quarta-feira, 6 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4288: Espelho meu, diz-me quem sou eu (1): Joaquim Mexia Alves




















Guiné > Três fotos do Alf Mil Op Esp J. Mexia Alves : uma na altura da partida (em finais de 1971); e duas, passados uns meses, em 1972, já no comando do Pel Caç Nat 52, uma tirada no Mato Cão, na margem direita do Rio Geba (Estreito) e outra numa visita a Bambadinca, sede do Sector L1, Zona Leste. O Mexia Alves esteve 24 meses no CTIG, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973.

Recorde-se que o nosso camarada (ou camarigo, como ele prefere) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e, por fim, na CCAÇ 15 (Mansoa). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Pel Ca Nat 52 estava igualmente às ordens do comando do Sector L1 (*).


1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves, com data de ontem:

Ao ler/ver o post 4280 do Magalhães Ribeiro, (Rangers...Ya!), veio-me à ideia uma nova série de postes muito simples, que até podiam nem ter texto.

Refiro-me a fotografias na partida para a Guiné em comparação com fotografias da chegada, ou de alguns meses passados no "teatro de operações", ("engalinho" com esta expressão).

Se acharem por bem, aqui vão três fotografias, uma da partida e duas passados uns meses no comando do Pel Caç Nat 52, uma no Mato Cão e outra numa visita a Bambadinca, sede do sectoir L1, Zona Leste. É escolher uma das duas do "depois".

Mais uma abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves


2. Comentário do L.G.:

Joaquim: Apoiado!... Até sugiro um título para a série: O que fizeram de nós... Ou: O que fizeram de ti, rapaz ? Ou então: Metamorfoses... Ou: (Trans)formações: Ou ainda: Tão meninos que nós eramos... Ou ainda: Espelho meu: Diz-me quem sou eu...

Que achas, Joaquim ? Eu prefiro o último... Na Guiné não me via ao espelho. Voltei a ver-me, no regresso, e não me reconheci... Aliás, a última barba que fiz, fi-la na Guiné, como eu costumo dizer, para explicar o estranho hábito, hoje obsoleto, fora de moda, de usar barba, desde Março de 1971...(Começou por pêra, ainda em Bambadinca, com o afrouxamento da disciplinar militar, fenómeno inexorável apesar dos esforços patéticos do senhor major Anjos de Carvalho, até se cansar de andar com o RDM em punho, ameaçando bichos e homens).

Na realidade, nos três anos de tropa e de guerra por que passámos, operou-se uma série de transformações: a nível físico, mental, psicológico, social, cultural... Muita coisa mudou nas nossas vidas... Umas mais visíveis (como o aspecto físico: emagrecemos, chegávamos a perder 1, 2 e 3 quilos em operações...), outras menos visíveis (como a sanidade mental)...

Os outros (amigos, pais, irmãos, namoradas, noivas, mulheres, colegas de trabalho...) foram os primeiros a dar conta, quando fomos de férias ou regressámos de vez, "sãos e salvos"... Só depois disso é passámos a olhar para o espelho...

Vamos pedir à malta para juntar as duas/três fotos do antes e do depois com uma uma "observação ao espelho".Façamos a nossa austoscopia (s. f., Exame ou auscultação de si próprio).

Quanto ao texto, gosto sempre de um legenda, mesmo que curta...

Um abraço. Luís


PS - Lembrei-me de um poema que há tempos publiquei no meu blogue de poesia, e que tomo a liberdade (ou a insensatez) de aqui reproduzir (com algumas alterações, a começar pelo título):

Abril 15, 2009 > Blogantologia(s) II - (78): A guerra como forma (heróica) de suicídio... altruista

De cordeiro a lobo, a metaformose

Quem terá sido o grafiteiro
(avant la lettre)
que escreveu:
"Em Mueda, os cordeiros que chegam,
são lobos que saem" ? (**)

É um pensamento que é válido
para todas as situações de guerra.
E a guerra é uma situação-limite.
Os jovens, quase imberbes,
os meninos de sua mãe
(como diria o grande Pessoa),
que chegam à frente de batalha,
ainda são cordeiros,
inocentes,
virgens,
imaculados...
O horror e a violência da guerra
irão transformá-los em lobos,
em duros,
em violentos,
em conspurcados...
Não necessariamente predadores,
assassinos,
criminosos...
(que é o estereótipo
que o ser humano ainda guarda
do pobre do lobo mau!)...

Mas há, seguramente, uma perda de inocência:
não foste para a Guiné
e vieste de lá impunemente,
igual...
Não eras mais o mesmo,
o expedicionário que partiu no Niassa,
e o veterano que regressou no Uíge.
Os teus amigos e familiares deram conta disso:
já não eras o mesmo,
nunca mais foste o mesmo...

Acho que é isto
que o inspirado autor do mural de Mueda quis dizer.
É claro que há também aqui
a dose habitual de bravata e de fanfarronice:
é uma frase de caserna para intimidar
os checas,
os piras,
os maçaricos,
os novatos...

