segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4989: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71)(3): De Bissau a Bambadinca, a cova do lagarto

1. Texto enviado pelo Arsénio Puim, em 13 de Julho último (Foto à esquerda, o autor de O Povo de Santa Maria – Seu Falar e Suas Vivências, apresentando o seu livro no Salão Nobre da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, em 12 de Dezembro de 2008):

Luis Graça:

Mando mais um 'Recordando', antes de ir passar alguns dias para Santa Maria, a minha santa terra.

Quero-te dizer que talvez não seja necessário remeteres-me por mail os meus trabalhos publicados, uma vez que já consigo aceder ao blogue. Assim, evitas este trabalho a mais, pois imagino que o tempo de que dispões nunca é muito, já que o blogue me parece ser um trabalho que deve aborver bastante tempo.

Os meus rapazes, o Pedro ainda está em Lisboa a fazer exame de cadeiras atrasadas e também adiantando a dissertação do mestrado integrado. O Miguel, que acabou Economia na Nova, está agora cá até Setembro, altura em que começará a trabalhar na Price Waterhouse Coopers, em Lisboa.

As minhas saudações à Alice.
Um abraço amigo
Arsénio Puim


2. RECORDANDO ... III - DE BISSAU A BAMBADINCA
por Arsénio Puim


Às duas horas da manhã do dia 31 de Maio de 1970 deixámos Bissau, numa LDG, e continuámos a subir o Rio Geba, em geral bastante largo e de margens baixas e arborizadas, pela calada da noite, estranhamente muito fria. Cinco horas de viagem, sem qualquer incidente, até ao Xime, onde ficou já a Companhia 2715.

No dia anterior tinha-se realizado a entrega das armas aos membros do Batalhão. Todos em fila, um por um. Quando chegou a minha vez, recusei receber a G3. Uma questão, simplesmente, de missão específica do capelão e de consentaneidade com as suas funções, enquanto sacerdote ao serviço da Igreja - expliquei.
- Você é testemunha de Jeová? – atalhou um oficial superior que superentendia ao acto.
- Não, sou padre católico – retorqui.

Acrescentei ainda que assumia a responsabilidade de não ter arma.

E sobre o assunto não houve mais questão alguma. De resto, tive sempre a impressão que os companheiros do Batalhão souberam interpretar a minha atitude pessoal como normal e condizente com a condição do sacerdote capelão.

Um dia, já em Julho [de 1970], numa ocasião em que eu seguia numa coluna de Bambadinca para o Xitole, num camião civil velho, sem portas nem vidros, o condutor, que era africano e me olhava com curiosidade de vez em quando, numa altura disse-me muito delicadamente:
- O sr. alfero não traz arma?!

O facto era estranho para ele. E para mim era difícil explicar-lho. Mas achei graça à observação.

A partir do Xime, e em face do estreitamento do rio que se processa para montante, a nossa viagem prosseguiu por terra, através duma estrada má e bem escoltada pelas forças nativas, até Bambadinca, palavra indígena que significa «cova do lagarto», segundo a informação que me foi prestada.

O aquartelamento de Bambadinca, que, para mim, me pareceu dotado de boas condições e com uma dimensão apreciável, fica situado, juntamente com a Administração, a escola e a igreja da Missão Católica, num pequeno planalto, rodeado duma tabanca, e com vista para um grande arrosal, dividido pelo rio.

A trinta quilómetros para leste fica Bafatá e, para o sul, havia comunicação, por uma picada, com Mansambo e Xitole, onde ficaram instaladas as Companhias 2714 e 2716.

É neste teatro, sinalizado pelas quatro localidades referidas e ainda ponteado por vários Destacamentos, que se vai desenrolar a comissão de serviço do Batalhão 2917 na Guiné e a minha própria vivência como alferes capelão – uma função que não considero fácil nem isenta de contradições numa situação de guerra.

Arsénio Puim
______

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4521: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (1): No RAP 2, V.N. Gaia, onde fez mais de 60 funerais10 de Julho de 2009 >

Guiné 63/74 - P4666: Memorias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (2): De Viana do Castelo a Bissau

2 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Caro Arsénio Puim

Sei bem o que é ser capelão numa guerra.
Não por experiência própria, mas porque era bastante próximo do Padre Libório (chorei, com ele, a morte da sua mãe e pouco depois de uma irmã), do BCAÇ 2835. Ele é natural do Açores. Também lidei de muito perto com Padres Redentoristas, que também "fizeram tropa".
Gostei de saber que o teu filho Miguel está no PWC. Espero que seja um dos elementos que costuma trabalhar com a minha empresa como auditor.

Bom descanso

José Martins

Luís Graça disse...

Mensagem do Arsénio Puim, de 16 de Setembro de 2009, enviada para o correio pessoal de L.G.


Sent: Wednesday, September 16, 2009 12:05 AM

Amigo Luis:

Já há muito tempo que não comunicamos. Tenho andado ocupado e também fui para férias e agora preparo-me para ir aos E.U.A..

Obrigado pela notícia que deram do meu livro. É um pequeno livro, de assunto especificamente mariense e... lírico: «As Ribeiras de Santa Maria». Imagina!

Em tempos atrás mandei um texto, na continuação dos anteriores, relativo ao percuso Bissau-Bambadinca, que creio nunca saiu. Mas não faz mal. Quando eu recomeçar, certamente será em estilo mais episódico.

Cumprimentos à esposa. Um abraço amigo

Arsénio Puim