quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5219: Agenda Cultural (41): Os nossos camaradas Gidelda Pessoa, V. Barata e M. Rebocho na RTP1 (António Dâmaso)

1. Mensagem do nosso tertuliano e camarada António Dâmaso*, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, com data de 5 de Novembro de 2009:

Caro Carlos Vinhal,
Saudações muito especiais para todos os responsáveis pelo Blogue.
Também quero saudar todos os ex-combatentes, independentemente da Arma e do posto, que prestaram serviço no Ultramar.

Carlos,
Fiquei comovido pela forma como saudaste o Victor Barata pela sua intervenção no Programa Portugal no Coração, na RTP 1 no dia 4 de Novembro de 2009, pelas 16 horas.

O Victor comoveu-se, mas disse aquilo que sentiu e presenciou na altura em que, apenas com 19 anos, foi obrigado a viver.
Sabia que o Victor Barata ia ao programa e fui dar o meu passeio antes para poder assistir. Estive do principio ao fim, apesar de tudo e do Rebocho, por último, ter estado no Exército, pelo facto dos Pára-quedistas terem passado da FA para o Exército. Acho que deveriam ter estado elementos da Marinha e do Exército.
Também reconheço que eles não se esqueceram destes militares.

Fui contactado por televisões, mais que uma vez, para me pronunciar sobre a minha vivência no Ultramar, nomeadamente no caso Guidage, por eu ser na altura o Comandante do Pelotão dos 3 Páras que ficaram sepultados lá em Guidage.
Declinei sempre por não ser capaz de falar sobre o assunto frente a câmaras de televisão, sofro de stress pós traumático de guerra e isso diz tudo.

Graças a Deus que os restos mortais destes jovens já se encontram junto das famílias. Sempre que passo em Castro Verde vou fazer continência ao Vitoriano, não esquecendo os outros que naquele dia se despediram desta vida, em honra da Pátria. Quis o destino que eu não tivesse lá ficado com eles, pois corri os mesmos riscos.

Porque estive em Galomaro e Dulombi em 1969; em Guileje; na operação Nó Górdio em Moçambique em 1970; novamente na Guiné em Caboxanque e Cadique em 1972 e 1973; em Bigene, Binta, Guidage e Gadamael Porto em 1973, vivi em valas e abrigos que muitas vezes tive de cavar.

Não só por ter sofrido na pele tudo isto, embora por períodos que não ultrapassavam três meses, sei dar o valor ao que sofreram todos os que foram obrigados a longas permanências nestas condições, e por isso vou aqui citar o que em tempos escrevi.

"O meu pensamento hoje vai para aquele soldado desconhecido, digo eu, refiro-me aquele militar com ou sem patente, que estava lá, contribuía com o seu esforço para o conjunto, tal como formiga obreira, mas que por não ter cunhas, não ser engraçado nem engraxador, via as benesses passar-lhe ao lado, sem prémio Governador da Província, promoções, férias, etc, no entanto lá ia procurando manter-se vivo, com a agravante de ser obrigado a viver em buracos sem as condições mínimas".

Um Alfa Bravo do camarada António Dâmaso,
Sargento Mor Pára.


2. Comentário de CV:

Caro camarada e amigo Dâmaso
Por pudor não vou reproduzir aqui a mensagem que enviei ao Victor, a quente e na mais simples condição de ex-combatente anónimo. O tal anónimo que tão bem descreves.

Mandei uma mensagem semelhante à nossa querida amiga Giselda, dizendo-lhe que quem esteve no Primeiro Canal da RTP, representou cabalmente todos os militares que combateram na Guiné.

Pena que aquele programa, tendo um carácter tão aligeirado, não esteja vocacionado para tratar assuntos tão sérios. Prova disso, foi a reacção espontânea da Tânia, que não tendo preparação jornalística, não conseguiu esconder umas lagrimazinhas que por simpatia soltaram as minhas.

Fiquei também com a ideia de que conseguimos comover as pessoas, mas não nos conseguimos fazer entender. Como alguém lá disse, só um ex-combatente consegue compreender outro ex-combatente. E claro, as nossas famílias. A minha mulher ainda hoje diz que começou a namorar com um homem, e casou com outro totalmente diferente.

Realidades que cada um para si mesmo ou com o seu agregado, vai vivendo até ao fim do percurso terrestre. Aí voltará definitivamente a paz de espírito ou lá o que se queira chamar.

Para ti, um abraço fraterno.
CV
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4766: Notas de leitura (13): "Os Anos da Guerra Colonial" e as suas incorrecções (António Dâmaso)

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5207: Agenda Cultural (40): Os nossos camaradas Giselda Pessoa, V. Barata e M. Rebocho, hoje, 16h, RTP1, Portugal no Coração

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