quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4968: In Memoriam (32): Cap Mil Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, CART 1613, morto pelo Sold Cavaco, na véspera do Natal de 1966

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Em primeiro palno, ao meio, o Dr. Francisco Silva, madeirense, ortopedista no Hospital Fernando da Fonseca, Amadora-Sintra, médico do nosso camarada Hugo Guerra. À sua esquerda, a Maria Alice e à direita Salifo Camará, 87 anos, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria. Foto tirada por ocasião da visita ao centro de saúde materno-infantil de Iemberem.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados


O Francisco Silva, que viajou de jipe, com mais camaradas, na viagem à Guiné, de ida e volta, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008), foi Alferes Miliciano, tendo pertencido à CART 3492, que esteve no Xitole (com o Joaquim Mexia Alves).

O Francisco Silva revelou-me na altura ter saído da CART 3492 para substituir um alferes morto na parada, pelos seus homens, africanos, do seu Pel Caç Nat 51. Segundo o Francisco Silva, o alferes terá sido morto por que era um tipo bom de mais, com problemas para impor a sua autoridade ao pelotão (que era etnicamente heterogéneo, e tinha um historial de problemas de disciplina).

Desconheço a data e o local onde ocorreu esta tragédia. Não sei inclusive o nome do infeliz alferes. Também não sei quantos casos destes, de oficiais portugueses, milicianos ou do quadro (mas também de sargentos, furriéis e cabos), poderão ter ocorrido durante a guerra colonial na Guiné (1963/74). Mas presumo que tenham sido poucos.

Outro caso de homicídio ocorreu com a CART 1613 (1966/68), a companhia que esteve em Guileje (de Junho de 1967 a Maio de 1968). Nos registos oficiais diz-se que Cap Mil Art com o nº mecanográfico 1036/C, pertencente à CART 1613/BART 1896, mobilizada no RAP2, Vila Nova de Gaia, de seu nome FAUSTO MANTEIGAS DA FONSECA FERRAZ, foi vítima mortal de acidente com arma de fogo (sic), ocorrido no aquartelamento de S. João, vindo a morrer a 24 de Dezembro de 1966 no Hospital Militar 241, em Bissau.

O malogrado Cap Ferraz foi inumado no Cemitério da Conchada, em Coimbra. Era casado com Maria Fernanda Ferreira da Costa, filho de Manuel Fonseca Ferraz e Ana Rosa Manteigas, sendo natural da freguesia de Pousafoles do Bispo, concelho de Sabugal.

O Cap José Neto (1929-2007) contou-me, antes de morrer (e eu creio que isso está publicado algures no blogue), que o autor dos disparos foi o Soldado Condutor Auto Rodas José Manuel Vieira Cavaco. Era madeirense (creio eu), tendo recebido na véspera de Natal provisões remetidas pela família, entre elas uma garrafa de aguardente de cana ou de poncha (se não me engano). A companhia tinha chegado à Guiné há cerca de um mês, e estava em S. João, frente a Bolama, em treino operacional.

As saudades da terra, as recordações do Natal e a poncha fizeram uma mistura explosiva. Sob o efeito do álcool, e sem motivo aparente, o Cavaco abateu a tiro o comandante da companhia, Alferes de Artilharia, graduado em Capitão, Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, na noite de 24 para 25 de Dezembro de 1966. Creio que feriu mais militares. O Zé Neto teve que o esconder para ele não ser linchado. Eis um excerto do seu relato sobre o julgamento do Cavaco, um ano depois em Bissau. (O Cap Corvacho ficará depois a substituir o Cap Ferraz).


O Cavaco (*)


(...) No final do ano [1967], eu, o Furriel Martins e o 1º Cabo Santos fomos chamados a Bissau para depor no julgamento do Soldado Cavaco .

O Tribunal Militar funcionou nas salas do tribunal civil e, em duas sessões, ficou tudo resolvido.

O Cavaco deu-se como culpado e o seu defensor, um tenente miliciano de Administração Militar que era advogado, apenas se deu ao trabalho de procurar provar atenuantes para reduzir a pena.

