quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5069: Historiografia da presença portuguesa em África (22): África, da Vida e do Amor na Selva, Edições Momentos, 1936 (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Outubro de 2009:

Luís e Carlos,

Para mim, este livro é uma inteira revelação. Nem o Leopoldo Amado o menciona no seu importantíssimo ensaio 'A literatura colonial guineense'.

Tenho muito orgulho em passar esta informação para dentro da nossa caserna.

Um abraço do
Mário


A Guiné e o 1.º Prémio da literatura colonial, 1936
Beja Santos

É curioso como o título "África, da vida e do amor da selva” consta de toda a bibliografia elementar da história da Guiné e nunca foi me foi possível encontrar a obra nas principais bibliotecas. Na verdade, o autor mencionado é sempre João Silva e agora, quando finalmente encontrei o livro, o nome que consta é João Augusto. Trata-se de uma obra a vários títulos singular, pode perfeitamente emparceirar, pelo grau de importância, com “Mariazinha em África”, de Fernanda de Castro, e “Auá”, de Fausto Duarte, duas obras pioneiras na literatura colonial guineense. Não consegui encontrar quaisquer referências a João Augusto que, conforme se pode ler no livro “África, da vida e do amor da selva” viveu bastantes anos na Guiné (e pelo menos durante seis anos foi caçador). O que ainda aguça mais a curiosidade é querer descobrir o que ali fez João Augusto (Silva) e como estabeleceu uma relação tão profunda com a Guiné e o seu povo. Um desafio para todos nós, em Portugal e na Guiné.

Na introdução, ele escreve:

“Contam-se seis anos desde que embarquei em feio vapor encarvoado, com destino a África, decidido à vida aventurosa no sertão sob o céu dos trópicos”. Mais adiante, aludirá a uma experiência pretérita, pois “tinha recordações confusas de mandingas de cofió vermelho, ou negro turbante, largas calças de dril branco, a dar a dar, conforme caminho guiando os seus burricos carregados de mancarra”. Mas também tinha saudades de “aquele cheiro particular, seco e sedento do mato após as queimadas, a dor dos olhos, causado pelo sol violento do meio-dia, o odor desagradável dos pântanos, o esplendor do rio sereníssimo, como a superfície polida de um espelho, o mar encrespado das árvores, em cujas ondas verdes eu mergulhava, em busca dos ninhos das rolas, pombas verdes e colibris”.

A sua paixão pela Guiné não o impede de ter o seu olhar colonial desperto, não esquecera, por exemplo, a palmatória de pau-ferro para castigo dos africanos. Mas a sua paixão era irreprimível:

“Guiné, Guiné... terra bendita, onde as andorinhas cantam; terra bendita, do arroz, do amendoim e do óleo de palma, onde não se conhece a fome e onde não há mendigos”.

É bastante crítico sobre a colonização “feita pelas mais desvairadas gentes, desde os revolucionários profissionais e bandidos políticos, até àquelas almas generosas e boas, que procuram, em África, os esquecimentos das misérias terrenas”.

Revela que casou com três mulheres fulas e uma mandinga, sente-se permanentemente seduzido pela magia deste país de febres, país de terras vermelhas, entrecortado de rios sinuosos, de leito lodoso e fétido, onde habitam os crocodilos.

Após uma descrição das diferentes etnias guineenses, entramos propriamente neste livro de contos e lendas, onde se fala do suicídio do proprietário Kebala, das astúcias dos jovens Balantas nos roubos e pilhagens, a arte da caça, abarcando a gazela, o búfalo, o sim-sim (antílope grande), a onça (nome que na Guiné se dá erradamente ao leopardo), a fritamba (pequeno antílope muito ligeiro... é aqui que indiscutivelmente João Augusto se sente mais à vontade, falando das “longas” (espingardas de carregar pela boca), de bornais de pele de gazela contendo o chifre da pólvora, a caixinha das espoletas, o trapo para buchas, e até de um cinturão de cabedal benzido por um moiro virtuoso.

Há mesmo histórias de caça contadas por animais: Kemba, a gazela que oferece a sua vida ao caçador Ieró, suplicando-lhe que poupe Cumba, a gazelita sua filha, como também um diálogo entre um leopardo a sofrer com um osso entalado na garganta e uma hiena, a hiena salva-o e ele promete nunca atacar as suas crias que a hiena diz serem as mais belas espécies animais... tudo isto tem um sabor a fábulas de Esopo ou de La Fontaine. O produto final é admirável, é surpreendente dentro da literatura modernista da época, em suma, uma agradável surpresa de um caçador e de uma obra literária completamente desconhecidos (para mim).



Comentário: O livro de João Augusto intitula-se África da vida e do amor na selva, Edições Momentos, 1936. O livro está profusamente ilustrado, optou-se pelo seu auto-retrato, um bom exemplo do modernismo, há aqui qualquer coisa de Almada Negreiros.
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Notas de CV:

30 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5036: Historiografia da presença portuguesa (21): Monografia da Agência Geral do Ultramar, 1961 (Beja Santos)

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