sábado, 17 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5117: Estórias cabralianas (55): Marqueses e murquesas ou... Peludas e Peluda... (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral (que não precisa de apresentações):

Amigos, para desanuviar o ambiente, ai vai estória.
Abraço Grande
Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas > Peludas… Peluda (*)
por Jorge Cabral




Há mais de 30 anos, que montei Escritório [de advogado] na Passos Manuel, entre o Jardim Constantino e o Intendente. Um bom local, com velhos da sueca, sem-abrigo alcoolizados e fanadas matronas em pré-reforma.

Eu gosto. Aqui na Rua, já quase todas as lojas mudaram de ramo. Ultimamente, surgiram os Gabinetes de Fotodepilação. A propósito e não sei bem porquê, pois os pensamentos tal como as palavras são como as cerejas, lembrei-me primeiro de Pero Vaz de Caminha e do desembarque em Terras de Vera Cruz, quando os marinheiros depararam com as índias nuas, mostrando “suas vergonhas tão altas e cerradinhas”. E depois da Guiné. De uma espantosa conversa ao serão. O Alferes, os Furriéis, os Cabos, como de costume, falavam de tudo e de coisa nenhuma… Nessa noite, discutia-se um tema interessante – pêlos púbicos. Delas, claro está…

Quantidade, tamanho, densidade… E comentava o Amaral a sua estranheza perante o contraste entre os homens quase sem barba e as mulheres portadoras de autênticos matagais, tão duros como o arame, que até magoavam. Eis que o mais calado de todos nós, o Cabo Marques, fez uma curiosa afirmação:
- Foi por causa disso que eu casei.
- O quê, Marques?! - perguntámos em coro.

E ele contou.

“Na minha aldeia, diziam que ela era murquês, que não tinha pêlos e eu jurei descobrir. Foi a 7 de Novembro de 1967 e escrevi a data na parede, por via das dúvidas. É que à segunda vez, apareceu a mãe e, vendo-nos afogueados, começou a berrar:
"- Ah malandro, que me desgraçaste!

"...Depois tive que casar".


Nenhum de nós, por pudor ou respeito, chegou a perguntar. Afinal, era ou não era murquês ?(**)

Quarenta anos volvidos, continuo em dúvida. Será que o Marques conseguiu passar à Peluda?

Jorge Cabral

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

3. Comentário de L.G.:

Jorge, soube por ti, em outra ocasião, talvez noutro planeta, que o teu livrinho já está a caminho... Leia-se: a antologia das tuas/nossas estórias cabralianas. Ou melhor: soube que já começaste o caminho, pedindo orçamento ao editor. Por outro lado, o pedido de prefácio também já está na calha, quero eu dizer, já seguiu caminho, pelo correio... para o prefaciador-mor, que é uma espécie de mestre de cerimónias, com a obrigação de introduzir, pela mão, o artista e a sua obra. Prometo que me vou esmerar como oficiante da cerimónia.

Bem sabes que o teu cabralianíssimo humor é areia fina deitada nas engrenagens do blogue, esta máquina, pesada, que de tempos a tempos tem de ir à lubrificação, como todos os artefactos humanos... sob pena de me gripar os fusíveis e os neurónios.

Valha-nos, ao menos, os teus pobres marqueses e... murquesas. São também eles e elas que me comovem, quando ao fim da tarde de sexta-feira, eu olho para o relógio e para o calendário (Matas do Cantanhez, 2008, imagina!), e, de relance, faço um filme retrospectivo dos nossos verdes anos perdidos nas bolanhas e no tarrafo do Geba e do Corubal .

Pergunto-me, então, como é que gajos como nós ainda conseguem rir-se da humaníssima comédia que continuamos a representar todos os dias... Quantas vezes fiz, de resto, essa mesmíssima pergunta, a caminho do Mato do Cão ou da Ponta do Inglês, ou nas noites longas do Rio Undunduma ou da Missão do Sono em Bambadincazinho. E tu, o mesmo, lá no teu reino, sem rei nem roque, de Fá e depois de Missirá...

Ah! Grande Alfero!... E a tua/nossa resposta foi sempre a mesma: sabes, rapaz, não imaginas quanto um homem é capaz... E de que és capaz... Mas tu és um homem, nem Deus nem monstro. E só os homens são capazes de rir e de chorar... De si próprios...

A esta hora do dia e da semana, as tuas histórias sabem-me tão bem ou melhor que o melhor uísque do mundo com água de Perrier que eu tomava, no bar de Bambadinca, depois do regresso de uma operação e do meu banho retemperador...

Obrigado, amigalhão, obrigado, camarada. Luís (***)

_________

Notas de L.G.:

(*) Peluda:

s. f. Pop. Acto de deixar a tropa e voltar para a terra natal.

Peludo/a: adj. 1. Que tem muito pêlo; 2. Coberto de pêlo...

(**) Vd. poste de 5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) Naquela ocasião, quis que falássemos da 'nossa primeira vez'. Mas com verdade, acrescentou, pois desconfiava que alguns ainda não tinham experimentado. Começou ele, e falou de uma virgem loira, à beira rio, num fim de Março, quase Primavera. Não percebemos nada. No início chamava-se Cloé, depois Isolda, e terminou Julieta envenenando-se. Mais tarde confessou-me que inventara. Na realidade acontecera em Badajoz, custara cem pesetas, a mulher era gorda, vesga, e tresandava a alho…

O Pechincha, como sempre, delirou. Logo na Escola primária com a contínua… pois então.

O Monteiro falou da rapariga 'murquês', termo que nunca mais ouvi, e que dará outra estória, mas quem mais nos divertiu foi o Cozinheiro Teixeirinha. (...)



(***) Vd. último poste da série: 11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4938: Estórias cabralianas (54): O Alfero e as mezinhas (Jorge Cabral)

3 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas:
Mais uma vez venho manifestar o meu apoio incondicional a tudo o que O JORGE CABRAL publique.
Sem ele a "guerra não tinha piada" nenhuma.

UM LIVRO???
Òptimo. Venha ele.

Um abraço,
CMS
CART 2339-58/ 69 Mansambo

Anónimo disse...

ERRATA

CART 2339 Mansambo
1968/ 1969

Joaquim Mexia Alves disse...

Vês Jorge o que dá ser curioso!!!

Bem mas se o rapaz casou bem, tudo ficou bem...

Abraço fortemente camarigo, meu amigo