terça-feira, 17 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4045: Nino: Vídeos (3): Em Portugal, um vizinho meu, antigo combatente, reconheceu-me e tratou-me por 'comandante Nino'...


Guiné-Bissau > Bissau > Palácio Presidencial > 6 de Março de 2008 > Excerto da audiência que o Presidente João Bernardo 'Nino' Vieira (1939-2009) deu, por volta das 12h, a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008). O grupo incluía 3 cubanos, Oscar Oramas, Ulises Estrada e o actual embaixador do seu país na Guiné-Bissau, e ainda três ou quatro guineenses. Mas a maioria dos presentes era portugueses, ex-combatentes da guerra colonial, portugueses... Estiveram também presentes o Dr. Alfredo Caldeira, da Fundação Mário Soares, a Diana Andringa, e o José Carlos Marques, jornalista do Correio da Manhã. Também o francês Prof Doutor Patrick Chabal, o melhor biógrafo de Amílcar Cabral, esteve presente.

Ao todo, na sala, estariam cerca de duas dezenas de pessoas. A audiência foi decidida à última hora, por vontade expressa do 'Nino' Vieira, na qualidade de histórico comandante da guerrilha do PAIGC e um dos seus mais destacados militantes. Não estava prevista no programa do Simpósio. Uma hora antes, o grupo fora também recebidos pelo então 1º Ministro, Martinho N'Dafa Cabi. Não estava prevista, de resto, qualquer intervenção no Simpósio, por parte do Presidente da República - presumo que por razões de segurança - embora ele fizesse parte da comissão de honra.

Vídeo (6' 49''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em You Tube > Nhabijoes


Neste excerto da sua intervenção (*), 'Nino' pede aos portugueses, presentes, para transmitir ao seu Governo o pedido de envio (urgente) de mais professores de português. “Já alguns, mas não são suficientes. Não faltam no interior, em Bafatá, no Gabu”….

E lembra que são, ao fim e ao cabo, os cubanos quem está a fazer o maior esforço de alfabetização das populações no interior. São eles que ensinam o português. As duas línguas, português e castelhano, são próximas e facilmente se compreende o "portunhol"... Foram também os cubanos que criaram a Faculdade de Medicina (**), que ostenta o nome do comandante Raúl Díaz Argüelles (***), morto em Angola, e que está a funcionar no Hospital Nacional Simão Mendes, em Bissau. A ideia nasceu de uma conversa de ‘Nino’ com Fidel Castro.

'Nino' aponta o analfabetismo como a causa de muitos problemas estruturais da Guiné-Bissau… E remata: “Estamos agora todos do mesmo lado. No passado, nós estávamos a lutar contra um regime, não contra o povo português”... Recorda um episódio do seu exílio em Portugal: "Eu era vizinho de um antigo combatente português, que um dia me me reconheceu e me tratou como comandante 'Nino'...

Reconhece que há um problema, na Guiné-Bissau, de crescente perda da memória da luta de libertação… “A nossa história está a desaparecer. Vou ver se tenho um tempinho para ir aí a esse Simpósio, logo à tarde”.
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

9 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4002: Nino: Vídeos (2): O amigo de Cuba... e de Portugal, que em Março de 2008 pedia mais professores de português (Luís Graça)

8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3996: Nino: Vídeos (1): Ouvindo a versão do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje (Luís Graça)

(**) Lembre-se que esta Faculdade, que recebe assessoria técnica e científica dos cubanos, propõe-se dar continuidade à formação de quadros que estava a cargo da Escola Nacional de Saúde (ENS), encerrada com o eclodir da guerra civil de 1998/99.

Criada em 1986, a ENS teria formado já cerca de uma centena de médicos guineenses. A parte terminal da licenciatura era (é) depois feita em Cuba.

A Faculdade de Medicina reabriu em 2006, sendo enquadrada na Universidade Amílcar Cabral (UAC), a única instituição do ensino superior pública existente na Guiné, e que lecciona, além de medicina, mais os cursos de licenciatura: Administração e Gestão, Educação e Comunicação, Sociologia, Economia, Jornalismo, Engenheira Informática.

A Guiné-Bissau dispõe ainda de uma Faculdade de Direito (FDB) cuja assessoria técnica e cientifica é dada pela cooperação portuguesa através da Faculdade de Direito, da Universidade de Lisboa.

