quinta-feira, 14 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4341: Questões politicamente (in)correctas (38): Abuso e abuso do termo 'nharro' (Zeca Macedo / Henrique Matos)

1. Mensagem do nosso camarada Zeca Macedo (ou Zeca Macedo, para os amigos), um cabo verdiano da diáspora, que foi Fuzileiro Especial no DFE 21 (Cacheu e Bolama, 1973/74), e que hoje é advogado nos EUA, para onde imigrou em 1977 (*).

Virgínio:

Li num Post de hoje, 12 de Maio, e não quis acreditar.: "Estando Mato Cão na berra com a última estória do Jorge (sempre surpeendente) e do Mexia Alves sobre o Bu...rako onde esteve com os nharros do 52 que eu ensinei" (...) (**)

Nharros do 52? Estará ele a referir-se aos Caçadores Nativos, chamando-os de Nharros, 43 anos depois? Ser+a que chamará de Nharro, na cara dele, ao Marcelino da Mata?

Quando alguém critica o Cor Coutinho e Lima ou chama de Bandos os soldados (não foi bem assim), cai o Carmo e a Trindade; contudo, quando se chama de Nharro (pior dos piores pejorativos) aos soldados nativos, ninguém (a não ser eu?) protesta.

Foi só um desabafo de um Fuzileiro que esteve num destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos.

José J. Macedo, Segundo Tenente
DFE 21-Guiné

Jose J. Macedo, Esquire
Law Offices of Jose J. Macedo
392 Cambridge Street
Cambridge, MA 02141
Tel. (617) 354-1115
Fax (617) 354-9955


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio, de Mário Beja Santos > O primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (Porto Gole e Enxalé, 1966/68), Henrique Matos, com o Queta Baldé, seu antigo soldado. O Henrique, açoriano, vive em Olhão e é, como se costuma dizer entre nós, um verdadeiro camarigo. Não apenas camarada, não apenas amigo, um camarigo, um tabanqueiro de cinco estrelas. (Atenção que tabanqueiro quer dizer "membro da nossa Tabanca Grande", do nosso blogue; em Bissau, pode ter hoje um conotação pejorativa, quando o termo é utilizado pela comunicação social ou pela elite política: habitante de uma tabanca, rural, campónio, saloio)...

Foto: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


2. Resposta na volta do correio, por parte do editor L.G.:

Meu caro Zeca Macedo:

Eu conheço bem o Henrique Matos, comandou o 1º Pel Caç Nat 52, composto por gente valorosa, guineenses, fulas e outros (na zona de Porto Gole, Enxalé, a norte do Rio Geba)... Ele usa a expressão nharros, sem qualquer conotação racista, antes pelo contrário, com carinho... Tal como eu a uso, queridos nharros, referindo-me a homens que foram/são meus camaradas e amigos... Repara: tal como usamos o termo tugas (que também é/era depreciativo)... Sem complexos!

Admito que possa haver leituras como a tua... Em termos do processo de comunicação, temos aqui a dupla questão da denotação/conotação... Para mim e para o Henrique Matos, o termo tem outra conotação: usamos a palavra com afecto, por muito estranho que te pareça...

Eu sei que vives no States, no país do politicamente correcto, e que este termo (nharro) aí seria um insulto... No nosso blogue, num contexto descomplexado, pós-pós-colonial, parece-nos inofensivo.... Repara que temos para os antigos soldados guineenses que lutaram contra o PAIGC, ao nosso lado, uma série que se chama Os Nossos Camaradas Guineenses... Acho que isto diz tudo...

Resumindo: Seria bom que o termo viesse em itálico, ou com aspas, ou que não fosse sequer usado... Obrigado por estares atento. É por estas e por outras que estamos a precisar de um provedor do leitor do blogue... Best regards. Luís


3. Novo comentário do José Macedo:

Obrigado pela resposta. Sei que quando dizes Nharro não é racismo, contudo, o importante não é o que pensa quem o diz, mas sim que o recebe. Acho que nos EU não é que sejamos politicamente corretos (sem o "c" devido a politicamente correta reforma ortográfica).