Também os militares, profissão de risco,
têm a sua ideologia defensiva,
as suas crenças,
os seus talismãs,
os seus mesinhos
(usavam-nos os guerrilheiros
na Guiné,
em Angola,
em Moçambique,
não obstante a sua formação racionalista,
marxista-leninista,
dita revolucionária)...
A bravata e a fanfarronice,
além das praxes e do álcool,
ajudavam-nos, a todos nós,
a lidar com o medo,
as situações-limite,
o risco,
a morte,
o sofrimento, físico e moral,
a impotência,
o desespero…

Não há, nunca houve,
super-homens,
super-heróis:
há apenas deuses,
que inventámos,
à nossa imagem e semelhança,
e para quem transferimos
qualidades e defeitos humanos...
Deuses que inventamos todos os dias…
Precisamos dos mitos,
das lendas,
da efabulação,
do imaginário,
do pensamento mágico,
mesmo sob a roupagem (frágil e enganadora)
da ciência e da tecnologia.

Daniel Roxo deve ainda funcionar,
para os nostálgicos do paraíso perdido do apartheid
(Moçambique, Rodésia, África do Sul...),
como o Che Guevara
que também funciona, ainda,
como um ícone,
tanto para os jovens sem ideologia de hoje,
como para os cotas,
os seus pais e tios,
os velhos revolucionários românticos
que queriam, nos anos 60 e 70,
incendiar o mundo,
criando um, dois, três, muitos Vietnames!...

Há homens que são incapazes de deixar de combater...
Mesmo, no limiar da decadência física,
a adrenalina da guerra
é mais forte que a razão...
É um pulsão quase irresistível.
O que terá levado este
e outros compatriotas nossos
a alistar-se nas forças especiais
do regime racista da África do Sul
e a morrer em Angola
por uma pátria que não era a sua ?
Poderei perguntar o mesmo pelos cubanos
que morreram em Angola (mas também na Guiné).
Dir-me-ão que lutavam
por um mundo em que acreditavam,
por uma bandeira,
por uma causa que era a sua razão de vida,
e não apenas por um punhado de dólares,
como nos filmes do Oeste da nossa infância...
Mesmo os mercenários de guerra
não matam nem se deixam matar por dinheiro...
Pura e simplesmente recusam admitir
que estão velhos e acabados...
Sou céptico,
nem optimista nem pessimista:
o ser humano é motivacionalmente muito complexo
e manipulável
e moldável…
Creio que a guerra também pode ser viciante,
havendo homens que nela entram
e dela nunca mais saem...
A guerra pode ser uma forma (heróica) de suicídio...
altruista.

_________

Notas de L.G.:

(*) Da vasta e sempre apreciada colaboração de Joaquim Mexia Alves, aqui fica uma selecção:

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli / Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52)

25 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1997: Álbum das Glórias (22): O Alf Mil Pires, cmdt do Pel Caç Nat 63, em Mato Cão, na festa do meus 24 anos (Joaquim Mexia Alves)

15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2631: Dando a mão à palmatória (5): Recado para uma ida à Guiné (Joaquim Mexia Alves)

30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr do sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3261: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (7): o meu amigo e conterrâneo Jaime Brandão (J. Mexia Alves)

26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3940: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (2): J. Mexia Alves, ex-Alf Mil (Xitole, Mato Cão, Mansoa)

6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4146: Parabéns a você (3): No dia 6 de Abril de 2009, ao camarigo Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, Guiné 1971/73 (Editores)


(**) Vd. postes de:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)

6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2032: Estórias de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2127: Estórias de vida (5): Sérgio Neves, meu irmão, um homem bom (Tino Neves)

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Camarigos: abri pela manhã e espanto meu, fotos e o 4288- a virar em título - Espelho Meu...não com fada ou bruxa mas com o J.Mexia Alves e palavras escritas, questões pertinentes levantadas, por ele e pelo Luís Graça - em prosa e poesia.
De facto, o ter sido militar de empréstimo revolucionou a vida de muitos de nós. Eu por exemplo. Nunca desapareceu a recordação. Contudo,de mim para mim pensava "a guerra acabou". Engano meu, engano meu. Um dia deram-me a ler este espaço e respondi...uma,duas e mais vezes...muitas e passei a fazê-lo, não em fotos falantes e seus escritos mas na terceira pessoa - no José e na metamorfose (como diz o Luìs)de um jovem que vai para o serviço militar e resiste á transformação imposta...mas claudica...! Sabes não queria ser tão intimista, quase narcisista e, apesar de contar só o "leve", aquilo estava com ferrete marcado. Está!Hoje ao espelho está um velho de barbas brancas.Aquele tempo foi tempo...e vem,agora, com mais ou menos força ao presente, fugazmente, pois, de pronto vira passado. Fico aqui. Abraços do Torcato