sábado, 21 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4062: Meu pai, meu velho, meu camarada (3): No Dia Mundial da Poesia (António Graça de Abreu)

Capa de um dos livros de poesia do nosso camarada António Graça de Abreu, China de Seda, Lisboa: Universítária Poesia, Lda, 2001.

Foto: © António Graça de Abreu / Universitária Poesia (2001). Direitos reservados

1. No Dia Mundial da Poesia, 21 de Março, por que não ir buscar um dos nossos e homenagear a nossa poesia, a nossa língua, as nossas raízes... a começar pelos nossos pais (*)?

O António Graça de Abreu, desde que regressou, em 1974, da Guiné e da África, descobriu outro continente e outro país, a China, onde há uma civilização milenar que respeita e cultiva a memória dos mais velhos...

Sem o seu conhecimento (e a sua autorização formal), mas seguramente com a sua cumplicidade de amigo e camarada, vou aqui repescar um belíssimo poema, com um mix (muito dele, António) da nostalgia chinesa e da saudade portuguesa, que escreveu ao pai, quando este chegou ao fim da sua viagem terrena.

É do livro China de Seda (2001), dedicado ao seu filho Pedro, um lusochinês, da idade do meu João... O António tive a gentileza de me oferecer um exemplar com a seguinte dedicatória: "Ao Luís Graça, ainda, sempre mais China, com a admiração e a amizade do António Graça de Abreu. Estoril, Março de 2007".


Meu pai de regresso ao vazio

Não mais pequenos prazeres no declinar dos anos,
almoçar por aí, circundar montes,
palavras, sonhos gastos, mil histórias,
os dias sem fortuna, ainda menias a florir.
Concluída a viagem,
tens agora por espaço, todo o tempo.
Lágrimas por te ver partir,
de regresso à imensidão do vazio
entre ciprestes, muros brancos,
lages, flores, silêncio.
Reencontrar-nos-emos um dia,
por certo, sob a terra fria,
ou talvez ao sol, no céu,
almoçando numa nuvem.


António Graça de Abreu
China de Seda.
Lisboa: Universitária Poesia.
2001. p. 26

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores da série Meu pai, meu velho, meu camarada:

20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)

21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4060: Meu pai, meu velho, meu camarada (2): Militar de carreira, herói da 1ª Grande Guerra, saiu do RAP 2 como eu (David Guimarães)

3 comentários:

Hélder Valério disse...

Sem dúvida muito bonito e muito sentido!
O A. Graça de Abreu no seu melhor...
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Camarada Graça de Abreu
Roubei-te o poema.
Li, uma segunda vez.
Em sussurro enviava-o, em pensamento para o Homem que foi o meu maior Amigo.

No dia do Pai - não sou grande adepto de dias disto ou daquilo... aceito - e, tanto assim que logo pela manhã, lhe enviei um beijo.
Partiu há muito, em 77, tinha, nessa data, menos dois anos do que eu hoje tenho.
Partiu cedo, de repente, na véspera de encontro comigo combinado. Iamos falar, desabafar, combinar ou concretizar algum sonho.
Não! De repente partiu e deixou um vazio enorme...
Gostava de acreditar que um dia o vou encontrar...
Em momentos felizes ou difíceis,
vou até ele em partilha de alegria ou tristeza...

Li o poema e roubei-to. Mandei-lho.

Fiquei um pouco no vazio, a saudade entrando...vai passando...
Não te importas, por te ter roubado um poema,pois não?
Obrigado e um abraço do Torcato(o filho)- Bem Hajas.

Anónimo disse...

"Acabou tudo,
és outra vez pó, ausência e nada.

Mas, depois das nossas vidas,
ficam os amigos, as rosas e os poemas."

(CÁLICE DE NEBLINAS E SILÊNCIOS)
António Graça de Abreu

Pois é meu caro António, depois!... Depois!...Vem Cufar e tudo recomeça.

Como é belo descubrir e mergulhar no sabor da tua poesia!

Como sempre o velho abraço do tamanho do nosso Cumbijã:

Mário Fitas