quinta-feira, 28 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4432: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (7): 4 dias de inferno em Junho de 1969


Amigos e camaradas, 

QUARENTA ANOS estão passados. 

Vou tentar descrever o melhor possível como foram os 4 dias de Inferno (7, 8, 9 e 10 de Junho de 69) no Hospital Militar. 

Em Março, tentei obter algum apoio para que a história tivesse melhor composição, para ter nas datas as zonas de onde vieram as evacuações, mas como tal não foi possível, vou descreve-la da melhor forma que poder. 

Dia 07 (sábado) 

Começava o dia com manhã calma e serena, como já muitas anteriores, que nos levava por momentos a pensar que a Guerra tinha acabado. Haviam duas semanas passadas que as evacuações eram escassas, tanto por hélios como pela base, passavam dias e dias sem uma evacuação, a calma tornava-se surpreendente. 

Tinha por hábito passar as manhãs de sábado no hospital, só depois de almoço ia até á cidade, os que não estavam de serviço, na maioria, piravam-se logo de manhã. Almocei, fui lavar a camisa que queria vestir, cortei a barba, tomei banho, enfiei-a no corpo e dirigi-me para a entrada principal para ir na carrinha que nos levava para a cidade, atrasei-me, já tinha saído, fiquei a aguardar pelo próximo transporte. 

Passado pouco tempo sinto a meu lado o médico dia, que me pergunta: 

- Para onde vais? 

Em tom de brincadeira, lhe respondo: 

- Vou ás putas! 

- Ias ! E os que lá estão têm de vir, vamos ter muito trabalho. 

Pensei que ele estava a brincar, não sei como ele soube, mas era verdade. 

Talvez não tivessem passado 5 minutos, ás 13h e 17mn, vejo vir em direcção ao Hospital 2 hélios, sem que o tivéssemos previsto… ia começar o INFERNO. 

Começam as corridas desenfreadas das viaturas do hospital para a cidade, tinha-se de ir buscar médicos, enfermeiros e todo o pessoal que fizesse parte do HM. 

A paga dos dias de calma surpreendente tinha chegado. 

Começavam as perguntas sem resposta, pensamentos sem sentido, tudo isto tínhamos de deixar para mais tarde e dar ao cérebro a liberdade de ocupar-se com as orientações necessárias para o trabalho que íamos ter pela frente, tinha de ser feito. 

Não fui dos que corri á cidade por me encontrar á civil, mas desde o primeiro momento fazia a retirada dos feridos dos helicópteros para dentro do hospital. 

Pelas 3 e tantas da tarde, tenho que mudar de roupa para puder dar apoio á ambulância que está de serviço á base, pois para lá, também já tinha começado a corrida. A tarde não tinha começado bem, mas ia ficar pior, saí do hospital com destino á base onde já se encontrava o outro condutor o B (só ponho a inicial de seu nome) lá nos encontrámos e ao mesmo tempo recolhemos os feridos com destino ao hospital, eu saí pala ultima rua da base, ele pela do meio que vinha de frente á porta de armas, chegados ali, ele sai primeiro e lá fui a trás dele directos ao hospital, como devem calcular a boa velocidade, passado os Adidos, em frente á Engenharia dá-se o azar, o B atropela 7 africanos que se encontravam á beira da estrada, não parámos nem ele nem eu, teríamos que desocupar primeiro as ambulâncias, para os vir recolher, quando lá chegamos já tinham seguido num Unimog da Engenharia, se não me engano 5 morreram. A partir desse momento o HM fica com menos um condutor, quando mais falta fazia. 

Resto do dia, trabalho em força, começa o posto de socorros a não ter capacidade para tantos feridos, começasse a pôr macas em fila no corredor com os feridos menos graves, que prontamente ali são assistidos com os cuidados necessários, deixando assim um espaço maior no P S para os casos mais graves que posteriormente iam chegando, que não foram poucos, pudessem ser encaminhados com mais rapidez ao local adequado ao seu tratamento e recuperação, quero com isto dizer, SO, CI (cuidados intensivos), PC (pequena cirurgia) e BOs (blocos operatórios), aqui sim se terá instaurado o caos, não havia mãos a medir, nem médicos, nem enfermeiros tiveram o mínimo descanso pela noite dentro e restante pessoal tinha muito trabalho pela frente e ajudas a prestar. 

Posso dizer que, até dentro do posto de socorros, foram feitas massagens cardíacas (peito aberto) directas ao coração. 

Por muito que me custe, não posso fugir á verdade, alguns tiveram como destino a ultima morada. 

Cama, nem vê-la. 

Estava aberta a sala da messe de sargentos, durante a noite, para se ir petiscando qualquer coisa, mais que não fosse, pão com manteiga e copos de café com leite. 

Dia 08 (Domingo) 
 
Porra, mas que está a acontecer? 

Rompe o dia, sem termos tempo para um bocadinho de merecido descanso e a casa ainda um pouco desarrumada, com o som característico de hélices em rotação, tinha começado mais um dia sangrento não sei se pior ou igual ao anterior, mas melhor não foi. 

Chegada e partida de helicópteros todo o dia, corrida de ambulâncias para cima e para baixo, mas desta vez, com PM no percurso. 

