terça-feira, 6 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5062: Efemérides (28): Amália (1/7/1920- 6/10/1999): Dez anos de saudade... (José Coelho / Luís Graça)



Fotos: José Coelho / Toca dos Coelhos (2009). (Com a devida vénia)


1. Fui encontrar, no blogue Toca dos Coelhos, uma inesperada (e surpreendente) referência à Amália, a nossa Amália, que morreu faz precisamente hoje 10 anos. E mais: encontrei várias preciosas (e desconhecidas) fotos da Amália entre combatentes da guerra colonial, no enclave de Cabinda, Angola... São fotos raras, a Amália no meio da tropa... A Amália nunca foi à Guiné, que eu saiba. Em contrapartida, actuou diversas vezes em tournées, em Angola (1951, 1962, 1966, 1971, 1972) e em Moçambique (1951, 1966, 1969, 1972).

O poste é do José Coelho, data de 11 de Junho de 2009 e tem por título o seguinte: A D. Amália Rodrigues foi ao Maiombe visitar-nos...

Dona Amália era o tratamento, cerimonioso, respeitador e bem português, dado pelas pessoas do povo à grande diva do fado, a Voz, a nossa Voz... Maiombe era a grande floresta de Cabinda, o enclave de Cabinda, onde o MPLA fazia luta de guerrilha.

O José Coelho é um dos três administradores e animadores do blogue da família Coelho, com raízes alentejanas. É pai do Pedro Coelho e sogro da Ana.

O José Coelho é natural da freguesia de Beirã, concelho de Marvão, Alto Alentejo... Fez uma comissão em Angola, integrado no BCAV 3871 - Cavaleiros de Maiombe (Belize, Cabinda, 1972/74).... Os Cavaleiros de Maiombe reuniram-se, pela primeira vez, em 2009, ao fim de 35 anos, em 10 de Maio de 2009. O José Manuel Lourenço Coelho era de transmissões, e pertencia à CCS. Hoje é reformado da GNR, presumo com o posto de sargento. O seu poeta favorito é o Aleixo. Faz cicloturismo e BTT. Parece ser um verdadeiro pater familias.

A Toca dos Coelhos (nome da casa da família em Marvão) é descrita como "um espaço onde a nossa Família pode deixar aquilo que vem na alma. Devido à distância que me separa dos meus Pais e Irmão e Família em geral, penso ser um local onde poderemos rever e deixar os nossos testemunhos e recordações, assim como de tudo um pouco"... A origem do blogue remonta a 17 de Novembro de 2008. O Pedro também é militar da GNR e vive em Setúbal.

O José Coelho, nosso camarada, descreve asssim (de acordo com as legendas das fotos que publicou) o dia em que os felizardos da CCS do BCAV 3871 Cavaleiros de Maiombe - receberam a visita da D. Amália:

"Dia 1 de Maio de 1972, acabadinha de aterrar no Belize, recebida pelo Comando do BCav 3871, e por todos os Cavaleiros [de Maiombe] que estavam presentes no Quarel...(porque alguns estavam na mata em patrulha)... Simpatiquíssima... Tomou um drink na messe... Cantou para nós, deu um beijinho a cada um e uma foto sua, autografada... Foi um dia memorável para todos nós... 35 anos depois, e mais uma vez, obrigado, D. Amália".

Peço ao camarada José Coelho que perdoe e me releve este notório abuso, esta ousadia de lhe pedir, emprestadas, as quatro fotos do seu álbum que reproduzo acima, a pretexto da efeméride dos 10 anos da morte da Amália (*)...

É uma homenagem aos Cavaleiros de Maiombe e a todos os fãs da Amália (não gosto de lhe chamar dona...) . Que saudades daquela voz, e daquela grande cantora portuguesa (e mundial) que é hoje, incontornavelmente, uma figura maior da nossa cultura... e da nossa história.

Amália agiganta-se à medida que o tempo que passa... Há dez anos que ela está no Olimpo, lá no assento etéreo, muito acima das pequenas quezílias, paixões, safadezas, sacanices, portuguesices, etc., que vão alimentando o nosso pequeníssimo quotidiano... Tenho uma imensa pena de nunca a ter visto e ouvido ao vivo... Fui criado na cultura (contestatária) dos anti-F (fado, futebol, Fátima, fascismo)... Mais tarde, como estudante de sociologia, na segunda metade da década de 1970, dei um pequeno contributo para reabilitar o fado como forma de cultura popular urbana, com mesma matriz histórica e sociológica do tango e do flamenco ... Um projecto que deve muito à ousadia, ao entusiasmo, ao saber e à liderança do meu professor de antropologia, o Joaquim Pais de Brito (director do Museu Nacional de Etnologia, desde 1993).

Curiosamente, redescobri a Amália, aprendi a ouvi-la com outros ouvidos, em Setembro de 1980, no estrangeiro, em condições algo insólitas... Estava a fazer férias no País Basco, e cheguei a Guernica, ao parque de campismo, já de noite (e que noite, de temporal)... De repente, eu, a Alice e outro casal nosso amigo somos surpreendidos com um dos mais fabulosos fados da Amália (talvez o Povo que lavas no rio, Estranha forma de vida, Com que voz... - já não posso precisar), saído da instalação sonora do parque... Ficámos siderados!... Alguém (um casal francês, ele camionista de um TIR, soubemos no dia seguinte) quis ter uma gentileza para com os portugueses que chegavam a Guernica àquela estranha hora... Até então eu não tinha em casa nenhum disco da Amália... E se ela tivesse aparecido em Bambadinca, em 1969/71, eu não teria aparecido para a ver nem a ouvir...

