quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4842: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (12): "Quem vai à guerra dá mas também... leva"

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, enviou-nos mais uma das suas habituais mensagens:

Camaradas,

Esta é mais uma estória do meu arquivo pessoal à muito “adormecido”, que esteve em risco de ir parar à "CESTA REPARTIÇÃO", citando um camarada nosso bem conhecido de todos.


"QUEM VAI À GUERRA DÁ MAS TAMBÉM... LEVA"


Na nossa básica instrução militar entre 1961 e 1974, que nos era incutida nos quartéis, os nossos instrutores tiveram sempre o cuidado de nos ensinar teorias e práticas, aplicando apenas o verbo dar, esquecendo-se de nos ensinar a conjugar, também, o verbo levar (ou outro verbo similar – por exemplo: EMBRULHAR).

Era por isso que a grande maioria das nossas mal preparadas classes graduadas, desapropriada e imprudentemente, mostravam vaidade e até sinais de arrogância, quando debitavam sobre os ombros as frescas Divisas e Galões douradas, nos seus camuflados polidos e novinhos de “Piras”.

“Piriquitos” estes que, na generalidade, não dispunham de qualquer aptidão e, ou, qualidades de comando dos “seus” homens mas, mesmo assim, também próprio de uma boa percentagem de ingenuidade de rapaziada com vinte e poucos anos, apresentavam-se desassombrados e, bem pior que isso, sem terem a noção precisa da sua inexperiência, para enfrentar os primeiros contactos com os inúmeros “sarilhos” africanos.

Os rostos ainda imberbes, deixavam adivinhar o que iriam sofrer na pele, quando pela primeira vez enfrentassem as agruras de uma guerra, que era diferente daquilo para que tinham sido treinado e instruído, durante uns escassos 6 meses.

Aquelas “guerrinhas” artificiais, usando balas de pólvora seca, golpes de mão fictícios, patrulhamentos a brincar, utilizando armamento antiquado e muitas vezes envelhecido, etc. que nos tinham ministrado, iriam demonstrar a sua inadequação ás realidades cruéis e irracionais do fogo real e de uma lógica de sobrevivência, sacrifício e morte.

Os baptismos de fogo a que cada um, mais tarde ou mais cedo, fomos sujeitos, teve o condão de nos acordar, para a cruel e fria realidade de que afinal o verbo dar, ali na prática, se transformava em embrulhar.

O IN, com mais experiência que nós sabia-o, por isso logo que os “piras” aterravam nos quartéis eram, invariavelmente, postos á prova. O IN que vigiava todos os nosso movimentos, quando sabia que haviam “piras” na zona, lá vinha testar a capacidade de reacção e agressividade dos mesmos, pondo à mostra as “mais valias” de quais eram as diferenças entre os verbos dar e levar.

As primeiras “baixas”, iam implacavelmente causando sofrimento, dor, raiva e amargura.

Sentimentos estes que só a fraterna camaradagem adquirida e o “abrir dos olhos”, com o passar do tempo, amortecia e calejava até os menos “duros”.

Depois o discurso institucionalizado era sempre o mesmo: quando eram as nossas tropas a dar “porrada” era “grande ronco”, quando tocava a levarmos do IN a coisa rotulava-se de “uma cambada de assassinos e criminosos”.

Com o decorrer do tempo verificávamos que a fraquíssima instrução que nos tinham administrado, para pouco ou nada servia, e não passávamos, no contexto mais elementar de “carne para canhão”. Isto é, fazíamos de peões num tabuleiro de xadrez, que alguém, bem instalado no ar condicionado e de copo de Whisky na mão, movia no tabuleiro (terreno) a seu belo prazer.

E nós “os peões das nicas” continuávamos como melhor nos sabíamos “desenrascar” a DAR, quando podíamos, e quando não podíamos nem sabíamos a EMBRULHAR, muitas vezes “brincando” às escondidas com o IN, mais parecendo, esta última, uma das nossas brincadeiras de criança - o “TOCA E FOGE”.

Só que a Guerra não era uma brincadeira de crianças, ela era dura, implacável e para muitos foi mortífera. Para esses, infelizmente, só existiu o verbo LEVAR, deixando aos restantes - mais afortunados -, o verbo DAR.

Deveriam ter-nos ensinado a triste e cruel filosofia da Guerra.

Mas quem tinha interesse nisso?

Hoje, creio bem que o que era necessário, era arranjar efectivos para alimentar aquela triste contenda e, assim, para lá foram estes filhos da Nação, além-mar… umas vezes… DAR e outras… LEVAR.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Imagens: © José Félix (2009). Direitos reservados
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 comentários:

Anónimo disse...

Mário Pinto



É… é como dizes e o ditado também : “Quem vai à guerra dá e leva” !

Foi, é e será sempre uma verdade insofismável ! Em todas as guerras, em todas as batalhas em todas as disputas !

Esta verdade não retira, quanto a mim uma outra :À grande maioria dos graduados não lhe era dada preparação à altura para aquele tipo de conflito, pelo que também não podia ser convenientemente passada aos soldados.

Por essas deficiências (também) muita e muita gente sofreu,e ainda hoje sofre...como tu mesmo testemunhas !

Apesar de tudo e com a nossa Lusitana capacidade de adaptação e improvisação íamos ultrapassando as dificuldades…e eram tantas e tamanhas !

Daí o dizer-se que quando vínhamos embora é que estavamos preparados para ir

Um abraço
Luís Faria

MANUEL MAIA disse...

CARO MÁRIO,

UMA VEZ MAIS TEMOS DE VOLTAR À QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE,OU MAIS PROPRIAMNTE À FALTA DELA...

A QUEM COMPETIA A TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO?

O PESSOAL DO QP NÃO DAVA INSTRUÇÃO!

ANDÁVAMOS NÓS,MILICIANOS,A ENSINAR O QUE DESCONHECÍAMOS...

MAS JÁ CORREU TINTA SUFICIENTE PARA SE INSISTIR MAIS...

ONDE ESTAVAM OS HOMENS DAS GRANDES DRAGONAS?

UM ABRAÇO
MANUEL MAIA