(***) Raul Diaz Argüelles, chefe da missão militar cubana que veio em apoio do Governo do MPLA, a seguir à independência de Angola, proclmada a 11 de Novembro de 1975, morreu ao accionar uma mina anti-tanque no município do Ebo, província do Kwanza Sul, a 12 de Dezembro de 1975. Está sepultado no Cemitério do Alto das Cruzes, em Luanda.

9 comentários:

Anónimo disse...

A falta de professores não é a principal razão do atrazo da Guiné.

Nem de professores nem de técnicos de toda a ordem.

Aliás, não exagero se disser que houve alturas em que os técnicos internacionais de serem tantos que se tornava difícil coordená-los, pois chegavam a sobrepôr-se.

Eu próprio cheguei a ter colegas das duas alemanhas...para nada! E os nossos homólogos guineenses...olhavam, não sei descrever o que sentiam.

Exceptuando Cabo Verde, todas as ex-colónias portuguesas e belgas, foram vítimas da invasão descoordenada dos "civilizados" devido ao vazio total dos tradicionais colonos.

O que se passou na Guiné, que eu vi, já tinha visto no Congo Belga em 1960. O caos, até hoje. Os motivos semelhantes.

E, consequentemente, toda a gente escolarizada vai fugir, nem que seja de canoa.

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Querido Rosinho:

Tu és um homem que conheces (ou conhecestes) bem a Guiné-Bissau e foste testemunha viva, directa, participante, da sua história recente... Tenho muito respeito, por isso, pela tua sabedoria de homem grande.

É claro que os problemas de subdesenvolvimento não se resumem a um única causa. Nada na vida e no mundo de hoje é simples, linear, redutor... Os problemas (de pobreza, de doença, de subdesenv olvimento...) são sempre devidos a um complexo feixe de causas, estruturais e conjunturais, endógenas e exógenas...

Não sei se o 'Nino' estava a fazer 'show off'... Foi a primeira vez que o conheci... Mas não sou, por (de)formação profissional e académcia, um homem de preconceitos, de ideias feitas... Dou sempre, num primeiro contacto com o outro, o benefício da bondade, no pior dos casos, o benefício da dúvida... P

rovavemente o 'Nino' estava numa de sedução e de charme... Mas até admito que o homem estivesse convencido do que estava a dizer: afinal de contas, ele era, naquele momento, o presidente da CPLP (que palavarão!).

Agora a verdade é que o português tem ainda muito pouca penetração... Haverá 5%, 10%, de guineenses que falam o português correctamente... Para uma população estimada em 1,5 milhões (com um 1/3 em Bissau), isto significa 75 mil a 150 mil...

Não vale a pena a ignorar ou escamotear que a 'colonização' da Guiné é recente, mais recente do que a de Angola, historicamente falando...

Inventámos o crioulo (nós todos, nós e eles), e foi assim (e ainda é assim) que a gente comunica uns com os outros (o balanta com o fula, o fula com o tuga, o tuga com o manjaco...). Aliás, acho que é um idioma genial. Mas não temos gramática, não temos escrita...

Os médicos guineenses, formados na Europa de Leste, na ex-URSS, na China, em Cuba, não dominam completamente o português (escrito)... Entre eles falam em crioulo... Ainda hoje discutimos isso com um aluno, nosso, de mestrado...

De qualquer modo, na falta de professores portugueses, habilitados a ensinar português, são hoje os cubanos que, no interior da Guiné, "ensinam o português" através de um método de alfabetização que eles alegam ter inventado, o ALFA-TV... Como não o conheço, também não o critico... Por enquanto...

Um Alfa Bravo

Anónimo disse...

Camaradas
O A.Rosinha manifesta o seu desapontamento relativamente aos países emancipados, pela tremenda decepção que, na generalidade, é a patente diminuição do nível de vida, resultado de incultura e impreparação para as independências, e ao abandono pelos países ricos dos apoios necessários à qualificação, por causa da corrupção reinante. Os países ricos do norte, através da Carta das Nações Unidas, promoveram as independências antes que as sociedades se mostrassem capazes para a auto-governação. Agora, espatifados uns Volvos e alguns subsídios, viram-lhes as costas, desprezando-os. O Luis também tem razão, mas como ultrapassar o desiderato?
Há alguns dias, a propósito das nuvens negras sobre Bissau, enviei um texto com uma ideia sintese do problema e da eventual solução.
Abraços
José Dinis

A.Teixeira disse...

Sinceramente, há momentos em que eu tendo a duvidar – provavelmente de forma injusta – das repetidas menções aos esforços que os editores levam a cabo para manter este blogue ideologicamente equilibrado.

