e grumetes ao serviço da bandeira portuguesa por guerreiros Felupes, em 29 de Dezembro de 1878. Dois historiadores acidentais irão depor sobre a natureza dos conflitos que irão por em confronto as tropas portuguesas e os seus aliados contra os régulos sublevados: Nunes da Ponte e Pinheiro Chagas. Observa ainda Mário Matos e Lemos que no final do século XIX os dirigentes monárquicos encaravam a possibilidade de entregar a exploração da colónia a companhias soberanas ou majestáticas, como forma de travar a presença do comércio internacional na região (sobretudo belgas, alemães, franceses e ingleses) as instalações militares ou eram muito fracas ou estavam degradadas. A Conferência de Berlim (1884 – 1885) reclamara como princípio essencial da legitimidade da soberania a ocupação efectiva do território, o que vai desencadear campanhas de pacificação na Guiné, em Angola e Moçambique. As campanhas anteriores às do Governador Muzanty foram, regra geral, mas sucedidas, perpetuando-se os problemas com os Papéis de Bissau, os levantamentos na região do Oio, os resultados eram sempre provisórios, ninguém queria pagar o imposto de palhota. E assim chegámos às campanhas de 1907 e 1908, iremos ver as fotografias de José de Mello no Cuor e na região de Bissau.

Quem pretender obter este álbum que é uma verdadeira preciosidade, pode contactar a Livraria Ferin, a obra custa 25 euros (Livraria Ferin, telefones 213424422 / 213469033 ou e-mail livraria.ferin@ferin.pt).


Régulo de Fulas e seus Ministros

Teatro de Bolama

Costume de europeus estrangeiros. Aperitivo (antes do jantar)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5287: Notas de leitura (34): As Lágrimas de Aquiles, de José Manuel Saraiva (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5269: Historiografia da presença portuguesa (30): O primeiro fotógrafo de guerra português andou no Cuor, Guiné, em 1908! (Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Beja Santos,
Em Cabo Verde a fotografia está muito ligada à família Mello. Foram na realidade os divulgadores dessa preciosa arte de registar para a posterioridade muitas caras e famílias das ilhas, assim como muitas imagens das ilhas no séc. passado. É bem possível que possa obter alguns dados sobre o José Henriques de Mello através de um amigo que está há muito a fazer um livro sobre as famílias de Cabo Verde.
Um abraço
Manuel Amante