terça-feira, 6 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5056: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (8): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas II

1. Esta é mais uma pequena porção das memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Esta é a 8º fracção desta sua série, dando assim continuidade aos postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995, P5027 e P5047.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

ROTINAS PERIGOSAS II

Nos finais de Julho, mais uma operação foi posta em acção no terreno, em Banjara.

O caminho era sempre o mesmo seguindo pelas proximidades de Sinchã Jobel. Saímos de madrugada, passamos por Tumania, Bantajã e Belel, sem nada de anormal ter acontecido.

Como sempre tinha acontecido, até àquele momento, só no regresso é que eram elas.

Atravessamos a bolanha, que nesta altura tinha muita água, num cruzamento através de uma grande clareira e seguimos em frente por uma pequena subida. Naquela ZO não haviam grandes subidas, entramos no mato denso e logo à esquerda dentro do mato viam-se, mais ou menos bem camufladas, umas palhotas.

Entrei por elas adentro, de rompante, acompanhado pelo pessoal da milícia, efectuando alguns disparos, para um e o outro lado, sem quaisquer consequências práticas, pois não se via vivalma por ali.

Os soldados da milícia começaram a queimar as palhotas e a destruir grandes quantidades de arroz, que por ali encontraram. Olhei em volta e não vi o resto do pessoal da minha companhia, à excepção de um soldado, que ficou comigo, bem como a Milícia que era comandada pelo Alferes Braima, de 2ª linha.

Ordenei então o regresso, mas o Braima disse-me: “Não, vamos em frente!”

O rádio não captava nada e pensei para mim: “Que vou fazer, em frente? Sou maluco mas não tanto!”.

De repente ouvi umas rajadas distantes.

Voltei-me para o Braima e disse: “Aqui quem manda sou eu!”

Era puro suicídio seguir em frente, apenas armados com duas G3 e uma Mauser.

- Vamos para trás! – disse eu.

O Braima lá obedeceu, mais ou menos contrariado, e chegamos à picada donde tínhamos saído.

Chegados à picada, consegui entrar em contacto com o capitão, que me mandou emboscar junto a bolanha. Desloquei-me para lá com o pessoal disponível e pouco tempo depois o capitão voltou a contactar-me, dizendo-me que regressasse ao local onde tínhamos acabado de queimar as palhotas. Recomendou-me que tivesse muito cuidado, quando lá chegássemos, em virtude de eu estar rodeado de nativos e podermos ser confundidos com os “turras”, o que, logicamente, não seria muito saudável para nenhum de nós.

Disse-lhe que todo o pessoal estava dentro do mato e apenas eu ficava junto da picada, por isso logo que os avistasse os avisaria da nossa posição.

Assim foi, e quando o capitão chegou junto de mim, contei-lhe o sucedido, ao que ele respondeu, que só eu e os milícias, é que atingimos o objectivo, pois ele tinha sido informado, por uma avioneta que nos sobrevoava, que o objectivo tinha sido destruído.

Regressamos a Geba percorrendo o mesmo percurso, atravessamos a bolanha e quando todo pessoal saiu para fora da água, seguimos por uma clareira subindo um pequeno declive e entramos na mata. Caímos aí numa emboscada, iniciada com o rebentamento de granadas de mão, seguida de várias rajadas de metralhadora. Deixei-me cair de costas na picada e rebolei para junto de dois soldados, que estavam atrapalhados, tentando reparar as suas armas que estavam encravadas.

Dei uma rajada única com a minha G3 em direcção de onde provinham os disparos do IN, larguei a minha arma e peguei nas 2 que estavam encravadas. Utilizando a “técnica” de bater com as coronhas contra uma árvore, acreditem que consegui, com este simples “truque”, que elas ficaram operacionais.

Uns dez ou quinze minutos depois tudo se calou por minha ordem. O capitão ligou-me, via rádio, perguntando-me se havia problemas, ao que eu respondi que estava tudo bem pois não haviam feridos. Mandou-me prosseguir a marcha até Banjara. Nada mais de irregular se passou no regresso a Geba.

Mais uns dias de descanso, em serenos passeios como habitualmente pela Tabanca, bebendo umas cervejas fresquinhas com uns petiscos e jogando à bola.

Como o descanso não podia durar sempre, seguiram-se mais umas patrulhas, agora fora das áreas do nosso controlo, para verificação se as localidades abandonadas se mantinham nesse mesmo estado.