Neste caso preciso, talvez por distracção, deixaram passar numa das notas de rodapé – a assinalada com (***) – um trecho que não passa de mera propaganda à intervenção “internacionalista” cubana de 1975, em Angola.

Ora a explicação sobre quem foi Raúl Díaz Argüelles bem poderia ter sido mais sóbria e eu suponho que o enaltecimento dos ícones do internacionalismo da Cuba socialista estará um bocadinho para além dos propósitos deste blogue, ou não?

Anónimo disse...

Luis Graça,

Eu seria o último a condenar Nino Vieira, antes pelo contrário, tenho imensos argumentos para o desculpar.

Mas tambem não faria isso no nosso blog.

Eu cheguei a conhecer crianças guineenses com professores russos que falavam bem português.

Aliás, a perestroica veio prejudicar muito â defesa do português, não só na Guiné. Os soviéticos ao desistirem, assim como os suecos, perdemos imensos lusófilos.

Dinis, sobre as gentes do Norte, já pouco mais sobra que uns tantos jornalistas.

E sobre a droga e a Guiné, e o que se passa no Congo e Ruanda, abandonados pela Belgica, a culpa é de todos menos dos africanos. Não tem o mínimo de demagogia nem de paternalismo esta afirmação minha.

Mas sobre a Guiné, já há guineenses a tentar escrever a própria história.

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Meu caro A. Teixeira:

Dou a mão... à palmatória (como se fazia no tempo de escolinha) e corrijo a prosa. Aprecio a ironia e a elegância com que, em público, me puxa as orelhas... Mas não sou tão masoquista que aceite a sua insinuação de um mal disfarçado ou até intencional "enaltecimento dos ícones do internacionalismo da Cuba socialista"...

Não tenha dúvidas que a propaganda está fora dos propósitos deste blogue. Nunca tive, por outro lado, jeito, feitio ou talento para comissário político... ou construtor de mitos. Detesto a propaganda. Detesto os ismos. Respeito os amigos e camaradas da Guiné, aceito-os na sua diversidade e pluralidade. Temos feito do blogue também um fórum de tolerância e de respeito mútuo. Mas também não tenho, devo dizê-lo, especial apreço pelo zeladores de 'purezas', ideológicas ou outras...

Tenho a honestidade intelectual suficiente para reconhecer, em público, que conheço mal esse período da história de Angola. Tenho amizade e apreço pelo seu povo. Estive lá duas vezes, em 2003 e 2005, o que não me dá nenhuns direitos em falar de cátedra sobre Angola, os seus problemas e a sua história...

Mas já me bastou a guerra da Guiné, não vou decididamente comprar outra...

Em resumo, fiz mal em querer ser didáctico... Mania de professor... Não tenho por hábito escrever sobre o que não sei ou não estudei. Reconheço, por outro lado, que a pequena nota (enciclopédica...) sobre o cubano Raul Diaz Argüelles podia ser mais sóbria, asséptica, assertiva, didáctica, jornalistíca, descontextualizada...

Reconheço que as nossas comunicações estão cheias de armadilhas, devido ao processo de 'conotação'... No limite, isso impediria-nos de comunicar, de blogar, de escrever, de falar... Mas também sabemos que não comunicar é impossível... Até o silêncio fala, muitas vezes, por nós... Daí a minha obrigação de prestar este pequeno esclarecimento.

As minhas saudações bloguísticas
Luís Graça

A.Teixeira disse...

Meu Caro Luís Graça

Lamento se a observação tivesse soado a palmatoada, para que se sentisse na necessidade de estender a mão...

Quanto à publicidade que lhe dei, foi a mínima que lhe pude dar, a da caixa de comentários, mais discreta ainda que os feitos do Comandante Argüelles...

E há que reconhecer que a nota está agora mais sóbria. Não tenho opinião se também terá ganho os outros epítetos que lhe atribuiu (asséptica, assertiva, didáctica, etc.), mas, havemos de convir que - e cito de memória - as especificidades de terem sido as Forças Armadas Revolucionárias de Libertação não contribuíam particularmente para o esclarecimento da carreira do militar cubano que dá o nome à Faculdade de Medicina guineense.

Retribuindo-lhe as suas saudações, confesso-me um seguidor atento do seu blogue, pelo qual o felicito.

joão coelho disse...

