sábado, 24 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5155: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (3): Ninguém ficou para trás

1. Mensagem de José Eduardo R. Oliveira*, ex-Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), com data de 21 de Outubro de 2009:

Caro Luís
Estou em casa sozinho porque chove lá fora.
Mas não não durmo na forma.

Vi há pouco um programa de televisão que me impressionou muito.

Depois de leres o anexo vais perceber a frase segiunte:
Se houvesse mais alguns ou algumas como a Conceição ninguém ficaria para trás!

Um grande abraço.
JERO


NINGUEM FICA PARA TRÁS

Ninguém fica para trás é um tema e um título que diz muito aos ex-combatentes.
De vez em quando as televisões e jornais do País pegam nele.
No que nos diz respeito confessamos que nem sempre os compramos. Se é jornal damos uma vista de olhos… Se é televisão dou-lhe uns segundos e se não me agrada passo à frente!

Desta vez fiz uma excepção e não me arrependi.
Está de chuva e estava em casa na tarde de 4.ª Feira, 21 de Outubro.

Por volta das 16H00 passei pela SIC e vi a Fátima Lopes (jornalista que aprecio particularmente pela sua componente humanista) que entrevistava e deixava falar uma senhora de quarenta e poucos anos, que tratava por Conceição.
Rapidamente percebi que se falava da recuperação dos corpos (das ossadas!) dos três pára-quedistas de Guidaje mortos em combate em Maio de 1973.


A Conceição é arqueóloga e nessa qualidade integrou a operação de resgate que teve lugar no Verão de 2008.
A dignidade e coragem com que falava da identificação das ossadas do seu irmão deixaram-me pregado à cadeira… e extremamente comovido.

"Estavam 45 graus de temperatura.Trabalhava perto de uma colega antropóloga. Nunca senti calor, sede ou fome. Sentia-me tranquila e calma. Esperava um “sinal” e aconteceu. Numa comunidade científica eu não podia confessar que esperava “um sinal dó meu irmão"…

As campas já tinham descobertas graças a um velho mapa, e ao equipamento do geofísico, que tinha detectado sinais no subsolo.
À medida que as escavações avançaram, confirmou-se a presença dos esqueletos daqueles soldados e… mais alguns.

Afinal eram 10 campas.

"Ao escavar a quarta campa encontrei uma pequena pedra vermelha muita suja de terra. Limpei-a como arqueóloga mas quando percebi que tinha o feitio de um coração…agarrei-a com mais força. Ali estava “o sinal” do meu irmão! Sem confessar o meu palpite dei a pedra à colega antropóloga e disse-lhe que, depois de identificado o ocupante daquela campa, esse “coração” devia ser entregue à família.
Em Guidage estavam quatro antropólogos, uma arqueóloga, um geofísico, e quatro militares que tinham combatido naquela região, há 35 anos, durante a guerra colonial.
Em 23 de Maio de 1973 tombaram em combate, alem dos três paraquedistas outros cincos militares portugueses e três guineenses
".[1]

"Veio-se o confirmar que as ossadas do meu irmão eram mesmo as da quarta campa, a que tinha o “coração” de pedra, de cor vermelha.
E tive direito a trazê-lo comigo. E hoje uso-o, pendurado num fio de ouro, ao peito. Junto do meu coração
»".

Não era só a entrevistadora que estava comovida. De vez em quando as câmaras focavam a assistência e parecia que as pessoas nem respiravam

Os 3 pára-quedistas que morreram em Maio de 1973 regressaram às suas terras natal um mês depois da Conceição ter voltado da Guiné. No Verão de 2008. Eles e as ossadas dos outros sete militares.

"Não iríamos deixar ninguém para trás", disse convictamente a Conceição.

Finalmente tiveram eles – e as suas famílias - direito a um funeral. Com honras militares e com o preito e homenagem de antigos combatentes.

"As cerimónias fúnebres, com salvas de tiros de canhão impressionaram-nos muito. A minha mãe, hoje com 83 anos, sofreu muito. Mas conseguimos finalmente fechar um capítulo que tinha de ser escrito.
O meu irmão repousa junto de nós
"

E Conceição termina o seu depoimento dizendo:

"Quero participar em mais missões de resgate. Tem que haver vontade de fazer regressar às suas terras natal os militares que morreram na guerra colonial."