Penso sim que se trata de um processo evolutivo. Chegou-se a esse ponto de sensibilidade depois de uma longa luta pelos direitos civis dos negros. É o que está a contecer agora com os casamentos entre gays e entre lesbians. Não aconteceu de repente. Existe todo um passado de luta. Em Portugal, infelizmente, tal (ainda) não aconteceu.Continua a ser um pais de brandos costumes.

Um abraço amigo,

Zeca Macedo

4. Comentário, politicamente correcto (***), do nosso querido Henrique Matos:

Caro Luís:

Fiquei como se costuma dizer de boca aberta com o comentário ao meu poste. Para quem me conhece só faltava mesmo poder pensar-se que usei o termo nharros com qualquer intuito racista. Enfim... mas a tua defesa foi óptima.

Abraço
Henrique Matos
________

Notas de L.G.

(*) Vd. último poste deste nosso camarada > 10 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P4009: Blogoterapia (96): Não chorarei a morte do Nino (Zeca Macedo, ex - 2º Ten DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)

Vd. também:

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2532: Tabanca Grande (56): José J. Macedo, ex-2º tenente fuzileiro especial, natural de Cabo Verde, imigrante nos EUA

2 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3014: Fuzileiro uma vez, fuzileiro para sempre (José Macedo, EUA)

(**) Vd. poste de 12 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4328: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (6): Atolado no Mato Cão, com a CCAÇ 1439, a madeirense do Enxalé

(***) Vd. último poste desta série que, ultimamente, não tem sido muito usada... > 4 de Novembro de 2007> Guiné 63/74 - P2237: Questões politicamente (in)correctas (37): RTP: As baixas da guerra (Paulo Raposo)

12 comentários:

Anónimo disse...

Caro J Macedo:
Parece estar tudo dito pelo Luís Graça. Contudo, parece-me conveniente não se misturar determinadas formas de tratamento, no caso vertente e por quem as faz:-formas ou modos afectuosos de tratar antigos camaradas. Não uso essa forma de tratar africanos ou europeus. Mas para mim, para eles, são Homens, camaradas e amigos. No blogue aqui neste espaço, se sentisse haver racismo- violento o termo - prefiro desrespeito por outro camarada de cor ou outra diferença- SAÍA de imediato.
Os brandos costumes do Povo Português estão na sua matriz e é preciso compreende-la e pratica-la.
Não digo nada sobre a luta dos povos nos USA. Seria longo...de gays e lésbicas como não percebo, nada digo. Têm o direito a serem diferentes.
É bom que estas questões surjam no blogue:engrandecem-no como espaço plural. Abraços TM (Torcato)

Carlos Vinhal disse...

Concordo com o que diz o nosso camarada Zeca Macedo. Não está em causa a maneira de pensar de quem usa determinados termos, mas de quem lê. Pode-se ser racista e xenófobo, por exemplo, tanto por sentimentos de superioridade como de inferioridade.
Quando falamos cara a cara, por vezes, não nos entendemos, que fará por escrito, meio sujeito às mais diversas interpretações. Nestas situações o ideal seria evitar certos termos dúbios ou possivelmente ofensivos.
Se o Zeca Macedo conhecesse o Henrique, não levantaria o problema com toda a certeza.
Para os dois, um grande abraço.
Vinhal

António Matos disse...

Estava tentado a apelar ao jargão " a língua portuguesa é muito traiçoeira" não fosse o facto de "nharro" não se inserir nos mais avançados tratados da línguística nacional.
Descobri apenas a semelhança com o brasileiro onde o significado é o de "pessoa não conhecedora do assunto".
Descontextualizar é sempre arriscado e leva-nos ( na gramática, na política ou em qualquer outro item ) a metermos o pé na argola ...
São por demais conhecidos os exemplos em que damos uma significação diametralmente oposta ao sentido habitual dum vocábulo quando as circunstâncias se alteram e "nharro" é um exemplo perfeitamente acabado.
Tenho, pois, para mim, que considerar crime de lesa-pátria ou lesa-qualquer-outra-coisa o uso desta expressão sem o devido enquadramento do discurso é um acto de despropositado purismo mas de inegável efeito bola de neve nas consequências retóricas que proporciona.
A minha visceral relutância a questões de confronto por inerência à côr da pele e que assume expressão a meros vocábulos arremessados à prosaica defesa de valores morais leva-me a desvalorizar esta hipotética polémica pelo que por aqui me fico.
António Matos

Joaquim Mexia Alves disse...