Para os que, porventura, não saibam: Cuba enviou tropas em 1975, antes da independência de Angola, a pedido do MPLA, que já solicitara ajuda à URSS. A U.Soviética entregava armas, mas recusou o envio de militares. O território angolano tinha sido invadido por tropas do Zaire (que apoiavam a FNLA) e da África do Sul (que estava com a UNITA), tudo com o apoio velado dos Estados Unidos. Os cubanos responderam positivamente, sem informar a URSS, e enviaram um contingente que foi aumentando progressivamente. Foram decisivos na célebre batalha de Quifangondo (a pouca distância de Luanda) permitindo assim que o MPLA declarasse a independência a 11 de Novembro. Na sequência destes acontecimentos e depois de desbaratada a FNLA e seus apoiantes do Zaire, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, condenou, em 31 de Março de 1976, a África do Sul, considerando-a país agressor e exigindo-lhe que indmenizasse Angola pelos prejuízos causados.
Mais tarde, e já com militares soviéticos no território, os cubanos (que tinham ficado de fora de acções desenvolvidas pelos soviéticos e pelas FAPLA contra os sul-africanos, por as considerarem erradas) acabam por intervir, de novo a pedido do MPLA, em consequência dos insucessos registados no terreno. Enviam, de novo sem informar a URSS, mais militares e equipamento. A nova intervenção cubana volta a ser decisiva, culminando na famosa batalha do Cuíto-Canavale - a maior registada em África desde a 2ªGuerra Mundial. As duas partes dizem-se vencedoras, mas é a África do Sul quem perde, pelo impasse criado.
A pressão internacional aumenta, levando a que em 22 de Dezembro de 1988, Angola, Cuba e a África do Sul assinassem, em Nova Iorque, um acordo que levou à saída das tropas sul-africanas e cubanas e à independência da Namibia.
O confronto entre cubanos e sul-africanos acabou também por acelerar o processo de fim do apartheid - a África do Sul percebeu que já não tinha capacidade para controlar os países vizinhos.

João Coelho

Santos Oliveira disse...

Luis

O comentário que posso deixar acerca dos apelos de Nino...são de completo apoio.
Não tendo eu particular simpatia por este malogrado Dirigente da nossa Guiné Bissau, não recuso tenham sido palavras que o Dever exige e porque o Povo sofre a cada dia que passa.
Só 5% de Irmãos da Guiné Bissau falam o nosso Português. É triste!
Por cá, diz o nosso Governo, sobram-nos os Professores...
Que meio mais edificante de Cooperar, ajudar e ainda beneficiar das mais valias de Gente que tenha a nossa língua por raiz?
"A MINHA PÁTRIA É A LINGUA PORTUGUESA", que, quem nos dirige esqueceu ou não aprendeu.
A Cooperação, para os nossos (des)Governos, é sempre mais fácil arrumada num monte de dinheiro. Assim se faz e a consciência deixa de pesar.
Desse modo não se vê, nem é dado eco das reais necessidades que se vivem no terreno. E são demasiadas. Que o digam os nossos que ainda por lá andam, sacrificados, voluntários e felizes de cooperar.
Os outros impérios coloniais, viram isso e praticam-no, mesmo que seja num qualquer desenraizado Pais de língua diferente.
Vejamos dos Ocidentais: Cuba, Espanha, Inglaterra, França...
Mas Portugal faz por lá...como por cá. Nada. Já não tem emenda porque as Memórias são um exercício cansativo.
Revemo-nos nesse exercício que é praticado todos os dias.
Nem sei se Vasco da Gama ao descobrir o Caminho Marítimo para a Índia foi Herói ou Vilão. Se foi Herói, tudo o que fizemos pela Pátria é Heróico, embora relegado para o esquecimento; mas se Vilão, ao defendermos os nossos valores, tornamo-nos Vilões.
Similarmente, no que diz respeito á saúde (tropical) onde a nossa experiência se esvai á semelhança dos Vet's.
Sobre simpatia, ou ausência dela, garanto que havendo sido vizinho de Nino, a minha personalidade nunca se coadunaria com a saudação que ele faz referência.
Um bom Guerrilheiro, Militar, talvez, mas com ambições Políticas a qualquer preço. Isto, não!
Políticos, na Política; Militares, nas Forças Armadas; Industriais, Comerciantes, etc., cada um no seu galho. A Ordem na Ordem. Só assim entendo o desenvolvimento dos Povos, do Povo da Guiné-Bissau.
Não será(ia) este o Comentário que esperavas, mas é real e o fruto do meu sentimento.
Perdoa-me tu e todos os que possam vir a não gostar.

Abraços solidários que englobe o Povo Irmão
Santos Oliveira