[1] O Início do ataque do PAIGC ao quartel de Guidage, no Norte da Guiné deu-se em 8 de Maio de 1973.
Na operação de auxílio, reabastecimento e contra-ofensiva, que durou de 8 de Maio a 8 de Junho de 1973, as forças portuguesas tiveram 39 mortos e 122 feridos. Pelo menos seis viaturas militares de vários tipos foram destruídas e foram abatidos três aviões (um T6 e dois DO27). Só a unidade de Guidaje contabilizou sete mortos e 30 feridos, todos militares. Nos cerca de 20 dias que ficou cercada, Guidaje esteve sujeita a 43 ataques com foguetões de 122mm, artilharia e morteiros. Todos os edifícios do quartel foram danificados. A unidade, que, no conjunto, teve mais mortos foi o Batalhão de Comandos: dez. Sofreu ainda 22 feridos, quase todos graves, e três desaparecidos".
In “Correio da Manhã”, 27 de Julho de 2008



E agora dizemos nós:
Ninguém fica para trás!?
Infelizmente alguns ficaram.
A saga dos pára-quedistas de Guidaje poderia – e deveria – ser o mote para os representantes do Estado Português tratarem com os governos da CPLP(Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) da transladação condigna dos restos mortais dos militares que caíram em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Custará dinheiro? Obviamente.
O nosso Ministério da Defesa não terá disponibilidades para tal!? Sabemos a resposta antecipadamente… Mau grado o interesse… por constrangimentos orçamentais… etc., etc.

Deixamos uma sugestão.
A recente Lei n.º 3/2009, a tal que passou o CEP para SEP, não terá criado algum reforço e/ou disponibilidade orçamental!?

A nossa sugestão é a seguinte. Já que estão com a mão na massa apliquem os valores disponíveis para pagar uma divida de honra que têm com os antigos combatentes.

Há mais de 30 anos que muitas famílias portuguesas esperam o regresso dos seus soldados, da guerra colonial. O Estado português enviou-os para a frente de combate, mas não resgatou os corpos de quem morreu na guerra.

Providenciem pelo seu regresso.
Para que um dia... possamos dizer... finalmente:

Ninguém ficou para trás

JERO
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5134: Blogues da Nossa Blogosfera (20): JEROALCOA.BLOGSPOT.COM, de José Eduardo Oliveira

Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5054: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (2): Ponte para o regresso

5 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Caro José Rduardo

Fui um dos que estive na missa, na Igreja da Força Aérea (S. Domingos de Benfica- Lisboa) em memória destes nossos camaradas.
Já num texto da ano 2.000, não publicado, que defendo o regresso de todos, aqueles que é possivel, ás terras da metrópole.
No entanto, se me é permitido, teremos que pensar que, cada vez mais, ainda há camaradas vivos e a viver em dificuldades.
Temos que, mais uma vez, cerrar fileiras e travar o combate que nunca devíamos ter suspendido, que é de lutar pela nossa dignidade.

José Martins

Anónimo disse...

Meu Velho GERO!

Geralmente não me engano, não sei as causas, e contigo aconteceu!

A tua calma e a tua forma livre de falar das coisas, ficaram registadas com as nossas conversas.

É verdade! Como muitos camaradas nossos, (O José Martins e Esposa) estivemos lá na Capela da Força Aérea. São momentos díficeis de nervos de aço!

Tenho pena!... Terei? Já não sou o "General Gradoado"! por vezes fico como uma Madalena. Dói não é?
Mas estas mulheres fortes do meu País!?
Talvez seja melhor para mim evitar determinados momentos, para estar-mos mais tempo juntos.

GUIDAGE! O Costa Campos, substituto do Mariz, foi o comandante da C.CAÇ. 763.
O Rui Baixa, substituto do 1º. sargento, brincámos juntos em criança! Adoro ouvi-lo quando ele conta como com alguns dos seus soldados limparam o capim das sepulturas e fizeram cruzes de tábuas dos caixotes de bacalhau, para confirmar que ali estavam Valorosos Soldados Portugueses.

OBRIGADO! Meu caro GERO por tazeres tudo isto a esta Grande Tabanca onde (com as justificadas diferenças) somos todos camaradas dos que partiram e dos que partilhamos estas experiências.

Não li mas já vi o Comentário do José Martins quando tentava meter este. Vou ler!

Com o Dolmen de caqui, aqui vai o melhor abraço do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro
José Eduardo Oliveira

Como tu tambem vi essa reportagem comovente e refleti, quantos de nós ainda por lá estarão.

Como bem o dizes é preciso precionar os nossos Governantes para os mesmos regressarem.

Como estamos atravessando um Acordar dos Combatentes juntamos mais essa JUSTA revendicação ás outras para constetação que alguns já marcaram data.

Só a força da nossa presença em MASSA é que pode demover os ouvidos moucos dessa gente.

Vamos em frente camaradas.

Um abraço

Mário Pinto

MANUEL MAIA disse...

CARO JERO,

AO QUE PARECE,MUITOS FICARAM PARA TRÁS...

PENA É QUE NÃO TENHAM SIDO FAMILIARES DOS NOSSOS POLÍTICOS POIS DESSA FORMA HAVIA A CERTEZA DO SEU REGRESSO,MAIS CEDO OU MAIS TARDE...

Carvalho disse...

Devem ser devolvidos às suas terras de origem, sempre que tal seja possível e haja interesse, por parte dos seus familiares. Verificadas estas duas condições, não trazer os corpos daqueles que, na verdura da vida, derramaram inocentemente o seu sangue, ao serviço do Estado, é, com todas as letras : CRIMINOSO.E só governos despudorados podem invocar razões de ordem económica para adiarem indefinidamente o cumprimento de um imperativo político e ético.