domingo, 24 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camarada (4): Não é um elogio fúnebre que te quero dedicar... (António G. Matos)

1. Mensagem de António G. Matos ex-Alf Mil MA da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72 (*), com data de 21 de Maio de 2009:

A existência de postes em homenagem às nossas Mulheres-Mães, Mulheres-Namoradas, Mulheres-Mulheres, nunca será suficiente para lhes reconhecer o amor e o valor que lhes dedicámos particularmente numa altura das nossas vidas-não vidas.

Felizmente que escrevo com os dedos pois se neste momento tivesse que dar voz ao que me vai na alma, teria sérias dificuldades em articular as palavras.
Mas, costuma dizer-se que um homem não chora e, talvez por isso, me emocione quando recordo as lágrimas a correr pelas faces do meu Pai ao ver-me partir para a Guiné.
É certo que não foi uma partida tão chocante quanto a de muitos que embarcavam nos barcos e a situação prolongava-se por horas infindas, até que se deixavam de ver os lenços do adeus ...

Eu parti dos Açores, sem familiares por perto e hoje, reconheço, tive pena de mim.
Faltou-me o abraço do Pai e os beijos da Mãe naquele momento terrível de saudade...

Hoje, quer um quer outro, já se despediram e não consigo abstrair-me do sentimento de impotência pelo qual devem ter passado ao verem-se, simultaneamente, privados de dois filhos em missão militar em África.
É por isso que me vejo compelido a abrir um poste aos nossos Homens-Pais, Homens-Irmãos, Homens-Amigos e homenageá-los com garra e sentimento ainda que com a lágrima sexagenária ao canto do olho.

Este blogue é, a par do relato das nossas estórias, um repositório de sentimentos que a circunstância guerra extrapolou e daí que não me repugne publicar as palavras que lhe dirigi quando foi embora e recordá-lo pela falta que me faz.

Pai,

Não é o elogio fúnebre que te quero dedicar, hoje.
Nem é aos presentes que quero dirigir estas palavras.
É a ti que me dirijo emocionado pelo que representaste para mim ao longo deste último meio século.
E representaste tanto!
Tanto, que tenho remorsos em nem sempre ter satisfeito as tuas expectativas! Pelo contrário, tê-las gorado!
Aqui estou a reconhecê-lo e a pedir-te que agora, nesse mundo no qual também acredito, possas finalmente ter a paz psicológica que os últimos anos te tiraram.
Contrariamente ao imaginado nos meus primeiros anos de vida, éramos, ultimamente, parcos em palavras. Para tal contribuiram factores menores perante esta enormidade que é a Morte!
Outros virão, porém, que tentarão melhorar o que nós estragámos.
E aqui te quero deixar o meu testemunho pelo nó emotivo e de grande orgulho que me envolveu a garganta quando ontem, todos os teus netos em manifestações de enternecedor carinho te visitaram no hospital e de todos recebeste uma festa e de alguns brotaram as lágrimas que o amor e a saudade pressentida fizeram transbordar. Eu vi!
Poderia aqui ficar a desenrolar um interminável número de situações pelas quais és recordado carinhosamente pela grande maioria dos presentes. Prefiro, porém, dizer-te que também eu fico com a saudade de uma vida inteira fisicamente perto de ti recheada de bons exemplos e de uma leal entrega à família pela qual e para a qual viveste.
Obrigado Pai.

__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4379: Blogoterapia (102): Este blogue de que eu gosto! (António Matos)

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4062: Meu pai, meu velho, meu camarada (3): No Dia Mundial da Poesia (António Graça de Abreu)