Caros camarigos

Julgo ser uma falsa polémica pois todos sabemos que nenhum de nós escreveria tal termo ofensivamente.

Se poderia evitar-se? Talvez fosse melhor, mas quem conhece o Henrique Matos sabe perfeitamente que ele o escreveu com toda a amizade do mundo.

Já as considerações sobre "longa luta pelos direitos civis dos negros" nos EUA, julgo que nada têm que ensinar aos portugueses. Quanto a:
"É o que está a contecer agora com os casamentos entre gays e entre lesbians. Não aconteceu de repente. Existe todo um passado de luta. Em Portugal, infelizmente, tal (ainda) não aconteceu.Continua a ser um pais de brandos costumes."

Isso é uma opinião que não é de modo nenhuma pacifica, nem nos EUA nem em país nenhum e portanto será uma evolução ou não conforme o pensamento de cada um.

E eu vou-me orgulhando de Portugal ser um país de brandos costumes.

Abraço camarigo para todos especialmente para o Zeca Macedo que está mais longe, do outro lado do Atlântico

Antonio Graça de Abreu disse...

"Nharros", "castanhos" eram vocábulos de conteúdo depreciativo utilizados muitas vezes pela NT. Ou será que o racismo não existiu, não existe?
Porque somos brancos, não vamos branquear comportamentos menos conformes em relação ao que todos, brancos e negros, devemos ser e somos, HOMENS.
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Ó António!

Desculpa lá, mas eu não tenho esse ponto de vista. Vamos ver:
No Alentejo nos mesmos tempos era vulgaríssimo ouvirem-se as mães dizerem para os filhos:
"Gaiato dum filho da puta" isto seria ofensivo? Já no norte se o disseres é altamente ofensivo! São formas deste rico Português que por vezes uma palavra vernácula até é dita com carinho.

A mim todos os camaradas de cor, da milícia do João Bacar Djaló, me chamavam o furiel "Mamadu" acho que era um carinho e honra para mim.

Aquele sempre grande abraço do tamanho do nosso Cumbijã

Mário Fitas

Anónimo disse...

Meus amigos

Cá está em formação uma polemicazita que só vem atestar que a Tabanca está atenta, viva e com saúde.

Sou e sempre fui um Português do Portugal dos brandos costumes, evolutivo, não Gay (nada me move contra eles),não racista, não xenófobo , pacifista q.b. belicista q.b. , também com características apaziguadoras .

Daí o não querer entrar na polémica ,mas esclarecendo que ao termo “nharro”não o tenho como perjúrio no contexto deste Blogue, admitindo no entanto que possa haver quem assim o interprete e talvez não seja má ideia de, como disse o Vinhal, doravante metê-lo entre “” ou acrescentar-lhe um ( carinhosamente) no caso de o contexto não ser belicoso!

“Cada cabeça, uma sentença”, mas creio que seria absurdo, na descrição por exemplo de um combate escrever : nharro (carinhosamente) de um cabrão, como expressão dos insultos atirados ao “turra” !!

Evitar a palavra, também poderá traduzir-se numa situação de desvirtuamento de uma realidade que nos foi tão comum ,tanto em termos de carinho como de agressividade!

E com o andar da escrita, começo a chegar à conclusão que o termo, aplicado no contexto do Blogue não pode deixar de ser uma realidade.

O que seria do “calãozão” tantas vezes empregue nos textos, como força narrativa?

Como é que o Pessoal Nortenho conseguiria expressar correcta e fluentemente a deriva dos seus pensamentos sobre estórias desses tempos?

