terça-feira, 8 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4923: Os nossos médicos (6): Homenagem ao Alf Mil Med Barata (Binta) e ao HM 241 (Bissau) (JERO, ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 675, 1964/66)


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 29 de Agosto de 2009 > "Fim de semana de incêndios... O heli Kamov Ka 32 (a nova coqueluche da Autoridade Nacional de Protecção Civil) andava, à nossa frente, num rodopio constante, abstecendo-se de água na barragem do Carrapatelo, ali à linha direita... É uma bisarma de 6 toneladas e meia que chega às 11, com o seu depósito suspenso de tipo «balde» com capacidade para até 5000 litros de água (!).

O fogo ameaçou casas de habitação, ali perto de nós, no Juncal, freguesia de Passinhos... Tal como ao JERO, o barulho de um heli, ao longe e ao perto, ainda hoje mexe comigo, quarenta anos depois da minha chegada à Guiné... Julgo que ainda mexe com todos nós"... (LG).

Vídeo (1' 06''): © Luís Graça (2009). Direitos reservados

Um cartoon, bem elucidativo, da situação de monopólio que o Alf Mil Méd Martins Barata detinha em Binta, como médico da CCAÇ

Gravura: © Arq José Pedro Roque Gameiro Martins Barata (2009). Direitos reservados. (Imagem gentilmente cedida pelo JERO).


O Dr. Martins Barata, acompanhado da esposa, na sua festa de aniversário: fez 70 anos em 12 de Abril de 2008.

Foto: © José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso amigo e camarada JERO, que vive em Alcobaça e, de vez em quando, vem até a Oeiras, para ver filhos e netos...

Oeiras, 5 de Setembro de 2009

Caro Luís

Assunto - Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo 1971/73), por Luís Graça e António Graça de Abreu (*)


Li, reli e imprimi a tua postagem para ter ainda melhor leitura. O assunto diz-me muito pois estive no meio (Serviço de Saúde) cerca de 4 anos.

Como sabes, fui Furriel Mililiciano Enfermeiro mas não sabes que tive o privilégio de conhecer o meio em diversas qualidades: na Metrópole como estudante, doente e enfermeiro no HMP; e na Guiné como enfermeiro numa Companhia operacional(CCaç 675); e, finalmente, já quase com o navio no Cais de Bissau, como doente do HM 241.

Apresentadas as minhas credenciais, vamos aos médicos da Guiné.

1) Porque não escrevem - ou escreveram - os médicos?

Só eles o poderão explicar. Pessoalmente estou convencido que talvez o dever de sigilo e vidas profissionais muito preenchidas obviaram a que o fizessem. Mas passaram 40 anos e estarão hoje muitos deles já reformados!?

Verdade, verdadíssima, e são pessoas cultas que sabem escrever. E bem. Já transmiti para o nosso blogue – postagem 4859, de 25 de Agosto de 2009 - um excelente texto do Dr. Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (TIROS NO CACHEU) que prova isso mesmo. Hoje mesmo tentei agendar com o meu ex-Alferes Mil Médico Martins Barata um entrevista que deverá acontecer até ao final de Setembro. Depois darei notícias.

2) Fotos de médicos no CTIG

Obviamente que existem e temos que os sensibilizar para as mandarem para o nosso blogue. Já tive oportunidade enviar algumas – ver postagem 4878, de 29 de Agosto de 2009 – onde numa delas aparece o meu Alferes Médico de camuflado e capacete, antes de partir para uma operação para o OIO.

Para quem afirma que os médicos não iam para o mato, eu posso afirmar que, na minha Companhia, isso não acontecia. O Dr.Barata ia, por sua livre iniciativa, quando a operação o justificava e a equipa do Serviço de Saúde estava estoirada ou com baixas médicas. Porque a malta do Serviço de Saúde também adoecia de vez em quando.

3) Distribuição de médicos pelo CTIG

Em relação ao meu tempo na Guiné (Maio de 1964 a Maio de 1966), sem ter certezas absolutas julgo que cada Companhia independente tinha um médico, o que também acontecia nas CCS dos Batalhões. No trajecto de Lisboa para Bissau fiz Sargento-Dia com diversos médicos durante os 5 dias da viagem.