Numa dessas patrulhas, fomos surpreendidos por uma grande jibóia, da qual só me lembro de ver um soldado da milícia, suspendê-la pela cauda e a “desgraçada” serpenteando para se tentar libertar, o que acabou por conseguir, determinando assim o seu fim, pois o soldado deu-lhe com a Mauser na cabeça, até ela morrer.

Após mais uns dias de folga, um dia de manhã, o Alferes chamou-nos comunicando-nos que a seguir ao almoço íamos sair, sem nos dizer o destino. Eu ficava fulo com estas decisões. Fomos levantar “ponchos” e rações de combate, e ficamos prontos para sair.

O nosso Capitão ficou no aquartelamento, e foi o Alferes Pimenta (mais antigo que o meu Alferes) a comandar a coluna. As viaturas deslizaram parada fora, sem sabermos com que destino, seguindo em direcção a Sare Banda (deduzi que íamos para Sare Dembel) e em Banjara paramos. Mandaram-nos apear, já com a Milícia pronta, contornamos o arame farpado em direcção da bolanha, por onde já tínhamos ido uma vez. Atravessamos a bolanha, dirigidos para Sare Dembel e, aí chegados, voltamos à direita, parando a uns cem metros.

Como o sol já se estava a pôr, comemos uma ração de combate e montamos uma emboscada. Estávamos todos molhados, pois chovia torrencialmente e aí ficamos toda a noite. Quando parava de chover, surgiam os malditos e indesejados mosquitos que não nos deixavam em paz. O dia nunca mais chegava. Finalmente rompeu o dia e o IN sem aparecer.

O Alferes Pimenta, que tinha o curso de minas e armadilhas, colocou diversas armadilhas em todas as picadas, a algumas centenas de metros da bolanha e à entrada da mesma. Colocou algumas no meio da bolanha e nos troncos das palmeiras.

Após estas tarefas regressamos novamente a Geba.

Como já andava a sentir umas dores intestinais à uns dias atrás, fui ao médico a Bafatá. Ele suspeitou que fosse apendicite e aconselhou-me a ir a uma consulta ao Hospital Militar de BISSAU.

Pedi uma guia de marcha, e uns dias depois, já autorizado, segui para BISSAU de avião.

No dito hospital fizeram-me exames radiológicos e análises, mas nada se registou de anormal.

Fiquei mais descansado, e passei a recuperar o tempo “perdido” no hospital, a circular pelos bares de BISSAU, saboreando umas apetitosas ostras acompanhadas por umas deliciosas cervejinhas, até acabar o dinheiro.

De tal modo gastei o “cacau” que tinha, que nem para pagar as refeições na messe em Santa Luzia ficou algum. Tive que pedir emprestado a um Furriel de Chaves (que estudava na referida cidade), e, logo que cheguei a Geba, enviei-lhe a importância em questão.

No hospital deram-me “alta” e passada uma semana tive de regressar a Geba. Como não havia lugar no avião, tive que me desenrascar na Bor até Bambadinca, rio Geba acima, que me compensou com um grande e belo espectáculo da natureza, que foi ver os ninhos de várias espécies de aves, nas árvores, ao longo das margens do rio.

Chegado a Bambadinca, foi difícil arranjar boleia para Bafatá, até que soube de uma viatura que se deslocaria para lá. Pedi para me levarem Geba, pois era mais fácil para mim, dado que a nossa oficina mecânica estava aí instalada. Com um pouco de boa vontade deixaram-me finalmente em Geba.

Em finais de Agosto, mais uma operação foi preparada para a zona operacional mais perigosa da companhia, situada a sul de Banjara.

Previamente, foram tomadas todas as medidas de segurança e, manhã cedo, arrancamos a caminho do objectivo. Aparentemente tudo se encontrava normal, tal como dantes sem população, e o que nós havíamos destruído assim continuava… destruído.

Regressamos, mais uma vez “provocatoriamente”, pelo mesmo itinerário, e, pela primeira vez, chegamos a Banjara sem que o inimigo nos tivesse criado qualquer tipo de problemas.

Foi bom, visto que bem precisávamos de descansar psiquicamente, da tensão e do cansaço das diversas patrulhas e operações.

Chegados a Geba, ainda de dia, ficamos também, por este motivo muito satisfeitos, pois de noite o trajecto era muito mais perigoso.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Imagem 1: © Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
Imagem 2: © Jornal do Exército - Anos 60 (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

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