Hoje não tenho qualquer pudor em confessar, entre amigos, que cada vez mais sinto arrepios ao ouvir algumas das maiores interpretações da Amália, cuja voz, génio e talento só podem estar ao alcance de uma semi-deusa... (Não esqueço também o contributo dos nossos poetas e músicos, do Frederico Valério ao Alain Oulman, o luso-francês nascido na Cruz Quebrada, em 1928, expulso de Portugal em 1966 , e que morreu precocemente em Paris, em 1990).

Amigos e camaradas: se me permitem uma sugestão, não percam a exposição que está no Museu Berardo, a partir de hoje e até 2 de Fevereiro de 2010, Amália, Coração Independente. Há também a exposição, no Panteão Nacional, Amália no mundo - O Mundo de Amália.
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série: 4 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (23): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)

4 comentários:

mario gualter rodrigues pinto disse...

Camaradas

Se houvesse possibilidades de eternizar a vida, D. Amália merecia essa benesse.

Foi o nosso Icone do Fado, e alma do nosso Povo, Portugal muito lhe deve, houve tempos que só eramos conhecidos no Mundo pela D. Amália.

Que descanse em paz e permaneça sempre no coração dos Portugueses.

Amem


Mário Pinto

Anónimo disse...

Caro Luís Graça!.
Como eu te compreendo!
Eu que também fui criado(culturalmente e constestáriamente) no signo dos 3, ou mais, F,s, agora, assumo, que me arrepia ouvir Amália, não digo em todos, mas como bem dizes. depende dos poemas, e òbviamente dos autores(às vezes até sem grande axpressão mediática, simples letristas de fado). Será da idade? Será da maturidade? Será da escola da vida, do saber ouvir e aprender ouvindo, isso que não se aprende senão no dia a dia, desde que que estejamos atentos, vivos, despertos e diria eu, com os sentimentos à flor da pele. Num certo sentido, embora numa outra vertente, como estaríamos na n/Guiné, nas noites de "embrulhanço" ou de emboscada montada.
Mas voltando ao fado(não ao lamechas ou da desgraçadinha)e não só à grande Amália, há por aí algumas vozes e formas de cantar e sentir, novas e interessantes, que confesso, me agradam, me arrepiam, e em suma me trazem de novo (sem constrangimentos)ao fado -canção do povo.
Francisco Godinho.

Raul Nobre disse...

Caro Luís Graça

Raro é o dia que não venha ao teu blogue. Vocês fazem um trabalho fantástico.
Eu sou o tal que ficou "livre", mas depois foi reinspeccionado e apurado, que teve uma recruta de um mês, foi enviado para a Guiné, durante o IAO pediu adiamento para fazer uma especialidade e quando já pensava que estavam esquecidos dele, foi enviado para Timor. Daí a minha ligação aos camaradas da Guiné.
Mas a razão desta minha intervenção prende-se com o facto de ter sabido que fizeste um trabalho sobre o Fado , orientado pelo Prof. Pais de Brito.Queria saber se publicaste o que escreveste e, em caso afirmativo, onde o publicaste. Sou grande apreciador de fado e as opiniões do Prof. Pais de Brito têm sido para mim uma referência.
Aqui há tempos inseri um comentário no Portal do Fado, que como verás, vai buscar muita coisa às opiniões desse que foi teu professor. Escrevi então o seguinte: "Mais do que um género musical,o Fado é um estilo que se autonomizou. De cada vez que o Fado se tenta superar, deixa de ser fado. Passa a ser outro género, outra música, passa a ser outra coisa. Uma certa coreografia, uma certa estética, uma certa organização dos instrumentos,a precisão na colocação da voz, tudo isso é contrário e completamente diferente do Fado. No Fado há rouquidão, há imprecisão, há busca, há incerteza, há improviso, há uma certa forma de procurar, de exprimir sentimentos ou de representar esses sentimentos. Quando queremos ouvir Fado temos que saber procurar os locais (e horas) apropriados. Muito raramente se ouve Fado nas Casas de Fado para turistas (a não ser quando os fregueses já se foram embora, as portas já estão fechadas e só fica a malta do fado; nessa altura canta-se e toca-se por prazer e não para ganhar o caché). Nos grandes espaços tipo teatro raramente se ouve Fado. O que se ouve é cantores a cantar letras e músicas de fado. Também não é com CDs que se ouve Fado (eu também compro e ouço CDs, que remédio…)E como dizia uma conhecida fadista, não há Fado Novo, nem Fado Canção, nem Fado Ligeiro. Ou é Fado ou não é Fado".
Desculpa este arrazoado, mas vem a propósito da nossa Amália.
Um grande abraço extensivo aos camaradas desta tabanca.

Raul Nobre

ascenção disse...

Boa tarde para todos .
Ao passar por casualidade neste blogue fiquei surpreendido , no esperava , primeiro ver essas fotos da D Amalia depois de ver que foi no Blize, essa terra vermelha e verde de Cabinda , onde passei tb uns bons meses na companhia 3487 e onde vi alguns dos meus amigos camaradas eu nao me vejo nessas fotos ,mas tambem tenho a foto da D Amalia com o beijinho , lembraça dessa SENHORA que guardoo com carinho e saudade. Bem ajam todos .