quarta-feira, 13 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4336: Controvérsias (17): A acção do IN, face à circunstância, permite julgamento de modo diferente? (António Matos)

1. Texto enviado por António Garcia Matos (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, com data de 1 de Maio de 2009:

Concordo com o Miguel Pessoa na sua relutância em abraçar o seu inimigo. Não concordo, porém, que ele (Miguel) fosse o inimigo.

Há já algum tempo decidi que, se a saudade me fizesse sentir a necessidade de voltar à Tabanca, fá-lo-ia com redobrada expectativa como se de uma operação se tratasse, prescutando aqui, ouvindo atentamente os sons dali, tentando enquadrar a realidade momentânea, e desferir um eventual ataque caso visse postas em perigo as minhas convicções e os meus credos.

Voltei hoje, e rápido me vi empolgado em participar num contacto após a leitura do post P4271 (**) do meu homónimo António Matos, ainda que de Garcia nada tenha mas de Martins não desdenhe.

Essa leitura levou-me a outras e dou por mim a magicar numa frase do Luís Graça ao dizer que o Miguel Pessoa já não podia apertar a mão (***), quiçá dar um abraço, ao homem (Caba Fati) que o tentou matar (falava do strella com que o alvejara) pois este já tinha falecido.

Sempre defendi que a história não pode nem deve ser contada sem o distanciamento que o tempo imporá sob pena de darmos a conhecer versões tolhidas pelo calor dos acontecimentos e com a objectividade ferida por algum facciosismo.
Apreciei a frontalidade do Miguel ao expôr com verticalidade o seu repúdio a tal cumprimento ainda que não desprezasse o respeito pelo combatente inimigo.
Mas estes 37 anos que me separam daquela realidade deixam-me ver, claramente visto (numa perspectiva pessoal) a grande diferença existente numa tentativa de liquidação dum inimigo no corpo-a-corpo com a destruição dum avião.

Na situação do corpo-a-corpo (emboscada ou flagelação), a destruição do inimigo passava pelo atingimento explícito do corpo do combatente e o troféu seria vê-lo dobrar pelos joelhos numa clara manifestação de derrota.
Tenho para mim que ao apontar uma arma pesada a uma avião e toda a logística que se lhe associa, não haverá a ideia que o inimigo seja outra coisa que não a aeronave.

Deixem-me ficar com esta convicção pois não estou nada a ver pegar numa G3 e calcular o cockpit onde estava o piloto e tentar acertar-lhe entre os olhos !
O objectivo será o avião em si e não o piloto pelo que não concordo com a expressão... o homem que te tentou matar...

Provavelmente esta discussão poderia ser endossada para um âmbito meramente filosófico só não sei se há interessados nela.
Talvez o Miguel
Talvez o Luís Graça
Talvez o Matt Hurley
Eu próprio, definitivamente.

Abraços generalizados e desculpem se a polémica não vos merecer atenção especial.
António Matos ( Garcia )
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4296: Espelho meu, diz-me quem sou eu (2): António Matos

(**) Vd. poste de 1 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4271: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (10): Respondendo ao João Seabra (António Martins de Matos)

(***) Vd. poste de 28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)

Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3587: Controvérsias (12): Chicos, furras e ripanços em Catió, 1968 (Jorge Teixeira)

4 comentários:

Anónimo disse...

António Matos:desculpa lá mas li e merece-me atenção o que dizes. Não vou focar o aspecto de atirar ao avião ou ao homem. Não. Somente isto, que se prende com o ter estado na Guiné em tempo de guerra. Participei nela. Tentei esquecer e até perdoar. Mas não.Não esqueço e não sei perdoar. Acabei de ver o 9º e ultimo episódio da II Série de A Guerra. Foi lá focado e relatado, até por pessoas que conheci, a versão portuguesa. Depois a versão do outro lado (PAIGC)relatada por antigos combatentes e dirigentes. Aos poucos tinha-me despido e estava com o camuflado vestido - em sentido figurado, evidentemente- e digo-te não lhes perdoo e não esqueço. Tenho(!?)consideração pelo Pedro Pires e Aristides Pereira mas, se os tivesse de cumprimentar era com sacrifício.Eles ralados...! Mesmo após a independência da Guiné, se lá estivesse, faria os cumprimentos militares absolutamente necessários.A mais não era obrigado e respeitaria os meus mortos. Vê ou melhor lê o escrito dos Comandos Africanos e de outros que foram fuzilados. Sabes com quem estás a tratar. Sabes,como eu sei, o que se passava e continua a passar naquela terra. Não apoio e discordo com a maneira como foi morto o Presidente daquele País e o CEMFA, de igual modo como discordo de outras mortes nestes anos todos e durante a luta...A guerra é a maior bestialidade praticada pelo homem. Só que há homens que conseguem ultrapassar ainda e em muito, essa bestialidade...Fui longo e muito diria.É um comentário meio "peado"e quase nada disse. AB TM

Miguel disse...