Depois de 1966, pelo que já li no nosso blogue, isso já não acontecia. Porque aconteceu ?

A minha teoria é que poderia ter havido dificuldades no recrutamento de médicos ou que, pelo tamanho da Guiné (superfície idêntica à do Alentejo), não se justificaria um médico por Companhia, desde que o Hospital Central (HM 241) respondesse. E desde que as evacuações se fizessem com rapidez os médicos e pessoal de enfermagem do HM 241 respondiam mesmo

4) Experiência profissional ou a falta dela

Mais uma vez em relação ao meu tempo os médicos que conheci tinham, obviamente, mais teoria que prática. E quem sou eu para dizer isso? Sem ser pretensioso tinha a experiência de cerca de 2 anos do Hospital Militar da Estrela onde fui Chefe da Enfermaria de Dermato-Sifligrafia. Esse contacto com médicos dessa especialidade e de outras – a enfermaria de que tive a chefia tinha 70 camas e doentes de diversas especialidades – deu-me algum capital de experiência.

Ora muitos médicos devem então ter sido mobilizados com uma breve e curta experiência de estágio hospitalar.

Falando por mim, tinha experiência de organização hospitalar mas prática de primeiros socorros – com sangue ao vivo e pernas partidas - era muito pouca. E não era nula porque, antes de embarcar para a Guiné, estive a estagiar por minha iniciativa no banco de urgências do Hospital de Alcobaça. O Enfermeiro Torres – que felizmente ainda está vivo para o confirmar - ensinou-me mais em 10 dias do que eu tinha aprendido no tempo todo do CSM. Estou-me a referir a primeiros socorros.

Que, repito, é o que pode fazer no mato quando os tiros abrandavam…


5) O que pode fazer o médico a um ferido debaixo de fogo?

Arrisco-me a dizer, muito pouco. E digo mais: não fará muito melhor que um enfermeiro experiente em primeiros socorros! Debaixo de fogo, o médico, ou o enfermeiro, tentava abrigar-se para quando a tempestade abrandasse pudesse tratar e estabilizar o ferido para ser evacuado para o HM 241, se o seu estado o justificasse. De heli ou DO.


6) Recordação e homenagem aos nossos médicos militares

O Luís Graça refere-o na sua (magnífica) postagem e gostei muito de ler as recordações de Cachungo. A evocação das doenças e mortes de crianças nativas são particularmente tocantes. Nesse aspecto o meu médico Martins Barata e eu próprio tivemos uma terrível experiência em Binta (Farim), no norte da Guiné. Uma epidemia e sarampo vitimou em poucas semanas 60 crianças e um adulto (uma mulher de vinte e poucos anos). Ainda hoje lembro os funerais das crianças e os rituais fúnebres!


7) HM-241, Bissau

Dizia-se no meu tempo que quem chegasse com um sopro de vida ao Hospital safava-se. Nem sempre terá acontecido mas nós, pessoal do Serviço de Saúde, quando metíamos um ferido ainda com vida num helicóptero, respirávamos de … esperança.

Falei recentemente com médico-radiologista de Alcobaça - António Nunes Franco do Nascimento e Sousa – que foi capitão-médico no HM 241 de 1968 a 1970. Também ele me confirmou essa extraordinária fama do HM 241.


Para essa elevada hipótese de agarrar vidas, contribuía a rapidez da evacuação – um heli podia ir até à fronteira com o Senegal e voltar a Bissau em cerca de uma hora – e o extraordinário naipe de médicos cirurgiões e também o pessoal de enfermagem das salas de operações.

Este meu conterrâneo tem hoje 79 anos o que quer dizer que foi mobilizado já com 30 e muitos anos. Tem 50 anos de radiologia e fala de si próprio como tendo tanta radioactividade como Chernobil. Desafiei-o para escrever alguma coisa sobre a experiência na Guiné.

8) Experiências pessoais

Como referi no início fui estudante, doente e enfermeiro no HMP.

Como doente, estive 70 dias em Medicina 3 no HMP, com uma hepatite.