Podíamos ir até mais longe mas…
mas já agora e para terminar, que já tenho um nó no cocuruto de tanto divagar(não sou nenhum Nemésio),digam-me como se escreve : nharro , narro(com ~ no n) ou narro?

A propósito, para desanuviar as hostes e fazer jus a minha condição de apaziguador(??), ouçam esta :
Oh pá, diz-se(não é escreve-se) cinquenta ou cinqenta?
Diz-se cinquenta ,responde o amigo.
Então porque se diz enxaqeca e não se diz enxaqueca ?
O amigo letrado, esforça-se a dar uma explicação ao interlocutor atento, até que este exclama : foda - se pá, nesse caso …caguei !!!

Um abraço com desculpas de alguma coisinha
Luís Faria

António Matos disse...

C'um caraças, Mário Fitas, assustaste-me, porra !
É que ao ler o teu comentário dizes que tens um ponto de vista diferente do meu e passas a dar-me exemplos que eu tinha dado anteriormente.
Eh pá, o Mário está xoné, ou quê ? ( perguntei eu de mim para comim ).
Depois lá dei uma palmada no écran e verifico que antes de ti escreveu um outro António e eu acho que é a esse que te referes, será ?
Esclarece lá esta obtusa polémica para que cada um fique com a sua dama e o nosso querido amigo Luís Faria não precise de ficar equivacuadao !

Colaço disse...

É assim no País de brandos costumes.
Como diz o atento camarada José Macedo o importante não é o que pensa quem o diz, mas sim que o recebe.
Deves conhecer, foi do domínio público o que se passou na escola E B 2,3 de Mem Ramires em Santarém em que um professor de música foi alvo de um inquérito interno por o aluno ter feito queixa á mãe que o professor tinha dito: Entra lá ó preto.
O resultado não interessa para o caso, o professor disse que não disse etc.
Aqui o que se passa é que o blogue... é grande e alvo de várias interpretações.
Henrique recebe um abraço amigo Colaço.

Anónimo disse...

Caro António Matos,

Calma rapaz! A mona ainda funciona razoavelmente.

É claro que era para o António Graça de Abreu.

Um abraço vá lá maior que o Cumbijã,

Mário Fitas

Anónimo disse...

Quando vi que este post tinha tantos comentários, tive que ler, claro, sou curioso.
Mas como tento ser políticamente corre(c)to, estou como o peixe na água.
Nunca utilizo termos ofensivos, (na origem ou no destino), para cidadãos africanos, japoneses, indianos, iranianos ou belgas.
Nem sequer para aqueles alentejanos cujas mães lhes chamam nomes, que a si próprias não aproveitam.
Eu gosto deste País de brandos costumes.
Também gosto do País do Presidente Obama. O nosso novo guia...
E pode o J. J. Macedo estar tranquilo que um dia destes, qualquer dia, vamos partir as amarras e os gays e as lésbicas, farão grandes filas às portas das repartições do Registo Civil.
Degrau a degrau...
Quanto aos camaradas dos tempos da Guiné, para mim, são: o Aliu, o Gibril, o Sori, o Mamadu, sem qualificativos...
Sem ofensa...

Manuel Amaro

Fuzileiro disse...

Mostrei ao meu filho Victor, nascido nos EU mas que le e entende bem o Portugues, os posts no blogue sobre o meu comentario e depois de eu lhe ter dado o "background" da nossa discussao disse-me que a questao tem muito a ver com o "poder", real ou verdadeiro dos actores. Ele notou que quando alguns membros da tertulia chamam os militares Guineenses "carinhosamente" de "nharros"referencem-se a miliciais, soldados e cabos. Nenhum graduado eh ou foi tratado ne Nharro. Sera que algum dos que chamam "carinhosamente" nharro a um soldado, tamber tratariam carinhosamente de nharro o Sicri Vieira, Justo Barbosa o Zicky ou o Marcelino da Mata ? Duvido. Mas se alguem do blogue os chamou ...