Caro António Matos
No Poste 4259 tive a oportunidade de referir num comentário que fiz ao Luís Graça: "Devo dizer que nunca o encarei a ele (Caba Fati) como o 'homem que me quis matar'. Numa guerra muitas vezes nem há ódio envolvido nas acções que fazemos; trata-se, não de 'querer matar alguém', mas sim de 'querer evitar que alguém nos mate'. Por isso nunca tive qualquer ódio ou ressentimento contra o Caba Fati, embora também não houvesse motivo para querer fazer dele meu 'amigo do peito'."
Assim, nesse ponto concordamos que a expressão "o homem que me tentou matar" poderá ser um pouco excessiva (embora eu não tenha tido qualquer interferência nessa expressão). Mas o facto é que o objectivo num combate é inibir o material e o pessoal de que o IN dispõe, no sentido de o impedir de prosseguir a sua acção contra as nossas forças. Assim, numa acção contra um meio aéreo, se o objectivo primário é o de destruir ou incapacitar a aeronave, impedindo-a de prosseguir a sua acção, definitivamente ou por um período prolongado de tempo, interessa naturalmente que o piloto seja também impedido de continuar a sua actividade. Chame-se-lhe 'matar' ou qualquer outro termo mais suave, a ideia é a de pôr fora de combate (de preferência para sempre, digo eu) o piloto que estava a bordo. Não interessa agora analisar a relevância que teve para o caso a minha posterior recuperação física que me permitiu continuar a operar no Teatro de Operações, a verdade é que para o IN teria sido melhor se a minha actividade tivesse terminado definitivamente no dia em que fui abatido.
Se se quiser comparar com outros meios terrestres, embora num ataque a um carro de combate o objectivo primário seja a destruição do veículo, não dou muito pela saúde do pessoal que estava lá dentro depois de levar com uma bazookada em cheio... E se tivessem a sorte de sair do carro, certamente que iriam ser metralhados pelo pessoal que tinha acabado de os atingir.
O mesmo se verificou na 2ª Guerra Mundial com os pilotos que tinham acabado de ser abatidos, os quais eram por vezes alvejados pelos aviões inimigos durante a sua descida de pára-quedas sobre território amigo, pois a sua sobrevivência podia significar que no dia seguinte estariam outra vez aptos a combater.
Vais-me desculpar, mas as discussões filosóficas que sugeres não são definitivamente o meu terreno. Sendo uma pessoa prática, preocupo-me fundamentalmente com as que me doem, esquecendo rapidamente aquelas de que já me safei... Uma conhecida socialite dizia há uns tempos qualquer coisa como esta: "Estar vivo é o contrário de estar morto". Nisso estou absolutamente de acordo com ela. E em filosofia não vou mais longe do que isto...
Não me parece que o assunto que agora aqui trouxeste seja objecto de grandes polémicas, pelo menos da minha parte.
Um abraço. Miguel Pessoa

António Matos disse...

Caro Torcato Mendonça (TM?), pelo teu comentário quer-me parecer que estamos em consonância no que aos sentimentos que aquela guerra nos provocou diz respeito.
É-me particularmente penoso recordar aqueles tempos pelo que de pernicioso representaram .
Não vim com stress pós traumático mas reconheço em muitas das minhas atitudes, movimentos subtis, calculados, prenhes de auto-defesa e tudo nas mais elementares situações do dia a dia.
O novo terrorismo que hoje assola o nosso país não pode ser sub-valorizado ao ponto de continuarmos a admitir que isto são apenas pequenos focos circunstanciais e nada mais !!!
Não, não é !
Caso tenhas vontade ( aviso que é violento !) aqui te deixo uma amostra do que se passa em Portugal no séc. XXI para que se tenha a percepção clara que isto já ultrapassou a barbárie do que eu vi na Guiné !
(Faz um copy/paste para pesquisa no motor de busca e depois conta-me ...)

http://mail.google.com/mail/?ui=2&ik=a77d5318c6&view=att&th=120f46ab33a01b8e&attid=0.1&disp=attd&realattid=0.1&zw

Perante isto, e ainda que academicamente eu pudesse apertar a mão ao meu inimigo de ontem numa manifestação humanista de querer participar na construção duma paz que desejava para os meus filhos e netos, já não concebo outra coisa para esta juventude absolutamente transviada de hoje que não sejam as medidas mais extremas que levem a sociedade a livrar-se destes especímens.
Não sei se o meu raciocínio está capazmente perceptível mas, tal como tu, também me vejo a vestir o camuflado, e começar a acelerar o ritmo cardíaco e gritar por justiça, segurança, paz e prosperidade.
Acredito na bonomia das minhas intenções mas ainda tenho para mim a excelência da formação moral da minha geração cujo desprezo a que foi votada abriu o caminho à insurreição que os governantes, pela imbecilidade e incompetência deram origem.
Para que não subsistam dúvidas, só me refiro aos especímens da geração em causa !
António Matos

António Matos disse...

Caro Miguel Pessoa, obrigado pelo teu comentário.
Objectivamente tens razão na defesa do teu conceito de abate do inimigo.
Tentei, de facto, uma aproximação menos emotiva e mais de manual belicista para manifestar a minha solidariedade para contigo.
Ainda bem que as tais discussões filosóficas não te apaixonam ( e provavelmente a ninguém deste blog ) pois assim não nos perderemos em alguma esterilidade ocupando-nos, por isso, a continuar na demanda de histórias que fundamentem a existência desta Tabanca.
Um abraço,
António Matos