Spínola, chega de manhã ao Hospital para se inteirar da situação. 

É levantada a ideia de se ter de montar um Hospital de Campanha. 

Não se concretiza. 

Corrida de dois Unimogues 404, durante o dia, para a cidade e Brá a fim de recolher militares para dar sangue. 

Entramos uma vez mais pela noite dentro com o mesmo esquema da anterior. 

Cama, nem vê-la! 

Talvez dada a circunstância de só termos entre 20 e 22 anos, pela força de vontade, com a ajuda de algumas chuveiradas que íamos tomando de tempos a tempos, conseguíamos levar a cruz ao Altar, com dignidade e respeito, mantendo a cabeça bem equilibrada no sitio para não haver nenhum descontrolo. 

A sala do copo de café com leite, continuou aberta toda a noite 

Há!... não posso esquecer que os médicos também precisavam, e bem, de serem tratados. 

Quando tinham a possibilidade de descansar um bocadinho, lá o íamos levar a casa para tomar um bom banho e mudar de roupa, era só esperar e traze-lo de volta, fosse de dia ou de noite, alguns médicos, num bocadinho que tinham durante a noite, vinham ao bar encostarem-se um pouco no sofá para descansar a pestana, mas o tempo era pouco até ao reinicio da próxima viagem. 

Éramos uma grande equipa, talvez possa mesmo dizer… que família! 

Dia 09 (2ª. Feira) 

A manhã surgiu mais calma, que alivio, mas a noite uma vez mais se tinha tornado bastante cansativa, ao encarar a claridade os olhos pediam uma boa chapinhada de água, lá os levei para baixo do chuveiro com corpo cabeça e tudo, pois o dia ainda prometia muito trabalho, não com tanta intensidade, mais compassado tanto por ar como por terra. 

Spínola chega de manhã para se inteirar novamente da situação. 

Chegou a ser posta a ideia de serem substituídos os condutores do Hospital por condutores dos Adidos ou da PM. 

Não foi aceite, nem tão pouco para um serviço daqueles faria sentido. 

O Hospital, se não me engano e creio que não, estava com 15 condutores, no mínimo. 

Alguns já tinham começado a descansar pela manhã. 

Cegada a noite, a 3ª foi de vez, fui para a cama, dormi que nem um anjo, nem o diabo me acordaria. 

Dia 10 (3ª. Feira) 

Levantei-me ás 7, a manhã estava calma no exterior. 

Mas o interior do Hospital continuava com bastante trabalho. 

Durante o dia ainda houveram muitas evacuações, mas nada comparado com os dias anteriores. 

Mas como o azar não podia ser só para os de fora, também teria de tocar uma vez mais a nós… não falhou!  

E calhou ao mesmo. 

Como algum pessoal estava a descansar, isto referindo-me a condutores, e os que não estávamos andávamos atarefados, e bem, com os trabalhos em curso, o B, ao ouvir dizer que era preciso ir arranjar mais malta para dar sangue, se ofereceu para ser ele a fazê-lo. 

Todos sabíamos e ele também que não podia conduzir, motivado pelo acidente de sábado atrás, mas tanto pediu e de boa forma o fez que o Tenente deixou. È claro, filho pede…pai cede! 

E lá foi. 

Levou o Unimog Grande com a parte de trás coberta com a capota. 

De regresso ao Hospital, onde só podia trazer 18, trazia 23, quando já estava perto do hospital, em frente ao Bairro da Ajuda, pelo que disseram, um cão aparece-lhe á frente ele guina para o lado da berma falha e tomba, capotando para a vala. Não podia ser pior. 

Se o trabalho no Hospital ainda andava bastante complicado, pior ficamos. 

Deu mortos, feridos e amputados. 

O 1º a socorrer foi um condutor da Base, vinha a passar e levou dois ou três, ao entrar com o autocarro bateu com o mesmo no ferro que levantava na entrada principal que o virou para o outro lado. 

Mais uma noite entrada por ai dentro. 

O condutor B, ficou bastante mal, teve de ser operado á cabeça e evacuado para Lisboa. 

Não sei se se salvou ou não, não soube mais nada dele. Por esse motivo só ponho a inicial de seu nome. 

NOTA: Se tivesse comigo os apontamentos que trouxe, estariam também aqui os nomes dos soldados evacuados e as zonas de onde vieram. 

Tivemos também o apoio da ambulância da base, a esposa de um médico do Hospital, que também era médica, esteve presente. 

Pelo que se falava, todos que eram médicos em Bissau, para lá foram encaminhados. 

Não foi montado Hospital de campanha, mas foram fretados á TAP aviões para fazerem as evacuações para Lisboa naqueles dias. 

As Nossas Queridas Enfermeira Pára-quedistas, não me lembro bem, depois de um dia bem estafadas, á noite ainda lá iam dar uma mãozinha. 

Houveram evacuações nocturnas. 

Fico por aqui. 

Um abraço para todos, 
António Paiva 

________ 

Nota de MR: 

Vd. último poste desta série em: 


1 comentário:

Anónimo disse...

Camaradas
Eis um bom relato da solidariedade na retaguarda. Para o Paiva, o B, e restantes anónimos, vai um abraço.
José Dinis