Passei um mau bocado porque o Hospital tinha uns sanitários maus. Muito maus. Na fase inicial da hepatite, com elevadas temperaturas, tive o auxílio durante a noite de outros doentes da Enfermaria, que me davam água e me punham toalhas molhadas com água fria na testa. Nunca esqueci esse momentos de solidariedade.

Está claro que perdi o 2º ciclo do CSM e fui para casa 6 meses. Melhorei à custa dos cuidados dos meus pais e voltei para a tropa! Fui bem medicado e tratado mas ainda hoje não esqueço o médico que me confirmou o diagnóstico da hepatite sem para mim olhar. Escreveu na papeleta a prescrição do “cama 31” e passou à frente. Acertou como médico mas falhou em termos humanos…

Na Guiné, como enfermeiro numa Companhia operacional(CCaç 675), tive tantas experiências que daria para escrever um livro. O que já fiz. Finalmente, já quase com o navio no Cais de Bissau, estive como doente do HM 241. Ancilostomíase. O tratamento era habitualmente uma semana, mas não me correu bem e tive que repetir a medicação.

Foram 2 semanas de fome e altamente stressantes. A chegada ao hospital de helicópteros com feridos ou mortos deitou-me abaixo psicologicamente. O barulho das pás do heli ainda hoje me doem. A ansiedade era saber quem chegava. Se era um amigo, um conhecido ou, mais importante, se tinha condições de escapar com vida. Estas cenas repetiam-se diversas vezes por dia e eram assustadoras. Apesar de 4 anos de Serviço Saúde nunca me habituei ao sofrimento e à morte.

Termino por hoje reafirmando a minha vontade e disposição para contribuir para a homenagem que falta fazer aos nossos médicos militares.

Até breve, assim o espero. JERO

[Revisão / fixação de texto / bold, a cor: L.G.]

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4891: Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo, 1971/73) (Luís Graça / António Graça de Abreu)

Último poste desta série > 8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4920: Os nossos médicos (5): Um grande homem, militar, clínico e matosinhense que me marcou, o Dr. Azevedo Franco (José Teixeira)

2 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Os textos do JERO são sempre uma preciosidade, pelo corte literário.

Em 1968/70 (minha estadia na Guiné) e 1972/74 (estadia do meu irmão como FurEnf no próprio hospital), o HM241 ou HMBIS, mantinha a mesma fama: Basta chegar com vida, para que ela perdure.

O HM241 teve mesmo fama de "melhor hospital de África". Hoje já não existe. Nem as pedras que foram, as suas paredes.

Anónimo disse...

Cmarada,homenagear os médicos do HM241,é um acto de um simbolismo extraodinário,eu estive lá no HM241 a remodelar enfermarias e nova Sala de operações,um dia ao fazermos a experiência daquela panóplia de projectores que ficavam por cima dos operados pra ajudar os operadores,os médicos estavam lá conosco pra acertar e melhorar, com as suas indicações,a
certa altura o médico agarra na torre e diz-me nosso Cabo isto dá choque,hó Dr.não pode ser está tudo ligado a terra,e fui lá agarrar,tá ver Dr.não dá,pois é
descalce lá as botas de lona!-descalcei e de facto a coisa dava passagem,o Dr. riu e disse tá a ver!-Pedi para ir prás assistências porque era muito doloroso assistir a tratamentos,e o cheiro a éter.Duas situações que não esqueço,o heli aproxima-se corre-se pra pista,saí um Camarada
para tronco nu,etiqueta na calça do trat.efectuado e descreve ao médico o que se passou.ao saltar foi atravessado por uma bala,aparentemente não lhe causou qualquer lesão interna lá foi a conversar com o Dr.eu vi 2 pensos laterais.Ou um fuso evaquado ao sair da lancha foi atingido num pé evacuado a bala passou entre os dois dedos do pé,só queimadura nada mais,criou-se um estado de espirito tal que,o que interessava era chegar vivo a Bissau,fizeram-se autênticos milagres naquela unidade Hospitalar.
Bem Hajam,ilustres Médicos Militares.
José Nunes
1º Cabo MecElect.
Beng 447
68/70