Tanto eu como o Furriel e o Cabo respondemos apenas às perguntas que nos foram formuladas. O Tenente, a certa altura, perguntou-me qual era a minha opinião sobre o comportamento do réu, anterior aos factos.

Gerou-se uma pequena quezília processual entre o promotor e o advogado que acabou com o Juiz Auditor (civil) a intrometer-se e declarar que aquele Tribunal tinha a obrigação de conhecer o carácter do réu e, naquele momento, ninguém mais conhecedor do que o depoente (eu) podia responder a perguntas que levassem a fazer um juízo acertado.

Fiquei sob o fogo cerrado, ora de um, ora de outro, com respostas curtas, quase sim e não. O coronel Presidente acabou por me interpelar dizendo-me que, por palavras minhas, classificasse a qualidade de soldado do réu. Respondi com convicção:
-Um excelente e infeliz soldado.

A pena foi de vinte e três anos de prisão maior, a cumprir em estabelecimento penal adequado na Metrópole.

Nunca mais o vi, mas tive notícias de que o rapaz não cumpriu nem metade da pena. (...)

___________


Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXI: Memórias de Guileje (Zé Neto, 1967/68) (7): Francesinho e Cavaco, o belo e o monstro


Vd. também poste de 31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

7 comentários:

Luís Graça disse...

Ningém sabe, ao menos, como se chamava o pobre do Alf Mil do Pel Caç Nat 51 ? Esta trágica história deve ter-se passado em 1972... Em que dia não sei... O Dr. Francisco Silva poderia ajudar-nos, dando mais pormenores... LG

José Marcelino Martins disse...

Boa tarde!

Numa breve pesquisa julgo ter encontrado o nome do nosso malogrado camarada:
Nuno Gonçalves da Costa, natural de Campos de Sá, freguesia de São Jorge e concelho de Arcos de Valdevez. Era Alferes Miliciano de Operações Especiais (16207170), mobilizado no CIOE. Consta que a sua morte ocorrida em 16 de Julho de 1973, foi causada por acidente com arma de fogo.
A CArt 3492 chegou ao CTIG em Dezembro de 1974, pelo que é muito provavel esta nota ter alguna credibilidade.

Abraço e bom fim de semana

José Martins

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro camarigo José Martins

A cart 3492 cehgou á Guiné em Dezembro de 1971, (por lapso certamente colocas 1974), pois era a minha companhia.

É provável então pelo número mecanográfico que o Alferes em questão tenha feito comigo o curso de Ranger's.

Não era ao que sei muito habitual o CIOE mobilizar oficiais, mas não sei.

Aqui fica o comentário.

Abraço camarigo para todos

José Martins disse...

Caro Mexial Alves e restantes tertulianos

Realmente o ano é 1971.
Os elementos foram retirados de elementos dispersos, pelo que avancei com o nome como hipótese, aguardando a colaboração de quem estivesse mais habilitado.
Abraço camarigo

José Martins

Luís Graça disse...

Obrigado, Zé, estás sempre a ajudar e tens faro para estes coisas... É isso mesmo, o nosso homem, Nuno Gonçalves da Costa, pertencia, de facto, ao indisciplinado Pel Caç Nat 51/ 2ª CCaç Bcaç 4512/72...

Morreu em 16/7/73. Era natural, de facto, de Campos de Sá / São Jorge, Arcos de Valdezez...





http://ultramar.terraweb.biz/03Mortos%20na%20Guerra%20do%20Ultramar/LetraA/MEC_031n.pdf

Anónimo disse...

– «na parada» da 2ªC.ª do 4512;
– «a data», 16 de Julho de 1973;
– «o local», aquartelamento de Jumbembem;
– «infeliz alferes» miliciano de Infantaria, Op.Esp., n/m 16207170, Nuno Gonçalves da Costa;
– «quantos casos destes, na Guiné», 14, entre 04-10-64 e 18-09-74.
ass: (leitor geralmente bem informado)

José Marcelino Martins disse...

Ao caro anónimo e leitor geralmente bem informado!

Quem será?????

Será mais um PPV??????

Custa muito indicar o nome????

Ou é mais fácil assim????????

José Martins