7 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro António M.
mais uma bonita e sentida intervenção que nos proporcionaste.
Sobre essa tão falada questão da incompatibilidade da lágrima e da condição de se ser Homem ainda hei-de escrever sobre isso. Hoje não.
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Olá António,
Julgo que sei o que sentes quando, magistralmente, te referes ao amor de pai. O mesmo se passa comigo, mas por motives diferentes. Durante a minha comissão na Guiné eu nunca recebi uma carta de meu pai nem ele leu uma escrita por mim.
Sabes António, o meu pai só aprendeu as letras que o trabalho lhe ensinou. Nunca se sentou numa carteira de escola, mas aprendeu o alfabeto que as lições da vida lhe ensinava todos os dias. Naquele tempo não era obrigatório ir à escola.
Um dia ele decidiu sair da sua ilha, as Flores, para que no Faial os seus filhos pudessem ter acesso ao liceu. Para que pudessem ter uma vida melhor e diferente do que a dele.
Já nos E.U.A. para onde emigrara continuou a incemtivar e ajudar os filhos a melhorarem os seus conhecimentos escolares. De cursos médios a mestrados foram cinco os rebentos que graduaram das universidades americanas.
Muitas foram as vezes que tentamos que ele aprendesse o ABC. Nunca quiz aprender. Sempre respondeu com alguma graça: “Se eu souber tanto como vocês não terei alegria”. Nós bem compreendemos o que ele nos quer dizer. Por amor ele se sacrificou. Por amor ele deu-nos tudo o que tinha para nos dar.
Hoje, com oitenta e dois anos de idade e regressado ao Faial, ele espera a minha visita anual. Ao fim e ao cabo eu ainda sou a carta que ele nunca leu. Dele sempre recebi uma grande lição de amor
Procuro não defraudá-lo.
José Câmara

Anónimo disse...

Amigo Toni

Só agora li. Fiquei comovido com o que escreveste,muito!

Gostava "Especialmente" dele. Puseste-me a recordar coisas que não se esquecem nunca.

Era um vosso Companheiro,um Amigo e um PAI dedicado

Tive a Honra e a sorte de o conhecer e de com ele conviver.

Está em Paz,a olhar pela Familia!

Luis Faria

António Matos disse...

Amigo Luís, eu estava errado !
Afinal um homem chora mesmo !
Com palavras tão simples acordaste-me sentimentos inexplicáveis que os laços familiares criam ...
Comovo-me quando me dirigem palavras relativas ao meu pai.
E não foram palavras de circunstância, sei-o bem, pois conviveste connosco o tempo suficiente para também lhe dedicares a estima que ele tinha por vós.
Fico muito sensibilizado quando o recordo, só ou em conjuntos familiares ou de amigos, pois sempre o fazemos recordando momentos engraçados e bem dispostos !
Um grande abraço e obrigado
António Matos ( ok, Tony )

Jorge Fontinha disse...

Um bem haja por abordares este tema.Os homens choram sim e eu tive poucas oportunidades para ver chorar o meu pai.A primeira foi a seguir ao 15 de Março de 1961, quando vindo de Nambuangongo após os massacres onde viu o filho mais velho ser massacrado e me encontrou em Luanda, então com doze anos, são e vivo.A Segunda foi em Janeiro de 1970, quando me ofereci para ser incorporado na tropa Especial em Lamego, onde frequentei o Curso de Operações Especiais.A terceira, quando juntamente com o Luis Faria e outros, embarcamos para a Guiné, nessa altura chegou a dizer-me que não queria ficar sozinho.
A 4º, bem a 4º foi de uma alegria transbordante, quando o avião aterrou em Lisboa, comigo intacto.O Luis Faria sabe bem o quanto isto me toca.Mais uma vez bem hajas por também me imocionares.
Um abraço.
JORGE FONTINHA

Anónimo disse...

Ó Malta,
Todos nós, alguma vez, quisémos imitar os nossos pais, orgulhosamente. Hoje, por via do António, tive uma grande saudade de um homem muito bom.
Abraços fraternos
José Dinis

manueloliveiramaia disse...

Ora aqui está um texto extremamente feliz porquanto bem escrito, que nos faz pensar na roda do tempo que hoje nos coloca na posição de pais e de avós e ontem na de filhos dilectos a separarem-se da família a caminho de uma guerra lá longe de que não sabíamos nada quanto ao regresso...
Achei extraordinariamente bem concebida a expressão: "tive pena de mim...
Aconteceu-me uma situação similar e sei quanto doeu ver os outros darem o ultimo abraço,no pai,na mãe na namorada.
Os meus tinham já uns dias bons de distanciamento...
Parabéns.